Capítulo 2 - O Diabo Disfarçado de Criança
- POR FAVOR, PAI! - implorei. - NÃO FAZ ISSO COMIGO, POR FAVOR!
Senti meu corpo lutar involuntária e desesperadamente para afastar algo que, logo me dei conta, de que sequer estava lá. Os movimentos rápidos e aleatórios fizeram com que seja lá qual fosse meu sustento desaparecesse e meu corpo despencasse no chão perceptivelmente molhado. Confuso, abri os olhos com certa cautela, mas os fechei quase que no mesmo instante em resposta a forte luz que irradiava do lugar. Levantei meu torso do chão e me pus a sentar. Espremi os olhos e os direcionei ao embaçado e molhado chão de azulejo vermelho entre minhas coxas e esperei até que se acostumassem a luz.
Quando minha visão finalmente voltou ao normal, ergui minha cabeça e passei meus olhos por cada centímetro do lugar. Eu estava sentado no chão de um banheiro, de frente para um velho banquinho de madeira tombado, e atrás do banquinho, uma banheira transbordava um vermelho tão intenso quanto o do azulejo do chão abaixo de mim. Senti um frio intenso percorrer minha espinha. Eu não estava morto como pensei por um segundo. Eu ainda estava no banheiro e perceber isso me fez refletir sobre duas coisas: 1) O azulejo do banheiro não era vermelho. 2) Onde está o meu pai?
Levantei-me cuidadosamente em uma tentativa de não fazer nenhum barulho que pudesse alertar meu pai de que ainda estava vivo. No entanto, assim que minhas pernas atingiram seu limite e eu fiquei completamente de pé, despenquei de volta ao chão e me arrastei para longe da banheira ligeiramente com os olhos rigidamente fechados. Quando minhas costas se chocaram com a sólida porta de madeira do banheiro e não pude mais prosseguir, desmanchei-me em lágrimas.
Sua pele estava pálida; seus olhos arregalados transmitiam o pavor de sua última memória em vida; e seus pulsos continham um profundo corte que ia da palma da mão ao fim do ante-braço. O sentimento era indescritível, meu pai estava morto.
"O que aconteceu?" foi o que me perguntei um milhão de vezes entre soluços e fungadas.
- Fica calmo, Matt... - comecei a dizer para mim mesmo em uma desesperada tentativa de manter minha calma. - Vai ficar tudo bem... Não... Não pense nisso... Por favor, Matt... Não... Não foi... - senti o ar se esgotar em meus pulmões. - Não.... Não foi você.... Não foi você quem matou ele... Não... Para de pensar nisso, por favor...
Neste momento, a água que transbordava da banheira ergueu o corpo que nela jazia fazendo com que uma de suas mãos pendesse para fora morbidamente. O pensamento era surreal, mas a ideia de que meu pai estava voltando dos mortos para me pegar fez com que uma intensa adrenalina invadisse o meu corpo. Correr, foi tudo o que pensei em fazer.
Abri a porta do banheiro com tanta força que a maçaneta desprendeu-se dela e voou para longe das minhas mãos. Adentrei o corredor e corri direto para o meu quarto, onde joguei-me na cama e enfiei o rosto o mais forte que pude no travesseiro. Gritei, gritei muito. Não consigo pensar em nenhum outro momento da vida em que gritei tanto.
O silêncio era demasiado estranho. Busquei desesperadamente por qualquer sinal das vozes que há muito foram habitantes da minha mente, mas não havia nada além de um zumbido emitido pelo vazio deixado por elas.
- Ei, garoto! - de repente ouvi uma voz no fundo do quarto dizer. - Não seja tão veadinho.
- Pai?
Ergui-me imediatamente e passei meus olhos por cada cantinho do quarto, mas não havia ninguém lá. O único som que conseguia ouvir agora, era o som da casa sendo inundada.
- Por favor, não enlouqueça, Matt... - sussurrei.
E então, encolhi-me lentamente na cama e fechei os olhos. Peguei meu travesseiro que estava encharcado de lágrimas e o coloquei por cima de minha cabeça em uma tentativa de abafar o som que vinha do banheiro. A imagem do meu pai na banheira permanecia vívida em minhas pálpebras.
- Você matou seu pai, garoto... - a voz voltou a dizer, mais próxima que antes. Senti cada pedacinho do meu corpo arrepiar. - Que tipo de filho mata o próprio pai? - perguntou, sarcástico. - Ah, é... O seu tipo, garoto. Você é mesmo o Diabo no corpo de uma criança. - Seja lá quem fosse parecia estar tão perto que podia sentir seu hálito esquentando o travesseiro.
Pressionei o travesseiro contra meus ouvidos o mais forte que pude em uma falha tentativa de não ouvi-lo. Sua voz parecia vir tanto da minha cabeça quanto do mundo que eu habitava.
- Você vai ser preso, moleque assassino... - O homem fez um silêncio reflexivo. - É, com certeza você vai! - disse finalmente com certa satisfação. - Vai passar o resto da vida trancado em uma gaiola com pessoas tão ruins quanto você! - começou a gritar. - Você é a porra do diabo, garoto! Você nunca devia ter nascido! Deus, como eu queria matar você agora mesmo...
- Cala a boca. Cala boca. Cala boca! - As palavras fugiram pela minha boca. E em um salto, parti para cima daquele que berrava em meus ouvidos. - Cala a boca. Cala boca. Cala a boca!
Mas não havia ninguém lá.
Quando me dei conta, eu havia me tornado apenas um passageiro dentro de meu próprio corpo. E sem razão alguma, corri para o banheiro e desliguei a torneira da banheira ignorando completamente o corpo do meu pai. Desci aos saltos os degraus da escada que levavam para o primeiro andar, passei pela cozinha e fui para a sala de estar, onde minha mochila estava jogada em cima do sofá. Abri todos os bolsos dela apressadamente, a suspendi no ar e joguei tudo o que havia dentro dela no chão. Com ela vazia em mãos, voltei correndo para a cozinha, onde abri as portas da despensa e joguei tudo o que fosse prontamente comestível dentro dela. Depois corri para a geladeira e fiz o mesmo com as garrafinhas de água, caixinhas de suco e leite. Com a mochila cheia ao ponto de fechar o ziper ser uma luta, caminhei até o fogão, girei todos os botões ao ponto máximo e com um fósforo acendi todas as bocas. Então, caminhei até a porta da frente e a abri. Ainda estava de noite, parecia estar muito tarde (ou muito cedo). A rua estava silenciosa e vazia de um jeito que só as madrugadas conseguem ser. Não havia se quer uma luz acesa em nenhuma das casas da vizinhança. Todos pareciam dormir. E neste momento, percebi que todos nós vivemos dentro de uma caixa sem janelas. Quantas pessoas já morreram enquanto eu estava a dormir?
Olhei para trás uma última vez antes de partir e tudo o que havia para se ver eram meus livros da escola espalhados no escuro chão da sala e a escada cujo os degraus ensopados de água e sangue eram iluminados pela luz que vinha do banheiro.
Coloquei a mochila nas costas, fechei a porta e adentrei a escuridão da rua. Não tinha nenhum lugar em mente, nenhum plano arquitetado, eu só simplesmente corri.
Eita! 10/10
ResponderExcluirQue? N era o pai dele que tava matando ele na banheira e de repente o pai que ta ali morto? N entendi um pouco direito
ResponderExcluirshow, mas ele fugiu sem roupa será? quero próxima parte já!
ResponderExcluirEu tava pensando nisso
ExcluirÉ como se os papéis estivessem invertidos. Na primeira parte dizia que o pai afogava o filho, mas nesta diz o contrário, na verdade o filho estava matando o pai.
Excluirward
ResponderExcluirMinha creepy favorita :') continua
ResponderExcluirwooooooooow depois de muito tempo volto aqui no site e me deparo com a volta dessa creepy, que felicidade!!!! vão ter todos os capítulos disponibilizados ou só adquirindo o livro msm? De qualquer forma, muito obrigado!!!
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