16/06/2020

Já ouviu falar no Show de Manequins?

Antes de falar sobre o que aconteceu naquela madrugada e as consequências do que ocorreu comigo até hoje, irei começar o meu relato do princípio, quando era ainda uma criança com o nariz escorrendo meleca e se divertindo com os colegas do passado. Foi uma dessas ocasiões, quando nós estávamos subindo em uma mangueira para roubar algumas frutas, que eu acabei escorregando, deslizando sem conseguir me apoiar em um dos troncos e caí de forma desajeitada.

Não havia quebrado nenhum osso, muito menos me machucado de forma grave, mas, após aquele acidente, eu não conseguia mais dormir como antes. Os médicos falaram sobre um trauma na cabeça em uma região específica, que causou a minha insônia até hoje. Com certeza foi aí que tudo começou. Após alguns anos daquele incidente, eu já havia servido ao exército e estava podendo pagar meu próprio aluguel, ocupando alguns serviços meio bico, mas suficientes para uma grana. Mudando-me de uma casa para outra, fez com que eu pudesse ter o meu próprio lugar para descansar e comer.

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Esse dia seria como qualquer outro, ao conhecer um novo lar, novos vizinhos e um cheiro diferente no papel de parede mal desenhado. A propriedade, naqueles anos, guardava alguns móveis do ex-proprietário. As únicas coisas que eu precisava saber, quando paguei adiantado, era que não me preocuparia em conseguir uma mobília nova porque a falecida senhora, com muitos anos que viveu na residência, deixou alguns eletrodomésticos. Os seus filhos, sujeitos mal-encarados, alugaram por um preço bem atrativo. Era tudo que eu necessitava.

Como eu não conseguia dormir, ficava a maior parte da madrugada perambulando dentro dos quartos e móveis, que eu habilitei. Isso se tornou uma rotina desgastante e monótona, no entanto, aprendi a lidar com isso enquanto bebia algo vagabundo e fumava cigarros paraguaios. Tudo era apenas mais um acessório, já que eu desenvolvi uma mania própria, utilizando os televisores e fazendo um joguinho particular com os canais em estática.

Em outras ocasiões, eu estava sob o uso de álcool, mas não era suficiente para criar alucinações, já que aprendi a me adaptar e o meu corpo estava tão resistente quanto pedra sendo atingida por água no oceano. Naquela noite, com ventos sacudindo os telhados e janelas sem ferrolhos, batendo na parede sem cansar, que eu coloquei um cigarro entre os meus lábios, e ele ficou balançando para um lado e outro. A fumaça sendo consumida aos poucos sem, ao menos, eu dar um trago.

Antes de mais nada, no meio do devaneio psicológico, decidi fuçar os cômodos da residência para encontrar, pelo menos, algum rádio ou televisor. Cambaleando como um morto vivo na madrugada, explorei vários troços e porcarias, para achar uma TV escondida embaixo de alguns cobertores sujos com poeiras e outras coisas marrons que eu não consegui identificar. Tratava-se de um aparelho de 14 polegadas, a cabo, bem antigo. Não pensei muito para ter em posse e dirigir para onde estava posicionado o sofá. Coloquei em cima de um móvel, que ficou devidamente assentado, como se pertencesse aquilo, mas foi retirado por alguém. A tomada no lugar certo e as ligações com a antena devidamente preparada, só precisava conectar e ligar.

Pressionei o meu dedo no botão, exageradamente grande do aparelho, na parte direita. Um cheiro degradante de borracha queimada subiu, e imaginei que havia destruído o que restou daquele objeto, mas não. Naqueles segundos, imagens em estáticas começaram a ficar movimentando freneticamente, uma linha preta cortada de baixo para cima e um traço, ainda maior, no meio se movimentavam como uma dança. Animado e solitário naquela alvorada, pude perceber que o aparelho estava funcionando.

Tentei me adaptar ao menu, todos os canais estavam fora do ar, e eu fiquei impressionado: havia 64 emissoras e nenhuma funcionando direito. Isso tudo parecia feito para mim, naqueles momentos, porque contribuiu em seu estado estático e borrado para o meu jogo particular. Costumava ficar pressionando no botão de sincronização para que os canais fossem correndo e encontrando os que estavam com área. Geralmente eram os mesmos, mas, antes disso, eu sintonizava no meu relógio de braço para o segundo em que pararia em seus intervalos aleatórios. Muitas vezes fora do ar, e isso contribuía para me deixar cansado e fazendo o tempo passar naquelas horas de vigília.

Mas naquele dia não. Eu pude perceber, mesmo não funcionando devidamente, que algo foi colocado como favorito. O canal escolhido como preferido, sempre era selecionado no número zero. O local apresentava barulhos e imagens distorcidas, mas menos pior do que os outros. Nas ocasiões em que chegava no número 0, parecia que a TV iria sacudir.

Antes que chegasse no destinatário, fui mudando, me aconchegando no sofá e saboreando o Whisky com pedras de gelo. O cigarro ainda continua dançando nos meus lábios. Pressionei meu polegar várias vezes no controle remoto de forma frustrada porque parou de funcionar: bruscamente o aparelho continuou no canal 0, nada mais estava funcionando, nem mesmo o botão bizarramente grande desligava. Então parei ali para terminar a madrugada com o chiado.

Eu estava olhando para aquela tela ficando preta e, aos poucos, depois de alguns segundos, sem corresponder os meus comandos, a emissora foi ganhando imagens e ruídos familiares aparecendo ao fundo. Parece que demorei algum tempo refletindo e sendo entediado pela minha mente cansada, que as coisas foram ganhando proporções inusitadas. Como eu disse, estava aguardando o dia começar e tinha certeza que já havia ultrapassado às três horas da manhã. O canal foi ganhando formas, a estática desaparecendo rapidamente e mexericos de espectadores anunciaram um Top Show com uma cadeira no centro, uma plateia embaixo de uma câmera dando destaque para anunciar um possível apresentador, cortinas laranjas com alguns detalhes ondulados riscados.

Logo em seguida alguém surgiu com algo no rosto, de forma exagerada e bem típico daqueles shows de auditório, uma apresentação bastante animada e agitando, deliberadamente acenava para o público. A câmera distante agora vai ser aproximado para mais perto de onde ele havia sentado. O esquisitão, aparentemente ao vivo, ficou observando a plateia frenética em aplausos e gritos de garotas e homens. Quando finalmente a câmera estava próxima do sujeito, eu pude vislumbrar que se tratava de alguém usando uma máscara bizarra semelhante a uma ave. Sua voz falha, levando os espectadores a loucura com algumas piadas em alemão que eu não entendia a maioria, mas a plateia explodia em gargalhadas. O pouco que compreendi, era de humor negro bem pesado com abusos, violência, mortes atuais para época e mais antigas.

O apresentador, usando uma máscara assustadora, elegantemente bem-vestido, anunciava na sua linguagem que ia ficando cada vez mais difícil de compreender, mostrando uma tela grande com a projeção semelhante a um cinema. Em um local da parede, tinha destaque para figuras desenhadas e algumas imagens que, em todas as ocasiões, fazia a tela fica borrada do meu televisor. Mesmo dando uns tapas, não funcionava, e a interferência sempre incomodava nessas ocasiões. Não imagino o que se passava, creio eu que coisas típicas dessas opções de comédias ou algo que eu não poderia saber. O entretenimento, tão tarde da noite, parecia uma droga ao estourar o público da plateia em euforia e espanto. Depois das apresentações em algum tipo de projeção, aplausos duradores se divertiram.

O que fez o meu sangue congelar e o corpo parar de responder os meus comandos naquele momento, como uma paralisia do sono, foi no instante que a câmera finalmente apontou para a plateia repleta de manequins sentados, com rostos virados para a direção devidamente colocados. O sujeito continuava com suas piadas no sotaque alemão, e as risadas eram expulsas das caricaturas de gente, com faces contorcidas, gargalhadas plastificadas, olhos abertos, atentos e brancos. Tudo causava um pavor em cada momento que eu enxergava uma nova caricatura humana mais horripilante do que a outra.

As coisas foram ficando mais bizarras quando o apresentador ficava apontando o seu dedo para câmera e em direção da sua plateia. Os objetos sem vida, roubando aparência humana, claro que eles não respondiam, porém, atrás da visão da câmera, pareciam se divertirem, cochichar e murmurar um para o outro. Nos cortes dos seus diálogos e imagens do público sem vida, se comunicavam e, cada momento, eles pareciam mudar a posição e expressões faciais.

Eu não controlava mais nada e o desespero ficou entalado na minha garganta, junto com o grito na minha boca. Seja lá o que ocorreu, demorou minutos, no entanto pareceu que o tempo escapou para outra realidade porque a madrugada estava demorando bem mais do que o habitual. Em um certo momento, uma mulher com roupa de enfermeira e usando uma máscara também semelhante a do apresentador, como uma ave negra com o bico longo e apenas dois buracos para mostrar os seus olhos, carregava uma mesa com rodinhas, repleta de objetos pontiagudos, facas cuidadosamente guardadas.

Enquanto a mulher posicionava os objetos no centro do palco, se movimentando e fazendo o seu momento particular diante dos manequins, o apresentador foi se aproximando da câmera. Os seus braços agarraram nas duas direções e o televisor tremeu como terremoto, infelizmente a visão não ficou borrada como as outras vezes. Nesse momento, eu pude enxergar os seus olhos com veias no meio e encontrando a pupila. Sua maneira de movimentar muito rápido as íris atrás dos buracos da máscara, mostrando que, de maneira alguma, aquilo era um homem normal como os outros. Ele parecia penetrar através do vidro do televisor, vislumbrar meus olhos e senti o meu pânico.

Demorou alguns momentos, balançando o seu corpo e encarando como se conseguisse me enxergar. O meu corpo doeu ainda mais e pareceu que concretos de cimento foram deslizados em cada membro porque tudo parecia insuportável e frio ao mesmo tempo. Ficou ainda pior quando ele disse o meu nome, antes de voltar para a sua posição.

O gemido traiçoeiro mencionou as seguintes palavras: "chegou o melhor momento tão aguardado no show, Richard." — a malignidade surgiu em seus verbos e o sotaque não existia mais naqueles segundos.

Quando finalmente eu pude enxergar o horror, os meus braços tremeram demais e o controle remoto, deslizou pelo suor aflito... O homem com a máscara de pássaro havia saído da visão da única câmera e voltou arrastando um manequim com os braços caídos de lado, as pernas moles e bem diferente dos demais porque ele não assustava, não carregava uma expressão de ódio no meio dos sorrisos plastificados, suas roupas eram como de uma princesa, cabelos cacheados, olhos azuis, maquiagem e sendo ainda mais real na sua fisionomia humana, quase que blasfemando para a realidade genuína.

O lunático arremessou a caricatura no chão, apontou o seu dedo na direção da câmera mais uma vez e cochichou algo com malícia. Não sabia se era para eles ou para mim. O seu sotaque falho, saindo da máscara de pássaro, gaguejou para uma piada final... Socando suas coxas e sendo sufocado pelo seu próprio humor para finalizar o temor de sua apresentação.

Enquanto ele tossia igual um doente de tuberculose, foi se arrastando, saindo por uma segunda vez do alcance da minha visão. A estranheza não acabava por aí já que trouxe o pesadelo naquele dilúculo com algo tenebroso e surreal: os manequins ganharam vida, levantaram da plateia e foram direto para mesa com as facas. Tomaram de posse os objetos, se movimentando lentamente e esfaquearam o manequim deitado no chão.

Seus movimentos arrastados e excitados, acoitavam a caricatura humana de uma garota debruço. Isso é o de menos, a coisa que realmente causou loucura na minha mente foi porque ela expulsava gritos e sangrava como se fosse uma pessoa de verdade. Não pude acreditar na cena que estava enxergando, os outros manequins continuavam golpeando e penetrando sem parar, fazendo sua pele branca ficar com o tom acarminado de sangue.

Essa cena durou mais do que minutos, pareceram uma eternidade até que, após o massacre, a multidão feroz retornaram para os seus assentos na plateia, arremessando as facas em volta do que sobrou da manequim destroçada. Voltei para minha realidade, como se eu estivesse presente naquela carnificina. Encontrava-me coberto com suor, aterrorizado, com medo e o meu coração bateu como tambor no meu peito, acelerado. Parecia que eu havia despertado de um pesadelo e ainda continuando nele.

Tudo pareceu um vago sofrendo sem gritar. Nem podia mais ouvir os sussurros que ignorei desde o início, mas, no momento de brutalidade, pude perceber com mais clareza... parecia que em todo momento, desde o início da transmissão, vozes acompanhavam o chiado e representavam almas agonizantes na transmissão. Nesse vazio, não existia mais nenhum tipo de espetáculo... a plateia de manequins assassinos ficou silenciosa, o apresentador tinha sumido e apenas mostrando a sua mesa vazia com aquela gravura esquartejada adormecendo no chão de madeira.

Nos segundos em que encontrava-me saboreando todo o mal do mundo, qualquer coisa ruim que já poderia enxergar e que ainda viria acontecer, o repugnante... utilizando a máscara de sempre, apareceu para visão das câmeras. Causando nós em seus verbos, que ficaram ainda mais piores em uma linguagem própria, ainda mais lunático e perverso, observando o sangue derramado e os pedaços desmembrados da manequim que foi bela, agora está horrível. O fim da tortura veio junto com o som da TV em estática. Os tons brancos anunciavam o fim do Top Show.

Minha realidade voltou nos segundos em que o cigarro, na última brasa, queimou a minha perna esquerda. Despertei de um desvaneio, um sono alucinótico. Lembro-me das suas palavras tão frias, cruéis, vazias e impiedosa, seduzindo os telespectadores em geral com: "esse é o espetáculo dessa madrugada, estamos aguardando você mais uma vez". A televisão voltou a ficar sem sinal e logo desligando de forma automática. Desde esse dia, eu não consegui ficar mais acordado, pareceu uma cura para a insônia, mas, na verdade, era uma escapatória da minha alma porque eu não poderia mais permanecer nas madrugadas e muito menos com o televisor ligado em tal ocasião.

O apresentador, usando a máscara de pássaro, ficaria satisfeito em me ver mais uma vez apreciando o seu espetáculo! Estou aqui nesse texto para saber se você já ouviu falar do Show com Manequins...?

Autor: Sinistro

12 comentários:

  1. Eu comecei a ler isso exatas 01:32 da madrugada, realmente não foi uma experiência confortável

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  2. típico de alguém da loja de roupas

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  3. PRGDL02022

    Sensacional como sempre, parabéns SINISTRO!!!

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  4. N tendi foi naaaaaada mermao, alguém explica pfv mesmo assim,gostei kkkkk

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  5. Não amigo nunca ouvi falar de show de maniquins forte abraço

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  6. Foi como uma forma de ajuda eu sinto que alguém tava tentando te ajudar e te dar uma lição já ouviu falar na outra história de manequins no shopping

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