Tento correr.
Olho para trás e as faces famintas dos inquisidores se acendem em fúria – carregam tochas e arpões, e gritam palavras que profanariam até mesmo os santos. Reúno o fôlego enquanto adentro a selva densa e corro; corro rasgando os braços em espinhos e fustigando meus pés nos pedregulhos pungentes. Abro caminho em meio aos arbustos e contorno as árvores que me serviram de refúgio e lar em tempos de outrora.
Clamo aos meus ancestrais para que uma vez mais me libertem da perseguição, e que olhem com bons olhos para mim – sei que não sou a criatura imponente que deveria ser, e que meus olhos não são agudos como os da água, e que minhas pernas não me lançam às copas das árvores num único voo majestoso. Sou frágil, mas o espírito dentro de mim se acende com fogo milenar, e a floresta não reconhece em mim a chama mística que um dia a iluminou.
Eles se aproximam e seus braços se balançam ostensivamente com suas armas improvisadas e seus gritos de ódio; o penhasco detrás de mim balança com as ondas retumbantes que o acertam. O dia já está escurecendo e o mar tem a cor escura de uma noite recém-chegada, vibrando com a energia salina da transformação e da fluidez.
Os olhos dos homens se inflamam e os seus dentes se escancaram em risos funestos quando me pressionam contra o abismo, e ao recuar, hesitante, sinto uma brisa sulfídrica me encher os pulmões ao ouvir a água gemer com vida própria – à minha frente, saídos do mar, materializam-se criaturas das profundezas abissais com pele azulada e sussurros silvosos só entendidos pela própria água; seus olhos eram negros e seus dentes serrilhados e inúmeros – as criaturas se lançam vorazes aos corpos frágeis dos perseguidores, e as suas mordidas rasgam os pescoços pulsantes e abrem buracos em suas faces contorcidas pelo medo.
Tudo cheira a sangue e enxofre e os corpos se empilham desfigurados no chão, com músculos retorcidos e espasmos borbulhantes; as entidades se arrastam em minha direção, movendo-se como as ondas em movimentos ordenados e altivos – suas mãos me tocam a testa e me sinto queimar de dentro para fora, como o núcleo de uma estrela em erupção; meus olhos se fecham, e me sinto balançar com o mar em uma dança frenética e ancestral.
Quando acordo, meu corpo está jogado nos rochedos, estraçalhado pela queda – o que me chama atenção, entretanto, é o pequeno círculo gravado em minha testa como uma ferida há muito cicatrizada. Olho para o meu corpo nas pedras e então olho para as minhas próprias mãos enquanto flutuo no mar – sou translúcido como uma miragem e meus dedos se contorcem em ângulos indizíveis; as águas infindas se abrem ao meu redor, e se movem em ressonância com os meus pensamentos. Grito, em uma voz retumbante como o eco dos abismos oceânicos, um suspiro eruptivo de um vulcão há muito soterrado pela água fria – do horizonte até o litoral, manifestam-se as criaturas abissais, curvando-se perante o novo rei.
Autor: Ceruno
Ja não foi postado?
ResponderExcluirDe novo?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirbah gabriel
ResponderExcluirde novo postando creepy repetida
Uau a história num faz o mínimo sentido mas a última frase explica td
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