Minha avó perdeu os pais num acidente de carro, em 1956, quando tinha 13 anos. Então teve de ir morar com os ''padrinhos'', que eram os amigos mais próximos de seus pais na época, porque eles não tinham parentes aqui no país, e vieram da Holanda para cá, em 1936. Ela nasceu em 1943. Os padrinhos carniceiros deram um jeito de ficar com toda herança que seria de minha avó, onde com 14 anos casaram-na com um parente distante deles, e depois fizeram ela rumar ao interior do Rio Grande do Sul, onde vivia.
Desde a morte dos pais ela disse ter vivido uma vida conturbada, não tinha parentes mais no mundo, constantemente era espancada pelo marido bêbado, que chegava em casa e descontava toda frustração da vida cotidiana de trabalhador de fazenda em suas costas, resmungando que ela destruiu sua vida e suas chances de ''se dar bem''. Ela me disse certa vez ter perdido todo o amor pelo mundo já muito nova, que só viveu até hoje pelo fato de acreditar que após a morte, Deus e seus pais acidentados a receberiam de braços abertos e chorando por ela ter demorado tanto para ir vê-los. Ela teve 06 filhos com um homem que nunca amou. Viveu uma vida bem miserável, enquanto apanhava isoladamente e friamente por um parente de desconhecidos que lhe tiraram tudo que essa vida poderia dar.
Meus tios e tias cresceram numa família desestruturada, com constantes brigas entre seu pai espancando sua mãe e sem poderem fazer nada ao passo em que cresciam. Meu avô viu seus filhos crescer, bebendo, e espancando a mãe deles em sua frente. Meu tio mais velho cresceu com ódio, jurando matar o pai certa vez, por todo sofrimento que ele faz passar os irmãos e ele. E o fez, ele o matou. E também se matou em seguida, no quintal da casa, com um tiro de espingarda no céu da boca, que abriu um buraco enorme e vago na sua cabeça do outro lado, depois de também matar o pai com um tiro na cabeça. Creio que ele não conseguiria viver com o fato de ter matado o próprio pai. O pai dele era um lixo de gente, um animal, e ele sabia disso. Todos sabiam disso. Todos também queriam sua morte. Mas, no fim, creio que mesmo sabendo de todas essas verdades, ele ainda amava ''aquele animal'', seu pai, que desde que nasceu, o chamou de filho. São coisas da vida.
Foi minha avó quem encontrou os corpos. Quando o fez, ela pegou o corpo do meu tio nos braços e ficou ao lado dele, até meus outros tios chegarem em casa. Ela nem sequer olhou para o corpo do marido ao chão e coberto de um sangue negro e pastoso, com um buraco aberto na cabeça e acima dos dentes. Eu não era nascido ainda, mas mais tarde minha mãe me contou que não teve coragem de ver o pai e irmão mortos. Meu outro tio viu. E ele disse que aquilo não deveria nunca ter sido visto pela minha avó. Por outra pessoa, sim, mas não por ela. Não depois de tudo que ela viveu e passou nas mãos do meu avô. Não ela, dentre todos ali...
Nenhum dos irmãos gostava de admitir, mas o filho mais velho sempre foi seu preferido, o que ela sempre cortejou mais, limpando os cabelos sujos de areia, escovando os dentes, dando banho e cuidando das unhas cheias de terra e sujeira preta. Ver o filho jogado ao chão e com um buraco na cabeça destruiu qualquer traço de sanidade que ainda havia repousando a consciência dela. Ela não disse uma palavra depois do acontecido por quase um mês. E ninguém também a viu chorar pelo caso. Mas todos sabiam que, de todos ali, era ela quem mais sofreu pelo trauma.
Ela enlouqueceu, posteriormente, ao acontecido, nunca mais voltou a ser a mesma mulher. Sofre de delírios até hoje, poucas vezes possui alguns picos de lucidez e, quando sofre, logo o perde.
Ela mora comigo e minha mãe hoje em dia. Só nós três. Meus pais se separaram depois de 06 anos de casado e decidimos ir morar ao Nordeste, em Recife. Faz mais de 03 anos que não vejo meu pai e somente nos falamos por redes sociais, vez ou outra por chats de vídeo, no Whatsapp. Apesar de tudo, gosto do meu pai, mas gosto ainda mais da minha mãe e não podia deixá-la após ter decidido ir embora do Rio Grande do Sul para esquecê-lo e ainda cuidar de uma idosa enlouquecida.
Voltando ao caso, minha avó anda pela casa de madrugada e fala sozinha (isso me assusta), fala com coisas e grita pelo meu nome dizendo que estou bisbilhotando suas conversas pela casa. Dias vão, dias vem, ela diz ver um homem todos os dias e que conversa com ele. Eu sempre pergunto quem é o homem, mas ela nunca diz quem é, só diz que ''ele não tem cara'', que há um grande buraco aberto na sua cara, pingando sangue e carne velha podre, com cheiro de queimado, como se estivesse desgastada, mas ainda mais vermelha e viva que o inferno. Logicamente, eu atribuo que ela ainda tem delírios com o filho morto, meu tio, cujo qual ela presenciou a morte. Isso não me abalava, eu não sentia medo dos delírios. O que eu passei a ter medo foi quando os delírios mais pareciam possessões demoníacas que qualquer outra coisa. Até ela começa a ficar cada vez mais perto do meu quarto, até ela arranhar a porta do quarto com suas unhas enormes que nunca deixava ninguém cortar e não falar nada, até ela incessavelmente bater na minha porta de 5 em 5 segundos e nunca responder quando eu perguntava ''Quem é?''.
Algumas vezes quando eu acordava de madrugada, ela estava sentada ao pé da cama, me olhando. Olhos desconhecidos, longínquos e assustadores, como se um demônio estivesse a espreita, esperando que eu acordasse para puxar os meus pés, olhar nos meus olhos e dizer: ''Acabou, você não vai viver. Não tem mais esperanças, hoje, vamos ao inferno'', e então começar a lentamente me carregar para debaixo da cama, onde mãos negras e podres, cheirando a enxofre e morte, me arrastaria para o fogo eterno e eu viveria sendo dilacerado pelas chamas inquietantes e infernais derretendo minha pele. Aquilo me assustou demasiadamente. Fez minha alma tremer e eu quase chutei-a na hora. Não tive coragem de falar com ela. Chamei minha mãe num grito gigantesco e pedi para que ela retirasse-a dali depressa. Então minha mãe veio e a retirou. Mas seus olhos vagos e vazios não saíram de mim em nenhum momento até que ela se deixasse sair do quarto, enquanto um sorriso sombrio e arrepiante ecoava por sobre sua boca, o que me causou uma inquietação exasperante e quase me deixou sem ar. Naquela noite, pedi para minha mãe não deixar mais que ela entrasse no meu quarto. Nem quando eu estivesse dormindo e nem nunca.
Comecei a trancar o meu quarto e conversei com minha mãe sobre isso, sobre minha avó estar mais que somente louca, sobre ela estar me assustando e sobre eu não querer mais morar com ela. Mas ela não me deu atenção, disse somente para que eu parasse de incomodar minha avó louca. Como se fosse eu quem estivesse incomodando-a. Outra noite, tive que trancar o quarto porque ela queria entrar e começou a gritar. Há noites em que ela faz silêncio, outras em que ela chama meu nome.
''John, venha aqui fora, ele quer te ver'',''John, venha aqui fora, ele quer falar com você''.
Eu sempre pergunto: ''Quem quer me ver'', mas aí ela se cala e dá uma risada macabra, e isso me assusta mais que o próprio inferno.
Outra noite eu acordei e quis ir na cozinha, ela não estava no sofá, como de costume, fui até a sala de estar, a porta da casa estava aberta, ela estava na varanda, onde há uma grande janela para um terreno vazio, cochichando sozinha, no escuro e em um ruído não traduzível. Não pareceu notar minha presença ou estava concentrada demais em sua conversa (delírio) pessoal, que nem quis me dar atenção. Me aproximei mais, mas não chamei-a, apenas estendi minha mão para tocar em seu ombro, quando, de repente, ela segura minha mão sem ao menos olhar para mim, enquanto estava de costas. Meu coração disparou e minha garganta fechou. Eu não costumava imaginar isso, mas se houvesse um momento em que mais achei que poderia morrer e/ou que ela poderia ter me matado se quisesse, seria naquele momento. Sua mão esquerda, mais fria que a de um cádaver congelado, era extremamente forte, muito forte para uma senhora débil mental, com seus generosos 1,55 de altura e seus 52 quilos. Ela segurou minha mão forte o suficiente para machucar e olhou para mim com os mesmos olhos carnívoros que me olhou ao pé da cama. Ela apontou o outro braço para o nada negro do terreno e, pela primeira vez naquela noite, eu achei que havia algo ali. Uma terceira presença que eu nunca havia notado em minha vida. Eu não conseguia vê-lo, mas sentia que estava ali, no meio da vegetação alta e escura, me observando, me querendo, até mesmo me desejando. O pavor em meu rosto era notável, minha garganta seca e o rosto pálido só conseguia olhar para o escuro vazio onde ela apontava. E eu acreditava ser melhor assim, não queria olhas naqueles olhos demoníacos dela de novo. Não centrados ao meu lado, pois sabia que se eu olhasse, era o mesmo que estar olhando para o rosto e olhos do próprio diabo querendo devorar minha alma em mordidas lentas e dolorosas. Olhar o vazio negro e assustador era mais reconfortante que isso. Em meio ao meu pavor, ela aperta minha mão mais forte e diz, com uma voz grossa e amedrontadora que nunca lhe pertenceu: ''Então, consegue ver agora? Ele está aí, bem a sua frente... E ele lhe quer, John, ele quer seu sangue e sua morte. Como ele morreu, como ele teve que morrer, você também vai... E ele, comigo, irá beber seu sangue e o de sua mãe para que assim possamos viver juntos para sempre...''. Antes de permitir que aquela voz horrível continuasse proferindo qualquer tipo de absurdo insólito, soltei meu braço do repuxe dela e corri para o meu quarto, tranquei a porta e gritei o mais alto que pude pela minha mãe. Minha mãe tinha o sono pesado, mas o nível dos meus gritos estavam tão altos que eram capazes de derrubar aquela casa. A minha avó, ou o que quer que ela fosse naquele momento, me seguiu e começou a bater na porta, gritando: ''Você não vai fugir, John, você não pode. Eu já estou aqui, ele já está aqui, é só uma questão de tempo, John, você vai morrer e a vovó vai cuidar de você, e de seu corpo, das suas entranhas e, quem sabe, dos seus pulmões. Já comeu pulmões, John? Que gosto será que os seus tem?''.
A voz ainda possuía o mesmo tom demoníaco de antes, só que, ao passo em que minha mãe acordou e se aproximou da porta do seu quarto, o grave daquela voz foi perdendo força e minha avó foi parando de falar aquelas coisas horríveis, voltando ao seu tom de fala fraco e normal, somente batendo na porta quando minha mãe finalmente sai do seu quarto e diz: ''Mamãe, já não pedi para pará-lo de o assustar?'', ela então responde: ''Me desculpe minha filha, só estava com saudades do meu neto'' e se afastou. Não ouvi nada demais até o resto daquela noite e simplesmente dormi para esquecer tudo aquilo, mas vez ou outra acordei de madrugada. Com medo. O mais simples e puro medo de ela novamente estar no pé da cama pronta para me arrastar para o inferno. Mas ela não estava.
Desde aquela noite, ela passou a cantar uma música horripilante sobre um homem deformado, que espreitava e comia crianças e adolescentes. Eu tenho 11 anos. E acredite, eu estava no meu limite. O terror que morar naquela casa tinha se tornado me fez repensar toda minha leve vida até aquele momento. Se eu soubesse que minha própria avó me causaria mais medo do que o próprio diabo encarnado, eu nunca teria vindo morar aqui com ela e minha mãe. Mas, de toda forma, não posso deixar minha mãe aqui com ela. Eu amo minha mãe. E sempre que ela terminava de cantar, parava na porta do meu quarto, batia nela, e não dizia nada, mas estava lá. Se eu abrisse a porta, ela estaria ali e eu sabia disso. Eu não podia abrir a porta pelo fato de estar com mais medo da minha avó do que do próprio diabo.
Agora eu me pergunto o que há de fato: Minha avó é louca, e tem delírios mentais pelo dor remoída da perda prematura de seu primeiro e preferido filho ou ela realmente vê esse homem com a cara destruída e despedaçada, e incorpora sua existência enquanto amedronta a minha? De certo modo, eu não queria saber...
Mas sabe, já são 12:30 e eu preciso ir para a escola.
Os acontecimentos conseguintes são os mais surreais de toda a minha vida e eu simplesmente não queria tê-los visto ou vivido. O horário que eu voltava da escola era sempre 18:30, 19:00 no máximo, geralmente quando o rapaz do transporte se atrasava por algum motivo específico, seja trânsito ou quaisquer outras coisas. Hoje, foi um desses dias de atraso. Mas o trânsito estava realmente horrível. O rapaz sempre me deixava na porta de casa, então eu descia e abria o primeiro portão com minha chave e andava até minha casa, que ficava lá no fundo, do lado de um terreno vazio enorme e assustador, com gramado alto verde-escuro e entulhos, que sempre ficava preto quando era noite.
Aquele dia, em especial, foi diferente, minha avó estava perfeitamente bem pela manhã, sem dizer ou agir estranhamente, como de costume, me deu ''Bom dia'' e serviu meu café e o da minha mãe. Nos sentamos na mesa, mas no momento vocês devem se perguntar como uma mulher louca pode servir café. De fato, minha avó era louca, mas ela conseguia inexplicavelmente ter picos de sanidade vez ou outra, conversar e até servir/fazer sua própria comida. Não era sempre, mas quando ocorria, minha mãe não gostava de interromper ela e, bem ela nunca se machucou antes fazendo isso, ou machucou alguém, então não havia problema. Ao sentarmos, ela falou pela primeira vez sobre o ocorrido com seu marido e filho, meu avô e tio. E falou de uma maneira tão lúcida e genuína que vi minha mãe ficar pálida do outro lado da mesa. Ela nunca falou sobre isso nos últimos quarenta anos. Mas não falou muito, nem entrou em detalhes, disse breves dez palavras: ''Quando vi seu irmão caído no chão, eu morri junto com ele naquele dia''. E então se calou, não disse mais que uma breve palavra naquela manhã. Ninguém se atreveu a falar nada depois disso. Minha mãe estava gélida pela surpresa, mas triste pelo dito. Eu não me atreveria a dizer nada por ser pequeno e também por ter ao menos uma noção da carga emocional que isso carrega para minha mãe. E minha avó, bem, ela simplesmente não disse mais nada por motivos óbvios. Naquela manhã, terminamos nossos cafés, nossos biscoitos e nos levantamos. Lembro de ter dado as costas para mesa quando, por sobre os ombros, escutei minha avó dizer mais algumas palavras para minha mãe: ''Você sabe que dia é hoje, não é, Layla? Foi no dia de hoje que ele morreu...''
Eu não disse nada. Só escutei, mas escutei perfeitamente, e foi isso que mais me assustou durante o dia e que me assombra agora, ao olhar para esse terreno mais negro que o tecido espacial refletindo meu medo essa noite.
Vou andando em passos vagarosos até minha casa, contando mentalmente (1,2, um, dois), ao me aproximar cada vez mais, meu peito vai se fechando num medo que corrobora o motivo de tudo: eu tenho medo de morrer! Tenho medo de saber que meu tio morreu hoje e tenho medo de saber o que aquilo que minha avó disse para minha mãe hoje significa. Então, apresso os passos, ao aproximar-me da porta, notei que ela estava entre-aberta, e então escuto aquela música demoníaca que minha avó vinha cantando dias atrás para mim. Noto que ela parece ter sentindo minha presença ali e gargalhou, uma gargalhada mais oca e dolorosa, que feliz. Empurro A PORTA e entro. De olhos fechados. Entrei em casa de olhos fechados. E então, com mais medo do que já senti na vida, abro os dois olhos lentamente...
E vejo... Cristo!
Eu vejo o próprio INFERNO! O chão da sala de estar está em uma poça gigantesca de sangue, um sangue negro e pastoso, como tinta ressecada. Está no chão e escorrendo aos meus pés. É minha mãe, morta, com um tiro de espingarda na cabeça e um buraco enorme na parte de trás do couro cabeludo. Minha avó está sentada na cadeira de balanço ao lado dela, rindo e cantarolando:
''Conte os passos, abra a porta, eu quero entrar, é o mal encarnado...
''Conte os passos, abra a porta, eu quero entrar, é o mal encarnado...
''Conte os passos, abra a porta, eu quero entrar, é o mal encarnado...
Meu coração se fecha e eu não consigo respirar. Sinto meu peito e minhas pernas pesarem, como se estivesse preso, mas mesmo assim ameaço correr e a porta nas minhas costas simplesmente bate. E então minha avó levanta, com a voz num tom tão grave, que parecia uma legião de pessoas, melhor, de demônios se expressando por ela:
''Eu disse, não disse, John? Eu disse que ele existia, disse que estava aqui, mas você acreditou em mim, John? Acreditou? Não, não é? Veja sua mãe, morta no chão agora, John, consegue ver? Em? Acredita nele agora, John? Acredita em mim, John, em?'' E então sorri um riso macabro, com suas mais de 1000 vozes em uníssono. Minha espinha arrepia. E ela continua:
''Eu sempre o vi John. E, acredite, você não vai morrer, não, não vai... Eu seria boa demais se fizesse isso, ele seria bom demais. Você deve se perguntar o porquê de tudo isso, não é? Mas não há um ''porquê'', John... O mal existe e ele se favorece dos fracos, John, quando você se mata, John, você vende sua alma ao diabo e tudo que é seu, ou foi seu, pertence ao mesmo. Mas isso não acaba aqui, não, você vai viver e vai ser o próximo hospedeiro do mal, da loucura e da desgraça, John...''
Eu quero correr para o meu quarto e me trancar, mordo a língua para quebrar a transe e vejo minha avó possuída repetir: ''Pode correr!'', e então corro em direção ao quarto, só que quando vou entrar, algo invisível esbarra em mim, que, aos poucos, deixa de ser invisível, e então um homem de terno preto e com a cara destruída pelo que parece ser um tiro de espingarda aparece diante de mim e cospe sangue morto na minha cara. E então minha avó diz:
''É ele, John, tudo começou por ele. Foi ele quem se matou e vendeu sua alma ao diabo no processo''.
Nesse momento, eu não tenho mais forças para correr, eu apenas me debulho no chão em meio ao sangue da minha mãe, o espírito vingativo e horripilante do meu tio cuspindo sangue morto em mim e minha avó possuída, me dizendo: ''Bem, está na hora de acabar, mas você não vai morrer, John...''.
Eu sei o que ela vai fazer, ela vai atirar na cara, como seu filho e como assassinou minha mãe. Então me encolho no canto da parede e abaixo minha cabeça entre as pernas. NÃO QUERO VER, NÃO QUERO VER, NÃO QUERO VER. Mas ela grita:
''Não, você vai ver, John! Foi tudo para isso, é tudo por isso! Você vai ver... Pegue-o!''
E então o homem com a cara destruída me segura pelo pescoço com uma força sobre-humana, segura meus braços e puxa meu cabelo para trás, forçando minha cabeça contra minha avó possuída, que diz:
''Acabou, John, veja! Somente veja, sua mãe morta, caída na escuridão e tomada pelo mal. Pelo diabo. Ela vai apodrecer no inferno e você não irá poder seguí-la, pois você não irá morrer, você é o próximo herdeiro da escuridão, loucura e debilidade. Quando eu acabar aqui, os delírios, os demônios e os fantasmas serão seus, todos seus, para sempre... Até que você encontre outra família para continuar o ritual de destruição e loucura com outro hospedeiro. Até lá, você vive!''
Terminando de dizer o ''você vive, a avó demoníaca ajoelhou-se ao lado da filha morta, engatilhou a espingarda e apertou contra o céu da boca, que espatifou seu cérebro do outro lado e fez carne fresca e sangue virgem do seu cérebro ecoarem pela sala. O menino agora viu a legião de demônios incorporados em sua avó saírem e adentrarem no seu corpo, todas as vozes começaram a falar ao mesmo tempo em sua mente e tudo que ele tinha ao campo de visão era o do homem de terno preto e com o buraco na cara, que simplesmente o perseguia em qualquer direção que olhasse (toda a loucura agora é sua, disse sua mente). Ele não conseguia andar, então sorriu, caiu, queria dormir e ver se tudo era um sonho, mas não conseguia. As vozes na sua cabeça repetiam incessantemente coisas negativas (você vai morrer, você é louco, louco, feio, louco, lixo, lixo) e essas degradações mentais nunca acabavam. Ele então decidiu morrer. Se arrastou em dois pés com o pingo de consciência que ainda lhe restava até o corpo morto da avó, retirou a espingarda de sua boca e por algum momento achou que seu tio morto o impediria de se matar, mas não o faz. Ele então seguiu até o lado do corpo da mãe e beijou-a no rosto. E disse:
- Isso é só um sonho, vai acabar! - Disse.
E puxou o gatilho, mas não havia balas. Ele sorriu.
- Só lhe resta o seu pai! (ecoou uma das vozes em sua mente, uma que lhe parecia com sua avó).
- Verdade! - Disse ele.
Ele então retira o celular do bolso e liga para o pai! O que se sucede aqui é, que aos poucos, a essência demoníaca que se apoderou do corpo dele vai tomando sua consciência num nível que, aquilo que existia antes, já não existiria mais em pouco tempo. Só haveria loucura, morte, escuridão. E dívida. Muita dívida.
O celular chama duas vezes, e:
- Alô, John? - Disse o pai.
- Oi, pai, sou eu! - Disse ele.
- Tudo bem com você, meu filho?
- Sim, pai! (ele não disse a verdade, o mal não permitiu)
- O que quer?
- Será que (vozes na cabeça começam a assumir) eu posso ir morar com você de novo? - Disse.
- Mas é claro, meu filho! Onde está sua mãe? - Disse o pai!
- Ela não pode falar agora! (e esse foi o último resquício de consciência do garoto)
- Vou pegar um voo e ir te buscar amanhã!
- Ok, p-p-pai! Seremos uma linda família! (e na mente do garoto somente ecoou um pensamento verdadeiro: eu quero matar você, pai, você vai MORRER!)
Autor: The Nightmare