Erick e Ian estavam em frente ao portão. Estava chovendo enquanto eles fitavam os muros de pedras e tentavam acender o lampião que tinha apagado. A escuridão era asfixiante, e o frio estava longe de deixar as coisas menos ruins. Ian teve a impressão de ver alguém subindo as escadas de uma das torres, teve imediatamente a impressão que estava ficando louco de ver alguém de madrugada em um cemitério. Resolveu voltar suas atenções ao lampião e não comentar nada com Erick.
Ian era o nome dado ao menino de dezesseis anos com olhos profundos demais para sua idade e muito magro. Ele não sabia seu sobrenome e nem seu verdadeiro nome, se é que um dia teve algum nome verdadeiro, havia sido abandonado pela família, viveu grande parte da vida em um orfanato, de onde conseguiu fugir há alguns meses atrás. Pensou que talvez alguém fosse atrás dele, mas isso não aconteceu, não sabia se achava isso bom ou ruim. No entanto, encontrou um amigo nas ruas, Erick.
Erick McFarlane era mais corpulento, tinha completado dezoito anos recentemente, não era muito mais alto que Ian, mas tinha costas largas, seu rosto estava sempre sério. Seus lábios nunca se curvavam, nem para cima, nem para baixo. Sua constante feição de indiferença foi muito mal interpretada durante o funeral de seu pai e irmão. Todos morreram no desastre da mina em Knockshinnoch. Sua mãe cometeu suicídio uma semana depois. Erick então foi para Edimburgo, ouvia dizer que era o único lugar da Escócia que valia a pena. Estavam todos errados. Ganhava a vida agora cometendo alguns pequenos furtos e assaltos durante as noites. Duas vidas que se encontraram no limite do desespero e miséria. E que acabaria da mesma forma.
O cemitério de Greyfriars Kirkyard era um local recorrente na mente de Erick, sabia que lá havia muita gente enterrada, muitos deles reis, gente importante da política e da igreja. O quão fácil seria invadir as tumbas subterrâneas levando em conta sua perícia? Quantos desses desgraçados haviam sido enterrados com dentes de ouro, roupas chiques com botões e brasões,
medalhas e joias. Erick havia encorajado Ian a ajuda-lo, prometendo 10% do que conseguissem. Ian estava lá. Como um fiel escudeiro e amigo.
Acenderam o lampião, arrombaram o portão e entraram. Erick havia estudado o local e sabia para onde ir. Ian somente o seguia. Sentia algum tipo de admiração por Erick e seu jeito sistemático de agir. Pensava nele talvez, como um irmão mais velho que nunca teve, mesmo que o sentimento não fosse recíproco.
- Vamos entrar, arrombar o que for preciso arrombar, abrir o que for preciso abrir e pegar o que conseguirmos carregar. Vamos embora antes do sol sair. Entendeu?
- Claro – respondeu de imediato Ian, enquanto seus níveis de adrenalina subiam a níveis que não imaginava.
Depois de algum esforço obtiveram acesso ás primeiras tumbas, o cheiro era de mofo e o ar parecia denso de tanta umidade. Erick deu um saco grande feito de pano e disse para Ian segura-lo com firmeza enquanto violava os caixões e derrubava as tampas de pedra das sepulturas. Sinceramente, as primeiras horas haviam sido uma total decepção, uma perda de tempo que deixou Erick furioso e com vontade de desistir. No entanto, havia um jazigo a frente que o chamou atenção. Seguindo até lá abriu o primeiro compartimento com um golpe de pedra e viu o esqueleto de alguém. Puxou aos pedaços o que parecia ser um homem fardado. Encontrou em seu uniforme medalhas de prata e ouro, e isso trouxe todo o combustível e vigor que precisava para continuar a aventura até o nascer do sol.
Muitas horas depois, cansados, resolveram parar, Erick então sugeriu terminar aquele complexo e voltar outro dia, pois tinha certeza que conseguiriam algum dinheiro com o que tinham roubado. Ian olhava para Erick através do vidro do lampião e sorria de canto de boca. Pensava nas duplas de histórias fantásticas que lia em quadrinhos e em seus atos heroicos, imaginava uma parceria infalível, era afinal, muito estranho se sentir tão feliz em um lugar tão horrível fazendo algo tão repulsivo. Mas sentia isso.
- Só mais um e vamos embora. Devemos ter ainda algum tempo.
- Tudo bem – concordou Ian meio a contragosto, seus pés estavam o matando e suas magras costas estavam doloridas de carregar o saco.
Seguindo para mais um jazigo, Erick leu “Sir George MacKenzie” e cuspiu no chão enojado com o “Sir”, logo abaixo do nome esculpido em pedra havia uma placa de madeira escrito “Taman Shud” ao qual Erick arremessou longe. Tentou violar o túmulo, porém estava tendo muita dificuldade, então pediu para que Ian lhe trouxesse um pedaço de granito pontiagudo que estava atrás dele. Quando Ian virou, sua perna fraquejou e sentiu seu pé afundando. O lampião estava com Erick então não pôde perceber quando o chão rachou e abriu um buraco bem em baixo dele. Enquanto caia, a luz se afastava e pensava que sem dúvidas iria morrer. Erick viu tudo e correu até a cratera tentando observar o fundo daquele buraco. Ouviu um baque e gritou por Ian, que logo respondeu:
- Erick, eu caí, acho que quebrei a perna, eu acho que... eu acho que eu morro, eu morro se não me ajudarem logo. Você vai descer aqui?
- Cala a boca seu bebê chorão, você está com o saco?
- Sim, está aqui, você vai chamar a cruz vermelha? Vai descer aqui?
- Eu não consigo te ver daqui. Esse buraco é enorme, como você acha que vou entrar aí dentro? Você perdeu o juízo?
- Erick, chama ajuda... eu...eu morro...se.… se...
- Como você acha que vou pedir ajuda seu imbecil? Vou dizer o que para as autoridades? Que estávamos fazendo um passeio por esse maldito lugar? Eu vou ser preso! Você vai ter que se virar, e é melhor conseguir trazer esse saco com você. Você não é mais criança.
- Seu desgraçado, seu miserável! Eu não consigo me mexer! Eu vou morrer aqui – gritou Ian com todo o ar de seus pulmões em desespero.
Erick estava sem saída. Por um lado, queria somente sair dali, mas podia fazer isso e deixar Ian desamparado? Pensou em todas as desgraças de sua vida, e percebeu que, talvez aquilo não fosse nada demais. Fechou a cara inconscientemente, levantou e se dirigiu para fora daquele lugar enquanto Ian gritava por ajuda. Erick pensava nas medalhas. Aquela noite ele não dormiu.
Autor: Alison Silveira Morais
Shippo os 2
ResponderExcluirEu tô querendo dar uns belos tapas na carinha do Erick!
ResponderExcluirEsse conto tem relação com o caso Taman Shud?
ResponderExcluirNossa... deixou o Ian na quele lugar com a perna quebrada quase morrendo.
ResponderExcluirAchei que ela perdeu um pouco a estrutura no final, mas vamos ver os próximos capítulos.
ResponderExcluirEu estudei taman shud por meses
ResponderExcluir