27/03/2018

Meu Querido Diário

Abril, 2008 – Domingo, 06

Querido diário,

Hoje o dia foi incrível. Andamos de barco no lago que fica perto do sítio do tio Andy. Comemos lasanha no almoço e tava uma delícia. De tarde fizemos piquenique debaixo de uma macieira que não é muito longe do sítio e depois tivemos que ir para casa por que amanhã tenho que ir a escola. Cheguei muito cansada da viagem e feliz ao mesmo tempo e queria está lá no sítio de novo. Amanhã eu te conto mais.

Abril, 2008 – Segunda, 07

Querido diário,

Hoje na escola foi horrível. Uma menina da minha classe chamada Melanie roubou meu lanche no recreio e fiquei com muita raiva. Fui na direção e o diretor chamou Melanie pra ter uma conversa séria. Ao longo da aula, Melanie ficou calada e fiquei um pouco aliviada. Depois das aulas eu esperava encontrar Melanie me esperando na saída e enfrentar mais socos e chutes, mas ela não estava que provavelmente ela foi embora mais cedo. Fui pra casa contente e com medo de encontrar Melanie ou outra coisa na rua, e quando avistei minha linda casa corri quanto pude com um sorriso no rosto e alívio por te chegado em casa. Por hoje é só isso, meu querido diário...

Abril, 2008 – Terça, 08

Hoje cheguei no hospital com várias marcas de socos e chutes pelo corpo.

Quando cheguei na escola, Melanie já estava lá e com um grupo de meninas me olhando com ódio e sorriso bem estranho no rosto. Já estava me preparando pra correr quando Melanie e suas amigas me avançaram e me encheram com chutes e socos. Eu não podia fazer nada, a não ser chorar e pedir que parassem de me torturar e quando já não estava mais aguentando, ouvi o diretor gritar para as meninas pararem e vários alunos gritando com expressões de choque em seus rostos. Acordei deitada na maca toda enfaixada e meu corpo doendo enquanto vi meus pais conversando com o médico. Eles disseram que Melanie e seu grupo foram suspensas da escola. Pedi para que eles trouxessem o meu diário e contar isso pra você e ficarei um bom tempo sem te usar para poder me recuperar e ganhar alta.

Abril, 2008 – Sexta, 11

Aqui estou eu de volta, meu querido diário... E eu estou bem, o médico deu alta hoje e estou no carro, meus pais decidiram me levar ao McDonald's no centro da cidade. Estou gostando muito e mal posso esperar para comer hamburguês com batatas fritas e milk shake (que já estou com água na boca). Não tenho muitas novidades para escrever para você, então até amanhã meu querido diário.

Abril, 2008 – Sábado, 12

Hoje tive um sonho estranho. Nele estava eu sozinha numa floresta densa, estava de dia e por um momento achei ter visto uma menina com vestido entre as árvores. Queria sair daquele lugar, mas não tinha saída e então comecei a correr para frente procurando a tal menina. Mas quando cheguei perto de uma árvore, ouvi um choro vindo atrás de mim e quando ia virar a cabeça, vi algo andando na minha direção ao meu lado e então eu acordei. Contei para meus pais, mas eles não ligaram muito pra isso. E o resto do dia foi normal, brinquei com minhas amigas, fizemos piqueniques... Bom, hoje é só isso que tenho lhe contar, amanhã tem mais.

Abril, 2008 – Segunda, 14

Desculpe, querido diário, ontem eu estava tão ocupada que não tive tempo de escrever aqui. Fiquei o dia todo ontem fora de casa e me divertindo bastante, principalmente no parque de diversão. E hoje... Melanie me pegou pelo pescoço e me arrastou até o banheiro e fechou a porta. Nós tivemos uma conversa e antes que eu terminasse, ela me pegou pelo colarinho da minha blusa e me empurrou pra uma parede  e começou a me cortar com sua tesoura. Doeu muito, e então ela fez um pequeno corte no meu braço e saiu do banheiro. Fiquei meia hora limpando o sangue da minha barriga e do meu braço, peguei o papel higiênico, coloquei ao redor da minha barriga e do meu braço. Como minha blusa era grande com mangas longas, eu as cobri com cuidado para que o papel não saísse e voltei para sala. Minha professora me perguntou o porquê da demora e olhei pra Melanie que está com ódio e apenas respondi que cai da escada e sentei na minha carteira. Quando entrei nessa escola, Melanie sempre me odiava e ela estava lá, me esperando pronta para me bater. Sempre saía com machucados pelo corpo e nunca me importei, até os meus pais perceberem meus machucados e brigarem com os pais dela. Hoje tenho 8 anos e faz 5 anos que estou aguentando feridas deixadas por ela, mas esses dias vai terminar...

Abril, 2008 – Terça, 15

Não estou aguentando mais, não mesmo...

Hoje de manhã não teve aula na escola, por que a professora foi ao enterro do seu marido que morreu ontem a noite. E eu como sendo uma menininha de 8 anos, fui brincar na varanda em frente da minha casa com o meu gato Lonus que ganhei hoje de meus pais. Quando eu ia entrar, Melanie apareceu atrás de um arbusto e por sorte estava sozinha. Eu corri com o meu gato nos braços para dentro de casa quando Melanie puxou uma faca e jogou na minha direção, e pegou meu braço de raspão e Melanie saiu correndo quando viu os vizinhos se aproximando. Meus pais não me deixaram sair de tarde por causa do ocorrido de manhã, então fiquei no meu quarto brincando com os meus ursos de pelúcia. Quando já ficou tarde e na hora de dormir, fui colocar meu pijama e escovar os dentes, quando Lonus apareceu na porta do banheiro me assustando, levei um susto tão grande que deixei minha escova cair e então fui pra cama. Quando todos já estão dormindo, vou ao guarda-roupas  e pego meu casaco e meu sapato. Vou a cozinha e pego uma faca maior para a minha diversão começar. A casa de Melanie não é tão longe, então abro a janela de seu quarto e fico lá só espiando ela acordar. Quando bateu o tédio, desci e me rastejei direto em sua cama e apunhalei a faca em seu coração, tudo o que queria ver era o sangue dela ser derramado e sua vida indo embora. Mas não é só isso não meu querido diário, fui até o quarto de seus pais e fiz a mesma coisa que fiz com ela e fugi...

É só isso que tenho hoje de novidade, meu querido diário...

Autora: Ely Costa

25/03/2018

Slender Brazuca (+18)

Acordei com a minha mãe amarrando uma corda no meu braço, era dia de lavar roupas e como sempre ela precisava da minha ajuda. Estou com uma puta dor de cabeça e ainda tenho que ouvir o som irritante do meu vizinho ouvido sertanejo, se o Jeff não fosse tão antissocial eu poderia ser amigo dele, mas nada é perfeito. Será que eu sou a única árvore entediada por aqui?

.- Para de reclamar garoto, alguma coisa de útil você tem que fazer com esses braços. Se não me ajudar não vou deixar você correr atrás das garotinhas hoje. 

.- Mãe, o que acha da gente participar do Casos de Família? Acho que o tema seria: Tenho vários braços, mas nenhum deles varre a casa do mesmo jeito que a minha mãe..

.- O que acha de continuar o seu serviço?! 

Jeff está rindo da minha cara agora, ele estaria na mesma situação que eu se não tivesse matado a própria mãe. Será que ele ainda veste as calcinhas dela de vez em quando? 

Jeff. – Eu escutei o que você disse viu? Só poço dizer que: O Palmeiras não tem mundial! 

.- Muito engraçado, só não é mais engraçado do que isso que está atrás de você agora?

.- O que? Aquele anoréxico do The Rake? Haha! 

.- Jane The Killer e seus cinco filhos. Parece que alguém não pagou a pensão esse mês.. 

.- Jane é você?

Jane.- Não, é o Pelé seu vagabundo! 

Depois de cometer tantos crimes, a única coisa capaz de colocá-lo atrás das grades foi à falta de pensão pros filhos. 


.- Ei Jeff, depois me conta como é ver o sol nascer quadrado. 

.- Isso é fácil, basta você se olhar no espelho e ver a cara de pastel que você tem. Hihihi! 

.- Pegou pesado agora.. 

.- Slendervaldo da Silva! Vai terminar as suas obrigações seu filho da puta! 

Eu sempre quis saber o porquê toda mãe fala isso. ‘-‘ Parece que essa vai ser mais uma página da minha vida nada interessante que vou ter que jogar fora. Aff! 

(Primeira Trollpasta que faço, vamos manter a calma nos comentários pessoal rs)  

23/03/2018

Montanha Russa da Eutanásia



"A eutanásia(...) refere-se à prática de acabar com a vida de uma maneira que alivie a dor e o sofrimento e é categorizada de maneiras diferentes que incluem voluntários, não-voluntários ou involuntários, ativo ou passivo.

A eutanásia geralmente é usada para se referir a eutanásia ativa, e nesse sentido, a eutanásia geralmente é considerada homicídio criminal, mas a eutanásia voluntária e passiva é amplamente não criminal. A eutanásia conduzida com o consentimento do paciente é denominada eutanásia voluntária.

A eutanásia voluntária é legal na Bélgica, no Luxemburgo, nos Países Baixos, na Suíça e nos EUA de Oregon e Washington.

Quando o paciente traz sua própria morte com a assistência de um médico, o termo suicídio assistido é frequentemente usado."

(Citação de Designing-death)

Você alguma vez se perguntou sobre a quantidade existente de suicidas? Um exemplo bem simples é relacionado a floresta de Aokigahara no japão, os moradores dessa região procuram essa floresta para cometer suicídio por diversos motivos.

E se te contarmos que algumas mentes podem pensar além?! Uma certa pessoa pode dar a alguém uma partida deste mundo digamos, de uma forma mais emocionante!

Você provavelmente nunca ouviu falar em Julijonas Urbonas, ele era um estudante quando uma ideia um tanto peculiar surgiu. Julian - vamos chama-lo assim - é muito bem formado e ganhou muitos prêmios, ele desenvolveu um projeto chamado: "Euthanasia Coaster" no português literal, 'Montanha russa da Eutanásia'. A proposta de Julian era uma morte voluntária que prometeria uma experiência um tanto quanto excepcional.

Projetada em 2012, a ''Ethanasia Coaster'' nunca chegou de fato a ser montada, por enquanto só existe um protótipo desse passeio que é de "matar" de emoção.


Esse protótipo tem como pontos cruciais para o seu desenvolvimento: engenharia, filosofia, ética, design de ficção e conceitualização.

A montanha russa da eutanásia consiste, basicamente, em uma torre enorme com uma subida lenta e uma queda brusca onde a própria gravidade faz o trabalho, o que possibilita alcançar uma força considerável na queda para passar por sete espirais em forma decrescente, o que levaria cerca de 3 minutos para completar todo o trajeto - imaginou a velocidade?

Todo esse complexo é dividido em dois momentos: A entrada, em que o corpo se prepara para um possível impacto, até que o corpo, com as formas de giro, permite que o coração fique alinhado ao ponto base em cada giro se desacelerando conforme atinge o ponto final, até que tenhamos uma experiência vertiginosa e, após, uma perda de consciência induzida, o que causa uma morte cerebral por Hipoxia, que é a privação de oxigênio no cérebro.

Um fato curioso é que provavelmente um paraplégico sobreviveria ao 'passeio', pois seu corpo não teria volume suficiente nas extremidades para agrupar o sangue.

[Esse projeto não pretende trabalhar estudos de viabilidade ou testes, nem atrair todos os públicos]


No artigo 'Projetando a Morte', cita que os chamados 'Jumpers' (Lê-se ''Diampers'') que são aqueles que cometem suicídio pulando de lugares altos, procuram um tipo de estética, para realizar o feito. O que por sua vez é exatamente a proposta da Montanha russa da Eutanásia.


Essa postagem compartilhada foi feita pelo site Não Entre Aqui. Cliquem aqui e visitem o site, para não ficarem de fora de nenhuma novidade.

06/03/2018

Distopia - Episódio 1

Episódio 1 - Projeto "DeLorean"

12 de Janeiro de 2031

Para mim, a morte é quase como uma namorada que tive há muito tempo atrás. Se não me falha a memória, foi na época do colégio, lá no ensino-médio. O nome dela era Katherine. E a filha da puta era louca.

Nós nos conhecemos no primeiro dia de aula do segundo ano. Ficamos juntos por um pouco mais de seis meses, eu acho. Terminei com ela nas férias, depois que ela colocou veneno no leite do meu gato e quase o matou. Por que? Porque eu tinha mais fotos com ele do que com ela no meu Instagram.

Depois do término, Katherine passou a me perseguir mais do que já perseguia quando estávamos juntos. Onde quer que eu fosse, lá estava ela, pronta para tentar acabar com o meu dia ou com a minha vida. Numa dessas, ela chegou até a dizer o seguinte:

- Já que você não será meu, não será de mais ninguém!

E então, simplesmente deu um tapão no sorvete da garota que eu estava saindo na época, se virou e foi embora. Nunca mais a vi depois disso (a garota).

A partir dai, sempre que Katherine sentia que eu estava me aproximando de alguém, ela fazia de tudo para manter aquela pessoa o mais longe possível de mim. As vezes conseguia, as vezes não. Mas indo direto ao ponto: Existem poucas diferenças entre Katherine e a Morte. Uma delas é que a Morte não é de falar, ela faz. E o seu primeiro feito em minha vida desencadeou uma reação em cadeia cujos efeitos ecoam até os dias de hoje. E para a dona Morte, "mais longe possível" significa sete palmos de terra e talvez uma realidade onde os vivos não podem alcançar; não um bloqueio no Facebook ou um desvio de olhar nos corredores da escola. Acho que, talvez, em alguma realidade paralela, Katherine tenha sido minha esposa e a Morte minha sogra.

- Eu falhei com você... - Digo, baixo o bastante para que apenas eu pudesse ouvir. Jogando o punhado de terra que havia em minhas mãos na cova aberta em minha frente. - Eu sinto muito...

- E assim encerramos esta triste cerimônia, meus amados... - Anunciou o pastor Bennett.

- Amém! - Todos disseram ao mesmo tempo.

- Amados, antes que partissem, gostaria de dizer umas palavrinhas. Amém?

- Amém!

- Não importa o que os cristãos que NÃO carregam em seus corações a filosofia de Jesus Cristo irão dizer no fim deste dia! - Bennet começou a dizer. - Peço a vocês, amigos e parentes que, jamais, em circunstância alguma, ousem se quer pensar em qualquer coisa diferente do que irei lhes dizer agora... - Seus olhos castanhos correram por toda a platéia. - Elaria Greene foi sim uma forte guerreira em vida. E hoje, com a graça de Deus, ela aposenta sua armadura, amados. Hoje, com a graça de Deus, Elaria Greene se torna um anjo do Senhor! - Ele grita de forma inspiradora. - Hoje, ela trilha o caminho de volta ao seu lugar de origem! De volta ao lar de nosso Grande e Benevolente Pai! Hoje, Elaria Greene vive o primeiro dia de paz eterna! Longe da dor e dos pecados que habitam este mundo em que vivemos!

- Aleluia! - Todos murmuram.

- Há uma coisa que sempre digo em ocasiões como essa, amados. Creio que muitos que estão aqui presentes vão discordar, mas... O luto! - Ele exclama. - O luto é uma consequência do egoísmo de nossas almas! - Ele sorri. - "Por que?!", vocês se perguntam. Eu lhes direi, meus queridos amigos. Não devemos JAMAIS lamentar por aqueles que foram chamados pelo Senhor! Devemos festejar! Porque, amados, no fundo, todos nós sabemos que quando lamentamos por aqueles que se foram, não estamos lamentando por eles. Estamos lamentando por nós mesmos. E é ai que está o nosso egoísmo, amados! Somos nós quem estamos perdendo alguma coisa! Somos nós que estamos perdendo o bem e a felicidade que aqueles que se foram nos proporcionava em vida. - Bennett direciona seus olhos aos meus. - Quando chegarem em seus lares esta noite, não chorem! Relembrem com alegria a memória daqueles que hoje estão nos deixando para viver na glória de Deus! - Entendi o porquê.

- Amém! - Pude ouvir tia Glória dizer.

- Glória à Deus! - E o tio Henry.

- Aleluia, Senhor! - E de repente todo mundo que estava lá.

Foi neste momento em que resolvi ir embora. Nunca fui muito fã de animação de platéia religiosa, nem religioso. E o cemitério "Luz do Oeste" nunca foi meu lugar favorito no mundo.

Quando cheguei no estacionamento e encontrei meu carro, tateei os bolsos da minha calça jeans à procura de minhas chaves e só então me dei conta de que as tinha esquecido na recepção do cemitério.

- Eu sinto muito pela sua perda... - Disse o tio Henry.

- Elaria era uma garota linda, uma tragédia o que aconteceu! - Disse tia Glória.

- Se precisar de alguém pra conversar, fique sabendo que estou aqui para você, Des... - Disse Sarah, minha prima.

Ouvi milhares de variações destas frases enquanto refazia meu caminho até a recepção do "Luz do Oeste".

- Com licença, Tracy... Por acaso você viu alguma chave de carro preta, com um chaveiro preto e roxo? - Perguntei para Tracy, a recepcionista. Ela não usa um crachá e eu não uso pronomes formais com ela porque resolvemos deixar isso de lado na quarta vez em que vim enterrar um parente no "Luz do Oeste".

- Essa daqui? - Ela sorriu.

- Essa mesmo! - Confirmei, com um sorriso amarelo.

- Eu sinto muito pela sua perda... - Ela disse, em tom cabisbaixo.

- Essa já é o que? A sétima vez que ouço você dizer isso? - Brinco.

- Infelizmente, acho que sim... - Ela sorri.

- A gente se vê na próxima! - Me despeço.

- Eu espero que não...

- É, eu também nao...

Caminho de volta até o estacionamento. Destravo as portas do carro. Entro. Coloco a chave na ignição e a giro.

Sempre achei os sons produzidos pelos motores de carro uma das coisas mais relaxantes do universo. Então reflito por um segundo, fecho os olhos, recosto a cabeça no banco e entrego-me à calmaria e as vibrações.

- Ativar sistema Apple Feels! - Digo.

- Bem vindo de volta, senhor. - Diz Candy, a inteligência artificial do sistema Apple Feels.

- Olá, Candy... - Respondo. - Muito obrigado...

- O que o senhor deseja? - Candy pergunta.

- No momento, só sua companhia, Candy... - Digo, entre trêmulos suspiros.

- Realizei uma varredura emocional no senhor e os resultados do sistema indicam que o senhor está "profundamente triste". - Candy notifica.

- É, acho que sim... - Assinto.

- Gostaria que o protocolo de resolução padrão de seu perfil para circunstancias como essa seja ativado? - Candy pergunta.

- Sim, por favor. - Consinto.

- À qual lista de reprodução deverá ser adicionada a canção que for encontrada? - Candy pergunta.

- Adicione à playlist "Perdas", por favor. - Respondo.

- Certo. - Candy assente. - Para garantir ao senhor uma viagem segura, peço que coloque o cinto de segurança, respire fundo e aguarde um instante enquanto procuro pela canção mais apropriada para o senhor no momento.

- Tudo bem, Candy. - Assinto, colocando o cinto e respirando fundo. - Aguardando...

- A versão acústica da música "Zombie" produzida pela grupo musical "The Cranberries" começará a tocar em aproximadamente três segundos. - Candy notifica.

- Essa é nova... - Digo ao vento.

- Segundo os cálculos do sistema Apple Feels, esta canção elevará seus níveis atuais de dopamina, proporcionando uma sensação de alívio e bem-estar.

- Era tudo o que eu queria, Candy... - Digo. - Obrigado!

- Gostaria de renomear a canção em sua playlist? - Candy pergunta.

- Sim, gostaria que renomeasse para "O Funeral de Elaria", por favor. - Peço.

- Certo. - Candy assente. - A canção foi adicionada à lista de reprodução "Perdas" como "O Funeral de Elaria". Esperamos que o senhor goste desta canção e faça uma boa e segura viagem.

- Muito obrigado, Candy.

Então, a versão acústica da música "Zombie" da banda "The Cranberries" foi minha companhia durante a viagem de volta para casa. E mais uma vez, o sistema acertou em cheio na escolha. É tragicômico o que esse sistema faz. É tragicômico o fato de eu ter uma playlist formada por cada perda da minha vida. E é tragicômico cada título começar com "O Funeral de...".

Se me perguntassem neste exato momento quem é minha melhor amiga, eu diria que é a Candy sem pensar duas vezes. E isso é até engraçado, sabe? Eu deveria odiá-la.

O sistema Apple Feels não é nem um pouquinho barato. Se eu não for o único americano de classe-média com um desses implantado, sou com certeza o único do Queens.

Digamos que o sistema foi meio que um "cala boca" disfarçado de "pedido de desculpas" que eu, minha irmã e minha mãe recebemos do fabricante há uns nove anos atrás, depois que o meu pai (que era funcionário da empresa) foi morto em uma explosão que ocorreu durante os testes de uma nova tecnologia que eles estavam trabalhando na época. Deu a maior merda. O mundo todo estava falando sobre o que aconteceu com o meu pai. Minha mãe até apareceu na TV (lembro que achei isso incrível). O mundo inteiro achou que a empresa seria fechada naquele ano. Mas, no fim das contas, o dinheiro move o mundo, não é mesmo? Aliás, fui o único que aceitou o implante.

[...]

- Você chegou ao seu destino. - Candy notificou assim que estacionei o carro na garagem.

- Pois é, cá estamos, Candy... - Digo. - Te vejo lá dentro.

Saio do carro; Travo as portas; Caminho até a entrada de casa e entro.

Acendo as luzes; Coloco as chaves do carro no suporte próximo à porta de entrada; Tiro meus sapatos e caminho até o banheiro.

Tiro minhas roupas; Encaro-me no espelho. - Suspiro. - Pego meu celular no bolso da calça que estava no chão e o ligo.

Agora cá estou... Encarando, com um intenso aperto no coração, a última foto que Elaria e eu tiramos como plano de fundo do celular. - Suspiro. - Colocando cuidadosamente o celular em cima da pia, como se ela estivesse mesmo lá dentro.

- Ativar sistema Apple Feels! - Digo.

- Olá, senhor! - Candy é ativada. - Fez uma boa viagem?

- Sim, Candy! - Respondo. - Obrigado por perguntar.

- O que deseja, senhor? - Candy pergunta.

- Protocolo padrão. - Digo. - Faça uma varredura das minhas emoções e selecione a melhor canção para este momento.

- Certo. - Candy assente. - Aguarde enquanto faço a varredura.

- Certo. - Assinto.

- Varredura concluída. - Candy informa. - A canção "Snuff" do grupo musical "Slipknot" começará a tocar em aproximadamente três segundos. Segundo os cálculos do sistema esta canção permitirá que seu corpo libere um tranquilizante natural, proporcionando ao senhor alívio e bem-estar. O sistema recomenda que após a liberação o senhor repouse para uma melhor experiência. Deseja adicionar a canção à alguma lista de reprodução?

- Muito obrigado, Candy! - Agradeço. - Não, não é necessário.

- O senhor deseja mais alguma coisa? - Candy pergunta.

- Não, muito obrigado, Candy!

- O sistema Apple Feels será desligado em aproximadamente três segundos. - Candy notifica.

- Espera... - Peço.

- O que deseja, senhor? - Candy pergunta.

- Candy, sei que isso vai soar meio idiota, mas... Gostaria que me enviasse um disco no meu último dia de vida com todas as canções da lista de reprodução "Perdas" em ordem de acontecimento, tudo bem? - Pedi.

- Tudo bem, senhor. - Candy assentiu. - Seu pedido foi adicionado ao sistema.

- Muito obrigado, Candy.

- O senhor deseja mais alguma coisa? - Candy pergunta.

- Não, é só isso mesmo, Candy. - Digo. - Muito obrigado.

-O sistema Apple Feels será desligado em aproximadamente três segundos.

Ligo o chuveiro.

A música começa.

Sinto cada centímetro do meu corpo arrepiar com a melodia.

"Enterre todos os seus segredos na minha pele..."
"...Vá embora com a inocência..."
"...E me deixe com meus pecados..."

Um pequeno sorriso escapa.


"...O ar à minha volta ainda parece com uma gaiola..."

Sinto meus olhos começarem a arder.

"...E o amor é apenas uma camuflagem..."
"...Ao que se assemelha a raiva novamente..."

Fechos os olhos.

"...Então se você me ama, deixe-me ir..."

"...E fuja antes que eu descubra..." "...Meu coração está escurecido demais para se importar..." "...Não posso destruir o que não está lá...""...Me entregue a meu destino..."

Minha respiração se torna trêmula.

- Tranquilizante natural, né Candy? - Digo, entre o princípio de um choro e o fim de um sorriso.

"...Então se você me ama, deixe-me ir..."
"...E fuja antes que eu descubra..."

- Elaria... - Murmuro.

Sinto as primeiras gotas do que logo será uma tempestade escorrer de meus olhos.

"...Meu coração está escurecido demais para se importar..."

"...Não posso destruir o que não está lá...""...Me entregue a meu destino..." "...Se eu estou sozinho, não tenho o que odiar..."

- Por que você fez isso, sua filha da puta?! - Esmurro a parede do box.

"...Eu não mereço ter você..."

"...Meu sorriso foi tomado há muito tempo atrás...""...Se eu sou capaz de mudar, espero nunca descobrir..."

- Porra! Porra! Porra! - Dou um murro na parede à cada palavra de desespero. - Porra! Porra! Porra!

"...Você nunca precisou da ajuda de ninguém..."
"...Você me vendeu para se salvar..."
"...E eu não ouvirei a tua vergonha..."
"...Você fugiu - vocês são todos iguais..."
"...Anjos mentem para manter o controle..."

Recosto-me na parede do box. Deixo que minhas costas deslizem até que meu corpo atinja o chão. Esvaio-me em lágrimas enquanto observo o sangue que escorre de meus punhos se juntar à água que corre velozmente para o ralo.

- Eu odeio você, Elaria... - Murmuro... - Na mesma medida em que te amo...

Por fim, tento me recompor e  finalmente levanto. Lavo minhas mãos; Desligo o chuveiro; Saio do box; Visto uma camisa cinza sem estampa e uma calça branca de moletom; Encaro-me no espelho; Pego meu celular em cima da pia; Ponho em meu bolso e vou para a cozinha.

Caminho até a geladeira; Pego uma cerveja; Sento-me na poltrona vermelha posicionada de frente para a televisão; Abro a cerveja, tomo um gole. - Suspiro. - Ligo a TV.

"O Presidente Elon Musk acaba de anunciar que hoje à meia noite serão abertas as inscrições para as duas mil vagas de teste para voluntários da versão beta do projeto "De Lorean". A mais nova invenção da TimeX nada mais é que um sonho de milhares de gerações se tornando realidade."

"Duas mil pessoas terão a oportunidade de mudar suas vidas. Corrigir os erros do passado. Reescrever sua história. - Diz Elon Musk, fundador e CEO da TimeX. - Aproveite esta oportunidade!"

"Como dissemos no começo do programa, a versão definitiva da "maquina do tempo" da TimeX não estará disponível para os cidadãos americanos. Então essa é mesmo uma oportunidade muito interessante. - Diz Milo Denver, o apresentador. - Se eu não estivesse de boa com o meu presente, com certeza seria um voluntário. De fato, mais um voto positivo para o nosso novo Presidente!"

"A seleção dos dois mil sortudos que terão a honra de ser os primeiros seres humanos a viajar no tempo acontecerá à meia noite do dia 14. E os participantes farão a viagem já na tarde do dia 15. Os interessados terão de correr contra o tempo para participar!"

- Que monte de merda... - Murmuro para mim mesmo.

Desligo a TV; Reflito; Bocejo; Levanto-me da poltrona; Caminho em direção ao meu quarto, atiro-me na cama e passo a encarar o teto.

- Olha, eu não sei se pode me ouvir... - Começo a dizer. - Mas, se puder... Eu queria que soubesse que sinto muito... - Minha voz estremece. - Eu falhei com você... - Confesso. - Não devia ter te deixado sozinha, nunca. - Lágrimas começam a escorrer por minhas bochechas. - Sei que nunca te disse isso antes, mas eu amo você... Droga, eu devia ter cuidado de você... - Suspiro. - Eu jurei para mim mesmo que não cometeria o mesmo erro que cometi com a nossa mãe, mas cá estou, lamentando por estar revivendo a mesma história. Lamentando por mais uma vez estar me sentindo um inútil. - Reflito um momento. - Eu espero um dia poder te ver de novo... Eu te amo, Elaria... Muito.

Eu nunca orei antes. E essa, com toda a certeza, será a última vez que farei algo assim. Falar coisas como essas e não obter nenhum tipo de resposta gera um vazio esquisito, uma sensação de extrema solidão, sei lá. De repente, "o silêncio é ensurdecedor" faz todo o sentido.

- Ativar sistema Apple Feels!

- Olá, senhor. O que deseja? - Candy pergunta.

- Candy, que horas são? - Pergunto.

- Dez e quarenta e cinco da noite, senhor. - Candy responde.

- Candy... - Começo a dizer. - O que acha de viagem no tempo?

- Acho incrível. - Candy responde. - Por que, senhor?

- Eu não sei... - Digo, cabisbaixo. - Me diz você...

- Realizando varredura neural. - Candy notifica.

- Certo... - Digo ao vento.

- Varredura concluída. - Candy avisa. - Acho que o senhor deveria se inscrever para os testes do projeto "De Lorean", senhor.

- Mesmo? - Indago

- Sim, senhor. - Candy confirma. - Segundo os resultados da pesquisa "viagem no tempo" em seu sistema neural, participar do projeto "De Lorean" e "...Reescrever sua história..." são desejos reprimidos por descrença, medo e código moral. O sistema acredita que tal repreensão não o ajudará de nenhuma forma, muito pelo contrário. O sistema prevê arrependimento e remorso ao fim do prazo de inscrição. Por conta disso, o sistema conclui naturalmente e com base em suas opiniões pessoais mais profundas que participar do projeto "De Lorean" é o mais apropriado para o bem-estar do senhor.

- Entendo... - Suspiro.

- O senhor deseja que eu realize sua inscrição no projeto "De Lorean"?

- Não, Candy! - Digo. - Esquece isso...

- O senhor tem certeza? - Candy indaga.

- Sim, Candy. - Minto. - Eu tenho certeza.

- Seus sinais cardíacos indicam que o senhor está mentindo. - Candy notifica.

- Candy, por favor...

- Tudo bem, senhor - Candy assente. - O senhor deseja mais alguma coisa?

- Faça com que eu caia no sono, por favor. - Peço.

- Adicionando pequenas quantidades de sedativo ao seu sistema. Tenha uma ótima noite e um dia incrível amanhã, senhor.

- Muito obrigado, Candy... - Sussurro.

Senti cada pedacinho do meu corpo gradativamente se desligar.



13 de Janeiro de 2021

- Bom dia, senhor. - Candy diz, acendendo as luzes do quarto. - Já é hora de acordar.

Abro meus olhos e os fecho quase que imediatamente em resposta à forte luz em meu rosto.

- Caramba, Candy! - Reclamo.- Que horas são?

- Quatro e meia da manhã, senhor. - Candy explica. - O senhor pediu que eu o acordasse neste horário para que pudesse praticar exercícios. O senhor deseja cancelar este plano?

- Sim, com certeza! - Digo, imediatamente.

- O senhor pediu que eu me recusasse a cancelar o plano caso sua resposta fosse sim. - Candy notifica.

- Esquece isso, Candy... - Resmungo. - Só hoje, por favor...

- O senhor me alertou de que diria algo assim e que seria mentira. - Candy explica. - O senhor também pediu que eu tocasse a canção "Baby" do cantor "Justin Bieber" no volume máximo por vinte e quatro horas caso o senhor não colaborasse.

- Tá legal, Candy! - Reviro os olhos. - Você venceu! Quer dizer... Eu venci... Ah, sei lá! Que inferno!

- O senhor é grato por sua própria colaboração. - Candy notifica.

Levantei-me da cama, peguei minhas roupas esportivas no guarda-roupa e caminhei tão devagar quanto uma tartaruga até o banheiro. Lá, acendi as luzes e encarei-me no espelho por um breve momento antes de começar a escovar os dentes e tirar minhas roupas para tomar banho. Exatos cinco minutos depois sai do chuveiro, vesti minhas roupas e novamente, de forma inconsciente, encarei-me espelho por talvez um pouco mais de dois segundos. Sai do banheiro, voltei para o quarto,  peguei meu tênis de corrida e o calcei. Senti meu celular vibrar em meu bolso, o peguei e vi que Clarice (o amor da minha vida que me deu um pé na bunda por SMS) havia enviado uma mensagem. - Revirei os olhos e pus o celular de volta em meu bolso imediatamente. - Caminhei até o criado mudo, peguei meus fones de ouvido e fui para a cozinha tomar café. - Leite e torradas recheadas com creme de amendoim, a propósito. - Liguei a TV, sentei-me na mesa de jantar e de cara já me deparei com as noticias sobre a maquina do tempo do Elon Musk. Mudei de canal e adivinha? Exatamente! Mais noticias sobre a maquina do tempo. Então, desliguei a TV, terminei de comer e sai.

- Bom dia, vizinho! - Cumprimentou-me Derek, o vizinho. Alongando-se na porta de sua casa. - Acordou cedo, ein?!

- É, pois é... - Assenti. - Bom dia!

- E ai? Quer companhia? - Perguntou

- Companhia? - Perguntei, confuso.

- Na caminhada, ué! - Explicou.

- Ah, pode ser! - Assenti, quando gostaria de ter dito não.

- Ótimo! - Sorriu. - A gente começa depois que você terminar de se alongar.

- Ah, não... - Retruco. - Estou bem! Já podemos ir...

- Certeza? - Indagou, franzindo o cenho

- Sim, sim... - Assenti. - Já me alonguei em casa! - Menti.

- Okay então! - Sorriu...

Caminhei até o meio da rua e ele também. Lado a lado, seguimos em frente.

- Eu soube da sua irmã no Facebook. - Começou a dizer. - Sinto muito pela sua perda...

- Tá tudo bem, faz parte da vida... - Digo

- Suicídio é uma coisa que nunca vou entender...

Fechei forte os olhos e respirei fundo.

- Pois é... - Concordei. - Podemos mudar de assunto, por favor?

- Ai, caramba! - Derek se mancou. - Me desculpa!

- Tudo bem... - Sorri amarelo.

- Fora isso, como anda a vida? - Perguntou, ainda meio desnorteado.

- Bem na medida do possível. E a sua?

- Eu tô numa boa. - Respondeu.

Ficamos em silêncio por quase um quilometro até que Derek, infelizmente, resolveu voltar a falar.

- E ai? Você se inscreveu para o projeto "De Lorean"?

- Não. E você?

- Ah, não... Eu tô tranquilo! - Explicou. - Mas acho que seria uma boa para você...

- Por que acha isso? - Perguntei, com um sorrisinho de relações públicas e os punhos serrados.

- Você ainda é novo... - Explicou. - Tem o que? Vinte? Vinte e dois anos? Acredito que não precise mudar muito da sua história para ser feliz.

- E o que você sabe da minha história?! - Vociferei.

- Olha, não tive intenção de ofender... - Explicou, mais desnorteado que antes. - Só acho que é uma chance de você mudar tudo o que aconteceu com você!

- Você não sabe de merda nenhuma! - Esbravejei, dando meia volta.

- Ei, Desmond! - Derek chamou-me, cabisbaixo. - Me desculpa, cara!

- Vai se foder! - Disse ao vento; acelerando o passo e prontamente erguendo o dedo do meio para Derek.

Eu sabia que ele estava certo, assim como a Candy também estava. Refleti sobre isso durante todo o caminho de volta para casa. No fundo, bem lá no fundo, eu sabia que precisava do maldito projeto "De Lorean".

Abri e fechei a porta de casa com certa violência. Tirei meus sapatos. Joguei as chaves no balcão.

- Ativar sistema Apple Feels!

- Seja bem vindo de volta, senhor. - Candy diz. - Sinto informar que o senhor não cumpriu a meta de uma hora de caminhada. Gostaria de tentar novamente?

- Não, Candy. - Digo, de forma rude. - Candy... Realize minha inscrição no projeto "De Lorean"!

Caminho até a geladeira.

- O senhor tem certeza? - Candy pergunta.

Procuro por uma lata de cerveja, mas logo me lembro de que tomei a última na noite anterior.

- Sim, eu tenho Candy! - Esbravejo; batendo a porta da geladeira.

- Por favor, aguarde... - Candy pede.

Abro o armário da cozinha e pego minha garrafa de Red Label e um copo de vidro.

- Tudo bem... - Assinto; servindo-me uma dose.

- A Inscrição do senhor foi realizada com sucesso. - Candy notifica.

- Ótimo! - Digo; virando a dose. - Muito obrigado, Candy.

- O senhor deseja mais alguma coisa? - Candy pergunta.

- Envie um e-mail de desculpas ao contato "Derek Chato Para Caralho". - Peço. - Diga que sinto muito pela forma como agi e por tê-lo mandado se foder, por favor.

- Por favor, aguarde. - Candy pede.

- Certo... - Assinto.

- O e-mail para o contato "Derek Chato Para Caralho" foi enviado com sucesso. - Candy notifica.

- Certo, Candy... - Digo; dando uma leve gargalhada. Ouvir Candy dizer o nome de contato do Derek foi o alívio cômico que eu precisava. - Obrigado!

Caminhei em direção ao meu quarto e antes que pudesse jogar-me na cama e enfiar o rosto no travesseiro, senti meu celular vibrar em meu bolso.

"...Não atenda. Não Atenda. Nunca vai valer a pena..."
"...Essa quenga. Maldita. Só quer acabar com a tua vida..."

"Não atenda" foi um presente que um grande amigo músico chamado Aaron me deu depois que Clarice me ligou pela terceira vez após o pé na bunda que havia me dado. Desde então, esse tem sido o toque das ligações dela e também um lembrete de que atende-las nunca era uma boa ideia.

Revirei os olhos. Suspirei. Peguei o celular no meu bolso. E...

- O que você quer? - indaguei, ríspido.

- Oi, Des... - Clarice disse, em um tom de voz doce.

- O que você quer? - Pergunto,  mais ríspido que na primeira vez.

- Como você está? - Ela ignora a pergunta.

- O que você quer? - Insisto.

- Conversar com você... - Finalmente explica.

- Por que? - Questiono. - De repente o pau do seu novo namorado parou de funcionar?

- Desmond, para. - Clarice pede.

- Para você, Clarice! - Grito. - Para com essa merda de ficar me ligando, caralho! - Ordeno. - O que seu namorado acha disso?! Hã?! - Questiono. - O que ele acha desse lance de ficar ligando para o seu ex-namorado? Ex-namorado esse que você mesma deu a porra de um pé na bunda por causa de uma faculdadezinha de merda lá na casa do caralho que você nem queria fazer?!

- Nós terminamos, Des... - Revelou.

- Ah, é... - Reviro os olhos. - Agora faz todo o sentido! O senhor pica grossa está fora de campo e você veio convocar o reserva!

- Podemos conversar como pessoas civilizadas? - Pergunta, calmamente.

- Podemos sim, só um instante... - Respire fundo. - Vai se foder! - Berrei; desligando o celular em seguida.

Acho que só esse mês Clarisse e eu já tivemos umas dez conversas como essa ao telefone. Embora a música do Aaron alerte que é uma péssima ideia, eu sempre acabo atendendo suas ligações.

- Candy, ainda está ai? - Pergunto.

- Sim, senhor. - Candy responde. - O que deseja?

- Quero que bloqueie o número de Clarice e a bloqueie em todas as redes sociais que eu tenho, por favor. - Peço.

- O senhor tem certeza disso? - Candy indaga.

Fecho os olhos. Respiro fundo. Abro os olhos.

- Não, Candy... - Digo. - Esquece isso ai...

- Tudo bem... - Candy assente. - A propósito, Clarice acaba de lhe enviar um e-mail.

- Ah, que ótimo... - Reviro os olhos.

- Gostaria que eu o lesse para o senhor? - Candy pergunta.

- Manda bala, Candy... - Suspiro.

- Mandar bala? - Candy pergunta, confusa. - Assassinato não está incluso no sistema Apple Feels, senhor. Se insistir no comportamento violento a polícia será notificada.

- "Manda bala" é uma expressão, Candy. - Explico. - Significa "leia a porra do e-mail da Clarice", entendeu?

- Tudo bem... - Candy assente. - "Manda bala" será adicionado ao vocabulário do sistema.

- Ótimo...

- A leitura do e-mail de Clarice será iniciada em aproximadamente três segundos. - Candy notifica.

- Okay, Candy. - Assinto.

- "Você é mesmo uma pessoa impossível de conversar, Desmond. O que eu queria dizer antes de você mandar eu me foder, é que participarei do projeto "De Lorean" e queria te pedir que fizesse isso comigo. Queria pedir que viajasse comigo para cada um dos momentos ruins do nosso relacionamento, para que possamos corrigir juntos cada erro, para que possamos tomar atitudes diferentes em cada briga idiota e desnecessária. Viaje comigo para que possamos ser felizes de novo, por favor. Eu amo você. Entendo que tem raiva de mim pela escolha que eu fiz. As vezes eu também tenho. Mas, não dá para viver assim para sempre, Desmond. Não dá para viver SE culpando. Não dá para viver ME culpando. Se considerar minha proposta, me ligue. Estarei esperando por você. Enfim... Eu amo você, independente do que ache de mim, independente do que escolher. Fique bem!". - Candy recitou. - Leitura concluída, senhor. Gostaria de ouvir novamente?

- Não, Candy. - Respondo. - Uma vez foi o bastante. Obrigado.

- O senhor deseja mais alguma coisa? - Candy pergunta.

- Não, Candy... - Digo. - Obrigado.

-O sistema Apple Feels será desligado em aproximadamente três segundos.

Fecho os olhos por um momento e reflito se o que penso em fazer é precipitado ou não.

- Quer saber? Foda-se! - Digo ao vento, ligando o celular e discando o número de Clarice.

"Tu...Tu...Tu..." Deus, como esse barulho me irrita.

- Recebeu o meu e-mail? - Ouço a voz de Clarice perguntar, parecia estar sorrindo do outro lado da linha.

- Olha só, sua filha da puta! - Começo a berrar. - Você acha mesmo que na única oportunidade que eu teria de voltar no tempo, eu consertaria o nosso relacionamento? Você é mesmo tão egocêntrica assim? Acha que eu não tenho coisas mais importantes para mudar?

- Des...

- "Des..." é o caralho! - Retruco. - Você é o menor dos meus problemas! Eu jamais seria tão escroto de fazer uma merda dessas. Você não me conhece mesmo!

"Tu.Tu.Tu", esse era ainda pior.

- Desligou na minha cara, filha da puta?! - Berro, mesmo que não tenha mais ninguém ouvindo do outro lado. - Escrota! Arrombada! Filha duma puta! - Jogo o telefone com toda a força na parede. - Que merda... - Murmuro, arrependido.

Caminho em direção ao celular e o pego.

- Foi mal, amigão... - Digo, observando o display se regenerar; reconstruindo cada pedacinho de minha foto com Elaria.

14 de Janeiro de 2031

- Bom dia, senhor. - Ouço a voz de Candy dizer ao longe. - O contato "Jenna (Diretora)" acaba de lhe enviar um e-mail. Gostaria que fosse feita uma leitura?

- Bom dia, Candy - Respondo, sem abrir os olhos. - Manda bala...

- Senhor, este não é um e-mail do contato "Clarice". - Candy notifica. Sorrio.

- Candy, toda vez que eu disser "manda bala", significa que quero que leia o e-mail mais recente, okay? - Explico.

- Tudo bem, senhor. - Candy responde. - A alteração no vocabulário do sistema foi realizada com sucesso.

- Ótimo! - Digo.

- A leitura do e-mail de "Jenna (Diretora) começará em aproximadamente três segundos.

- Beleza!

- "Bom dia, Desmond. Como está? Espero que esteja bem! Sinto muito por sua perda. Estou lhe enviando este e-mail para notifica-lo de que enviarei um professor para substitui-lo neste bimestre. Tire uma folga. Clareie sua mente. O receberemos de braços abertos quando sentir que está pronto, okay? Tenha um ótimo dia!". - Sorrio. - A leitura foi concluída.

- Muito obrigado, Candy - Digo. - Diga a Jenna que estou muito grato e que logo estarei de volta, por favor.

- Sua resposta será enviada em aproximadamente três segundos. - Candy notifica.

- Muito grato. - Digo.

- Resposta enviada com sucesso.

- Candy, que horas são, por favor? - Pergunto.

- Oito e quarenta e cinco, senhor. - Candy responde.

- Ótimo! Me dê mais três horas de sono, por favor! - Peço.

- O senhor será despertado às onze e quarenta e cinco. - Candy informa.

- Perfeito!

- Iniciando dosagens...

14 de Janeiro de 2031 (11:45)

O primeiro vestígio sonoro do cacarejar do que parecia um exército de galinhas protestando me despertou exatamente às onze e quarenta e cinco.

- Desligar alarme, Candy - Digo, antes que as galinhas pudessem completar o "cocoricó".

- Alarme desligado. - Candy notifica. - Bom dia, senhor.

- Bom dia, Candy! - Digo, com certa empolgação. Por alguma razão, eu sempre acordo de bom humor quando Candy me põe para dormir na base de calmante. - Como está?

- Eu estou bem, como sempre, senhor. - Candy responde. - Sou uma inteligência artificial. Meu humor está programado para ser agradavelmente neutro.

- Bem observado, Candy! - Gargalho. - O que aconteceu de interessante no mundo lá fora enquanto eu dormia?

- O jogo "Bully 2" acaba de ser anunciado pela empresa "Rockstar Games"; o senhor recebeu novos cinco seguidores no Instagram; foi anunciado que a inteligencia artificial "Sophia" será "executada" esta tarde por cometer um homicídio no reino da Arábia Saudita; foi liberada a lista com os nomes dos participantes selecionados para o projeto "De Lorean"; a Netflix acaba de...

- O que?! - A interrompo. - O meu nome está na lista?

- Irei conferir, senhor.... - Candy informa.

- Certo... - Digo, apreensivo.

- "Desmond Greene". - Candy recita. - Sim, senhor. O seu nome está na lista.

- Uau... - Murmuro, surpreso. - E o que eu faço agora?

- O senhor deverá ir à sede da Time X amanhã às sete horas da manhã.

- E onde isso fica? - Pergunto.

- No centro de Nova York. - Candy inform…

1 de Setembro de 2022

- Moço, você tá vivo? - Ouço uma voz ecoar de longe. - Moço?!

Abro meus olhos com dificuldade e vejo silhuetas turvas de um garoto gordinho e uma garotinha de cabelos cacheados.

- Acho que ele tá acordando... - Ouço a garotinha dizer.

- Se esconde! - O garotinho gordinho manda e ouço a menininha correr.

Sem enxergar nada, levanto meu torso lentamente e cruzo minhas pernas. Sinto cada centímetro do meu corpo estalar e doer.

- Quem é você, moço? - O garotinho pergunta.

Esfrego os olhos e os levo à ele. Minha visão fica mais nítida. Meu coração dispara.

- Puta que pariu! - As palavras fogem pela minha boca e abruptamente me afasto do garoto que se assusta e corre para perto da garotinha. - Caralho! - Bato com minhas costas em uma comoda e um abajur cai no chão.

- Seu maluco! - O garotinho grita de trás de um baú. - Minha mãe acabou de pagar esse abajur!

Começo a olhar em volta, desnorteado e desesperado. A ficha não demora muito para cair. Eu sei muito bem onde estou. É meu antigo quarto. O garoto gordinho? Sou eu. A garotinha? Elaria...

- Eu tenho um telefone aqui, ein! - O garotinho diz. - Eu tô ligando para a policia!

- Por que tá mentindo, Des? - Ouço Elaria sussurrar. - Mamãe disse que quem mentir vai para o inferno, esqueceu?

Sorrio com pesar. Elaria...

- Cala boca, Elaria! - O garotinho sussurra. - Ele não sabe disso!

- Eu sei sim, Desmond! - Digo, recompondo-me e tentando parecer calmo. - Podem sair dai, eu não vou machucar vocês...

- Como sabe meu nome? - Desmond indaga.

- Você não acreditaria se eu te contasse... - Explico.

- Tenta então! - Desmond pede, trêmulo.

- É uma longa história, cara! - Explico. - Eu sei que você é esperto! Preciso que você saia dai e converse comigo como um adulto, beleza?

- Conta para mim como sabe o meu nome, moço! - Desmond grita. Suspiro.

- Eu sou do futuro, Desmond... - Confesso.

- Tá de sacanagem? - Desmond retruca. - Você tá falando igual um pedófilo!

- O que é um pedófilo? - Elaria pergunta, sussurrando.

- Elaria, fica quieta! Se não o moço vai matar a gente! - Desmond murmura.

- Eu tô falando sério, Desmond. - Digo.

- Prova que você é do futuro então! - Desmond pede. Perco a paciência.

- Olha, eu vou ser mais direto... - Digo. - Eu sou você, Desmond! Sacou?! E a prova disso tá na porra da minha cara! Olha bem pra ela e vê se eu não me pareço com você!

Desmond espia por de trás do baú e Elaria também.

- Parece mesmo! - Elaria suspira, surpresa. - Só que ele tem barba e você não!

- Elaria, se esconde! Que merda! - Desmond briga com Elaria. - Isso ai não quer dizer nada! - Ele grita para mim.

- Tá legal, Desmond! - Começo a dizer. - Quer que eu comece a falar sobre as coisas que tem no histórico do seu computador? Você tem uns gostos bem peculiares, não acha? E que tal se eu contar para sua mãe o que você faz quando sai com seus amigos? Ou para onde vai quando diz para ela que vai fazer trabalho? Eu sei de tudo, cara... Tudinho mesmo!

- Você fica me espionando?! - Pergunta, indignado.

- Puta que me pariu... - Murmuro. - Você tem que parar de ser tão desconfiado, moleque! Isso vai acabar com a tua vida!

Um silêncio se inicia.

Suspiro.

- A senha do seu Facebook é "eu amo jujuba 123"... - Começo a dizer. - O garoto que faz da sua vida um inferno na escola se chama Jason; você tem uma namoradinha virtual chamada Gisele que conheceu no "Grand Chase" há uns seis anos e nunca falou dela para ninguém porque tinha vergonha e medo da mamãe mandar você parar de falar com ela; você morre de medo de baratas; nunca consegue passar da missão de derrubar os aviõezinhos no "GTA - San Andreas"; gosta mais do "GTA 4" do que do "GTA 5" e... sei lá, porra... seu sonho é ser ator! - Suspiro. - Acredita em mim agora?

- Hacker maldito! - Ele grita.

- Porra... - Respiro fundo e reflito um momento. - Elaria, tapa os ouvidos!

- Ta bom! - Ela assente. - Já tapei! - Diz, mais alto do que pretendia.

- Você tem uma marca de nascença enorme em forma de "K" no meio da bunda! - Sussurro.

- Você é viado? - Desmond debocha. - Ó as ideia! Não tenho não!

- Você iria descobrir isso daqui uns cinco anos. Foi mal por estragar a surpresa. Fique a vontade para conferir quando quiser. - Digo.

- Papo esquisito! - Desmond resmunga , desconfortável.

- Já posso destapar? - Elaria pergunta, quase gritando.

- Não, espera mais um pouco! - Desmond responde.

- Será que dá para confiar em mim? Dependendo da perspectiva é o mesmo que confiar em você, cara... - Peço.

- Não! - Desmond diz, decidido.

Respiro fundo.

- Tá legal... - Digo, calmamente. - Só não esquece que eu sei a senha do seu computador e tudo o que tem lá. A mãe e o pai vão adorar ver tudinho. Imagina só o quão chocado o pai vai ficar. - Sorrio de forma maligna. - Eu consigo visualizar a surra que você vai tomar e você? Consegue? Pois é... Eu sei que consegue. E também sei o quanto você tem medo do seu pai. Eu sei de tudo. É melhor escolher bem.

Desmond fica em silêncio por um momento.

- Tá legal, foda-se! - Desmond consente e sai de trás do baú. - Pode destapar o ouvido, Elaria...

- O que eu perdi? - Elaria pergunta.

- Ele sou eu no futuro... - Desmond explica. - E ele é meio babaca também...

- Igual a você então! - Elaria diz, gargalhando em seguida.

Um grande sorriso se abre inconscientemente em meu rosto. É estranho assistir a mim mesmo quando jovem e mais ainda ver Elaria tão pequena, tão inocente, tão... Feliz?

- Ha-ha. - Desmond revira os olhos. - Muito engraçado.

- Então... - Pigarreio. - Que tal sanduíche de sorvete e leite quente com canela? Tô morrendo de fome!

Desmond arregala os olhos, surpreso.

- Eba! - Elaria exclama. - Sanduíche de sorvete! Sanduíche de sorvete!

- É, acho que tem sorvete e pão na cozinha... - Desmond diz, dando um sorriso desnorteado.

- Então vamos nessa! - Digo, empolgado.

[...]

- Posso perguntar uma coisa, Desmond com barba? - Pergunta Elaria, com a boca toda suja de sorvete.

- Pode sim, Elaria pequenina! - Respondo.

- No futuro eu viro astronauta? - Pergunta, com os olhinhos brilhando.

Sinto um grande aperto no coração.

Reflito um momento.

Suspiro.

- Sim, sim... - Minto. Elaria se suicidou antes mesmo de terminar o ensino-médio. - Você se torna uma grande astronauta!

- Caramba! - Ela suspira, toda boba. - Ouviu isso Desmond sem barba? Eu virei uma grande astrounata!

- Incrível, não é? - Desmond diz, sorrindo de orelha a orelha. - E eu? O que eu viro?

- Um professor de História! - Digo, forçando entusiamo. - Pode parecer meio chato para você agora, mas você ama o que faz!

- Ah... - Desmond murmura, desapontado. - Então tá legal...

- Eu visitei algum planeta? - Elaria pergunta, enquanto mastiga outro sanduíche.

- Ainda não... - Explico. - Você quase foi à Marte, mas só teve um probleminha...

- Qual?! - Pergunta, chocada.

- Por causa de uma nota baixa que você tirou no jardim de infância! - Digo.

- Mas eu nunca tirei uma nota baixa! - Explica, desesperada.

- Pois é, mas vai tirar! - Digo. - Então, se quiser ir à Marte no futuro, vai ter que tirar dez até se formar!

- Farei isso! - Diz, decidida. - Obrigada por avisar, Desmond com barba! Você é o segundo melhor!

- O segundo? - Indago, curioso.

- Sim! - Responde. - O primeiro é o Desmond sem barba!

Um sorriso bobo surge no rosto de Desmond.

- Para com isso! Não tenho dinheiro não! - Desmond diz, tentando esconder o sorriso; dando em seguida um soquinho no ombro de Elaria que começa a gargalhar.

Sinto meus olhos arderem e inconscientemente um par de lágrimas se formar em meus olhos. As crianças não percebem, então limpo-os rapidamente. Cara... A vida era tão boa. Tão simples. Como é possível que algo tão inocente e puro como isso que está diante dos meus olhos pôde se tornar algo tão mórbido e triste como eu e todo o resto? É inacreditável...

Elaria boceja.

- Acho que vou ir dormir... - Elaria avisa. - Desmond sem barba, pode lavar minhas mãos e minha boca, por favor? - Pede.

- Sim, claro... - Desmond assente.

- Ei, tudo bem se eu lavar? - Pergunto para Elaria.

- Ah, por mim tudo bem, Desmond com barba! - Ela aceita.

- Vamos lá, pequena Astronauta! - Digo, levantando-me da mesa e pegando-a no colo.

- Você ainda lembra onde fica o banheiro? - Pergunta.

- Poxa, nem me lembro! - Minto em prol da brincadeira. - Pode me dizer onde fica?

- Tudo bem! - Ela responde. - Segue reto!

- Seguindo reto! - Digo.

- Agora vira à direita! - Ela diz.

- Virando à direita!

- Segue reto de novo! - Gargalha.

- Seguindo reto... De novo!

- Agora é só abrir essa porta! - Explica.

- Abrindo a porta!

- Chegamos! - Comemora!

- Chegamos! - Repito, com a mesma empolgação.

- Me leva até a pia! - Elaria pede.

- Beleza... - Digo.

Elaria liga a torneira, lava as mãos e o rosto.

- Posso pedir só mais um favorzinho? - Pergunta.

- Claro!

- Põe um pouquinho de pasta na minha escova de dentes? - Pergunta.

- Ponho sim! - Respondo, pegando a pequena escova de dentes rosa. - Segura aqui. - Peço e pego a pasta de dentes. - Lá vai a pasta!

- Muito obrigada, Desmond com barba! - Elaria agradece.

- Por nada, pequena Astronauta! - Disponho.

- Agora já pode me por no chão e sair do banheiro! - Ordena.

- Ora, mas por quê? - Pergunto.

- Preciso fazer xixi! - Sussurra.

- Ah, tá, tudo bem! - Digo, desnorteado. - Se precisar de ajuda, é só chamar! - Aviso, saindo do banheiro.

- Ei, fecha a porta! - Pede.

- Fechando a porta! - Digo, e a fecho.

Caminho de volta até a cozinha, mas Desmond já não está mais lá.

- Desmond?! - Chamo.

- To aqui no meu quarto! - Ouço sua voz vir de não muito longe. Vou até ele.

- E ai? O que tá assistindo? - Pergunto.

- Nada ainda... - Explica. - Tô procurando algo que preste. - Diz, mudando de canal.

Me sento ao lado dele na cama.

- Por que veio para cá? - Ele pergunta.

- Como assim? - Pergunto.

- Você sabe... Esse ano; esse mês; esse dia... - Explica. - Por que hoje?

- Ah... Bom, o dia e o mês foi meio aleatório mesmo...

- Então por que esse ano? - Pergunta.

- Vai acontecer uma coisa muito ruim esse ano. Eu não posso dizer o que é, mas... Eu voltei para evitar o acontecimento e consequentemente as coisas que eventualmente isso desencadearia... - Revelo.

- Entendo... - Desmond diz, reflexivo. - Então eu viro uma espécie de "Exterminador do Futuro"?

- É um jeito de ver as coisas... - Gargalho. - Mas sem as partes emocionantes.

- Me conta mais sobre o meu futuro! - Pede, empolgado.

- O que quer saber? - Pergunto. - Só não fique chateado comigo se eu não poder responder, okay?

- Tudo bem... - Assente. - Deixa eu pensar...

- Okay... - Sorrio.

- Eu... Hm... Você sabe... - Desmond começa a formular. - Beijo alguém? - Finalmente pergunta.

- Ah, sim... Claro... - Gargalho. - É um número considerável até...

- Meu Deus! - Ele exclama. - E elas eram gostosas?!

- Algumas mais do que outras... - Digo.

- E eu transei com alguma delas? Tipo, eu perco a virgindade no futuro? - Pergunta, empolgadíssimo.

- Ah... É, isso aconteceu sim! - Gargalho.

- Caramba! Que alívio... - Suspira. - Achei que fosse morrer virgem!

- Eu me lembro desse sentimento... - Revelo. - Mas relaxa, a primeiríssima não está há muitos anos de distância...

- Irado! - Desmond exclama. - E como ela é?

- Você já a conhece... - Revelo. - É só o que vou dizer. Sem mais spoilers da vida, pequeno eu!

- Puta merda, que maneiro! - Seus olhos brilham. - Nunca pensei que eu me tornaria um cara tão legal quanto você! É uma pena que você seja eu, no fim das contas. É o melhor amigo que eu já tive, sabe?

Sinto um aperto em meu coração.

- Olha... Se a minha missão aqui for concluída com sucesso, você vai ser alguém muito melhor do que eu no futuro. E eu vou sempre estar com você, sabe? Literalmente e metaforicamente. - Sorrio. - Você sempre será o seu próprio melhor amigo e isso não é ruim, acredite.

- Tudo bem... - Desmond sorri. - Eu vou me lembrar disso!

- Ótimo! - Digo. - Ah, e tenho uma dica para o futuro. Sei que disse "sem mais spoilers", mas isso é importante, okay?

- Okay... - Desmond fica atento. - Manda bala!

- Talvez, só talvez, você devesse ir numa convenção de vídeo games que vai rolar no centro de Los Angeles no dia 10 de Abril de 2024. - Sorrio.

- O que vai acontecer lá? - Pergunta, curioso.

- Você vai conhecer uma garota incrível, perfeita! - Digo. - O nome dela é Clarice...

- E onde eu exatamente vou encontrar ela? O que devo fazer? - Pergunta.

- Relaxa, apenas vá para lá e tudo vai acontecer naturalmente. - Explico. - Mas tô falando disso, porque tem algo importante que precisa saber!

- Fala! - Pede.

- As coisas que iriam acontecer este ano fariam com que você, eventualmente, se tornasse uma pessoa meio "difícil" de lidar, entende? E isso é o que acaba afastando essa garota de você. A minha dica é: Seja o melhor possível para ela. Nunca se deixe levar por impulsos e você terá a garota mais linda, incrível e perfeita desse universo contigo. Ela vai te amar muito e você vai perceber isso quando chegar a hora. Não cometa os mesmos erros que eu, tudo bem? Essa é a dica que te levará até a mais pura felicidade.

- Anotado! - Desmond diz; seus olhos refletem toda a sua fascinação. - Eu tenho mais uma...

- Desmond! Elaria! Chegamos! - A voz de uma mulher interrompe Desmond.

- E trouxemos comida japonesa! - Um homem completa.

- A mamãe e o papai chegaram! - Desmond diz. - Eles vão surtar quando te conhecerem!

- É... Eu definitivamente não estava pronto para isso... - Sussurro.

- Você veio para falar com eles? - Desmond susurra.

- É... - Confesso.

- Que merda... - Desmond arregala os olhos. - Eu vou correr até eles, explicar tudo e você espera aqui, tá bom?

- Tá legal...

Desmond me lança um sorriso e corre até a sala de estar.

- Mãe, cadê o papai? - Ouço Desmond perguntar.

- Tá no banheiro. Por que, filho? - Mamãe pergunta.

- Aconteceu uma coisa muito doida! E vocês tem que ver isso!

- O que você fez?

- Então, mãe... Hoje? Nada! A questão é o que eu fiz no futuro!

- Como assim, filho?

- Vamos esperar o papai sair do banheiro. É uma coisa que vocês precisam ver juntos!

- Você tá me assustando, Desmond! Cadê a sua irmã?

- Tá lá em cima, ela já foi dormir.

- Sem comer?

- Nós lanchamos... Vocês chegaram meio tarde. Já viu as horas?

- Ah, meu Deus! É verdade.... Me desculpe, filho.

- E ai, filhão! - Ouço a voz do papai. - Como foi seu dia?

- Foi bem louco, pai!

- Como assim, Des?

- Vem comigo, vou mostrar para vocês!

Ouço os passos e as vozes se aproximarem.

Desmond abre a porta do quarto e entra.

- Mãe e pai... Eu apresento a vocês...

- Desmond, que porra é essa?! - Meu pai o interrompe, sacando a arma e a apontando para mim. - Quem é esse cara? Que porra ele tá fazendo na minha casa?

Levo minhas mãos à cabeça e ponho-me de pé lentamente. Meus olhos começam a arder intensamente; minhas mãos e pernas tremem e meu coração bate como se fosse explodir a qualquer momento. Não por meu pai estar apontando uma arma para mim, mas por ele estar ali. E minha mãe também. Tão linda... Eles estão exatamente como me lembrava.

- Não, pai! Espera ai! - Desmond tenta explicar.

- Quem é você?! - Meu pai berra. - O que tá fazendo na minha casa?!

- Kenan, abaixa a arma... - Minha mãe pede, calmamente, com os olhos arregalados fixados em mim.

- Tem um estranho na nossa casa, Michelle... - Meu pai retruca. - Que merda que ele tá fazendo aqui?! Ainda mais sozinho com duas crianças?!

- Kenan, por favor! - Ela grita. - Ele não é um estranho... - Diz, enquanto caminha em minha direção.

- Como assim não é?! - Meu pai indaga, agressivo.

- Ele sou eu do futuro, pai! - Desmond explica.

- É, ele é o Desmond com barba, papai! - Elaria surge do nada, com os olhinhos vermelhos de sono. - Ele é muito legal!

Meu pai franze o cenho e leva seus olhos aos meus.

- Você está tão bonito... - Minha mãe sussurra, enquanto toca cada centímetro de meu rosto. - Quantos anos tem? - Pergunta.

- Vinte e três... - Respondo, desnorteado; mais baixo do que pretendia. Abruptamente lágrimas começam a escorrer de meus olhos. Minha mãe me abraça.

Meu pai abaixa a arma e começa a se aproximar cautelosamente com os olhos atentos em mim.

- Jesus Cristo! - Murmura, trêmulo. E se junta a nós no abraço.

Vejo Desmond entrelaçar o braço direito nos ombros de Elaria e a puxar para perto com carinho enquanto assiste a cena.

- O que está fazendo aqui? - Meu pai pergunta.

- Podemos conversar em particular? - Pergunto. - É uma longa história...

- Sim, claro, filho... - Minha mãe diz. - Vamos para o nosso quarto, Kenan...

- Tá legal... - Meu pai diz, meio perdido; largando a arma em cima do criado-mudo. - Vamos lá...

[...]

- Então... O que está acontecendo? - Meu pai pergunta. - Por que está aqui?

Tento formular em minha mente tudo o que quero dizer.

- Olha... - Começo a dizer. - Eu nem sei nem por onde começar. - Sorrio meio triste. - Eu venho de um lugar que está à mais ou menos dez anos de distância daqui. - Suspiro. - E o futuro não foi nem um pouco legal para mim e nem para Elaria. E...  Acho que dá para dizer com toda a certeza do universo que uma boa parte disso é culpa de vocês. - Levo meus olhos aos dois. - Então, é por isso que eu tô aqui. Tô aqui para tentar mudar tudo, sabe? Evitar tudo o que aconteceu...

- O que aconteceu? - Minha mãe pergunta, aflita. - O que precisa mudar?

- Pai... - Digo, levando meus olhos aos dele. - Eu não sei nem como te dizer isso. Não sei como contar tudo o que aconteceu para vocês de forma delicada ou sei lá. Eu demorei muito tempo para entender algumas coisas. Hoje eu entendo, mas antes? Não mesmo. Eu passei uns bons anos da minha vida odiando vocês dois por tudo o que aconteceu. Principalmente você, pai. - Levo meus olhos ao chão. - Pai...  Exatamente no dia 28 de Maio desse ano, o senhor... O senhor vai morrer... - Respiro fundo e fico em silêncio por um momento. - O senhor vai morrer em uma explosão que vai acontecer no seu trabalho. E é a partir dai que as coisas começam a ficar muito ruins. A sua morte acaba desencadeando uma série de tragédias na minha vida, na da mãe e na da Elaria... - Levo novamente meus olhos aos dele. - Eu não sei o que aconteceu lá. Não sei se já está ciente do que isso se trata. Eu não sei se foi culpa sua de verdade, mas... Foi o que disseram. Disseram que foi negligência sua. Então... Por favor, se puder se demitir, não ser negligente ou simplesmente não ir trabalhar nesse dia, acho que já ajuda. Só não morra agora. Não abandone os seus filhos, a sua esposa, a sua família. Por favor...

- Meu Deus... - Meu pai murmura. - Eu nem sei o que dizer, Desmond...

- Não diga, apenas faça... - Peço.

- E o que aconteceu comigo? - Minha mãe pergunta. - Onde eu estava? Por que não fui o bastante para vocês?

- O que aconteceu com você? Tá ai uma coisa que eu também queria saber... - Começo a dizer. - Depois que o meu pai morreu, a nossa vida virou um inferno. A explosão que matou ele segundo os noticiários aconteceu durante o teste de uma tecnologia nova no qual a empresa dele estava trabalhando. O caso repercutiu tanto que a empresa quase foi fechada, quase... - Revelo. - Nossa família ganhou uma grande atenção da mídia do país e do mundo. A senhora até apareceu na TV na época, foi irado. - Sorrio, pensativo. - Enfim... A empresa passou um bom tempo no pé da senhora. Tentando convencer você a retirar as queixas contra eles, tentando te convencer de que a culpa foi do meu pai e não deles, esse tipo de merda. No final das contas... Acho que a pressão foi muita para a senhora. - Fecho os olhos e reflito uns instantes. - No dia 28 de Outubro desse ano, a senhora morreu em um acidente de carro. Parece que estava bêbada, sei lá, eu não sei... Tudo o que eu sei é que os policiais na delegacia disseram que foi suicídio. Eu e a Elaria ficamos lá, sozinhos, à mercê do mundo. Eu fiquei tão desesperado, mas tinha que ser forte por mim e por ela. Passamos a noite numa delegacia e ai a Lynda, prima do meu pai, apareceu e adotou a gente... - Olho para minha mãe e ela está esvaindo-se em lágrimas. - Que ótimo, não? Não... As coisas não melhoram depois disso. Eu sou de 2031... Mais precisamente de 15 de Janeiro. E lá, já fazem três dias... TRÊS DIAS... Desde que Elaria se matou no banheiro da escola dela. - Suspiro. - Sem carta, sem despedida, nada... Ela simplesmente fez... Igual a você, mãe... - Faço um breve silêncio. - As coisas não eram nada fáceis na casa da Lynda. Eu não estava nem um pouco feliz lá. Acho que ninguém estava.  Dessa vez vocês não ganham todo o mérito, eu sei que também tenho uma parcela de culpa pela morte de Elaria. - Lágrimas escorrem de meus olhos. - Eu não aguentava mais aquela merda de lugar. Não aguentava mesmo. Então, eu arrumei um emprego, juntei uma grana e sai de casa com dezenove anos. A grana que eu recebia não dava para manter eu, a faculdade, as contas e a Elaria, então... Acabei deixando ela lá, sozinha, com a Lynda, o marido e os filhos. Prometi que voltaria por ela quando as coisas melhorassem. - Sorrio em meio as lágrimas. - E eventualmente, elas melhoraram. Consegui um emprego melhor, um salário melhor, uma casa, um carro, tudo. Mas... nem se quer pensei nela. É... Eu poderia ter ajudado ela... Poderia ter ficado com ela... Poderia ter evitado a morte dela... Mas não o fiz... Não cumpri minha promessa... Eu esqueci dela e ela se esqueceu de mim. E caras... Eu não consigo viver com isso... De jeito nenhum... Eu não posso... - Limpo meus olhos com minhas trêmulas mãos. - E é só por isso que eu voltei. Voltei para consertar tudo, principalmente a vida dela.

- Filho... - Meu pai começou a dizer, pegando firme as mãos de minha mãe. - Muito obrigado por voltar para nos avisar. Prometo que as coisas serão diferentes...

- Ótimo... - Digo. - Queria te pedir mais uma coisa...

- Pode falar... - Meu pai diz.

- Não seja tão duro com o Desmond... - Começo a dizer. - Ele tem muito medo de você e medo está longe de ser respeito ou amor. Seja um pai mais amigável, mais presente. A vida não é só contas para pagar ou raras viagens em família onde os seus filhos ficam de plano de fundo. Dê uma atenção maior para os dois, não como um pai, mas como um amigo. Seja mais como a minha mãe e tenho certeza que eles e até mesmo você e a minha mãe serão mais felizes.

- Tudo bem... Obrigado pelo conselho, filho! E principalmente por se abrir, mesmo que tenha demorado dez anos para isso. - Ele sorri.

- Sem problemas... - Sorrio.

- E o que acontece agora? - Minha mãe pergunta. - O que acontece com você?

- Olha... Eu não faço ideia... - Respondo. - Mas acredito que o melhor seja ir embora...

- Por que você não fica? - Ela pergunta.

- Nós nos encontraremos de novo daqui dez anos, não se preocupe com isso, mãe...

- Tudo bem, meu filho... - Ela diz. - Não faz ideia do quanto estou orgulhosa do homem que parece ter se tornado. Estou ansiosa para acompanhar todo o seu caminho até onde está.

- Eu também estou, mãe... - Sorrio. - Agora é hora de ir...

- Tudo bem... - Ela assente.

- Te levamos até a saída ou você vai simplesmente desaparecer? - Meu pai pergunta, curioso.

- Acho que é melhor me levarem até a saída. - Gargalho.

[...]

- Lembre-se, pequena Elaria, sem notas baixas se quiser ir à Marte, tá legal? - Digo.

- Pode deixar! - Ela diz, empolgada.

- Agora vem cá, me dá um abraço fortão! - Digo de braços abertos.

- Sim! - Ela grita, pulando em cima de mim.

- E você, garotão, cuida bem da sua família, beleza? - Digo para Desmond, com Elaria no colo. - E não se esqueça daquela dica que te dei mais cedo. - Pisco para ele.

- Não vou esquecer, nunca! - Desmond diz, confiante; retribuindo a piscadela. - E pode deixar que cuidarei de tudo por aqui.

- É isso ai! - Digo.

- Vá com Deus, meu filho... - Minha mãe diz, dando-me um beijo na bochecha. - Fique bem, tá bom? Eu amo você!

- Tudo bem, mãe... - Digo. - Eu também amo você...

- Muito obrigado, meu filho. - Meu pai diz, dando-me um abraço forte. - Serei eternamente grato por ter me dado uma segunda chance. Farei valer para nossa família cada dia que eu viver.

- Eu também serei, pai.

- Eu amo você, filho... - Ele diz, pela primeira vez em toda a minha vida. - Mesmo que possa ter passado a vida achando que não...

- Eu também amo você, pai... - Sorrio. - Adeus, gente! - Digo, pondo Elaria no chão.

- Adeus, Desmond...

[...]

No começo do meu namoro com Katherine, quando as coisas ainda eram flores. Eu e ela tínhamos um lugar no qual ela apelidou de "A Cabana dos Sonhos". Nós sempre íamos para lá quando resolvíamos matar aula ou quando queríamos ficar bêbados. Acho que dá até para dizer que era o NOSSO lugar especial. O lugar era mesmo uma cabana. Estava abandonada na floresta próxima à nossa escola. Ela não era nada discreta, não era escondida, nem nada disso. Ela estava lá e era nítido que as pessoas iam para lá o tempo todo, seja para transar, beber, fumar, esse tipo de coisa. Mas, nós nunca esbarramos com ninguém lá e por isso fizemos daquela cabana a nossa cabana. Depois que me despedi dos meus pais e das crianças, não pensei em nenhum outro lugar melhor para fazer o que tinha em mente.

 [...] 

- Toc... Toc... Alguém em casa? - Ouço a voz de um estranho dizer do lado de fora da cabana.

- Quem é?! - Pergunto, apontando a arma que roubei do meu pai para a velha porta de madeira.

- Desmond Greene? - O homem pergunta.

- Quem é?! - Pergunto mais uma vez.

- É, acho que é você mesmo. - O homem gargalha. - Sou da TimeX. Tenho uma entrega para você.

- Uma entrega? - Questiono.

- É, cara... Será que dá para abrir a porta logo? Tenho um monte dessas para fazer.

- Tá, calma ai... - Digo, levantando da velha e destruída poltrona na qual estava sentado.

- Vamos logo, cara.... Eu não tenho o dia todo! - O homem resmunga.

- Calma, caralho! - Grito, abrindo a porta e apontando a arma para o homem. - O que tem ai?

- Você não tá pensando em levar isso para a TimeX não, né? - Ele era um garoto, parecia ter uns dezoito anos. Era magrelo e alto. Provavelmente é um estagiário.

- Só me entrega logo o que tiver ai, moleque! - Digo.

- Tá, pega. - Ele diz, entregando-me uma caixa.

- Obrigado. - Digo, fechando a porta em sua cara.

- Valeu pelo café, filho da puta! - Ele grita do lado de fora. O ignoro.

Sento-me de novo na poltrona e abro a caixa.

- Não acredito... - Sussurro.

Na caixa havia um tocador de CD's, um fome de ouvido e um disco dentro de uma capinha feita de plástico.

- Filha da puta... - Sorrio.

A capinha tinha o desenho de um caixão afundando no mar durante uma tempestade. O título do disco? "Perdas".

Na parte de trás, haviam sete faixas: "O Funeral de meu Pai";"O Funeral de minha Mãe"; "O Funeral de Toby, o Cachorro."; "O Funeral de tia Hannah."; "O Funeral de Thomas, o Melhor Amigo que já tive."; "O Funeral de Elaria." e "O meu Adeus ao mundo."

Coloquei o disco no toca CD's, pus os fones de ouvido e pulei para a última faixa.

Sum 41 - Crash

"Me abrace agora, porque eu não posso fazê-lo, mesmo que tentasse..."
"...Esse é o fim, acho que essa realmente é a minha hora..."
"...Eu não quero ir, mas essa é a hora em que devo lhe dizer Adeus..."
"...Então, abraça-me agora, porque essa será a nossa última vez..."
"...Estou fraco e não acho que posso lutar..."
"...Eu sei que de alguma forma você encontrará uma maneira de viver a sua vida..."
"... Apenas lembre-se de viver cada dia como se fosse o último..."
"...E me abrace agora, porque eu acho que é minha hora de ir..."
"...Eu não quero morrer, eu não sei o por quê, só não era para ser assim..."
"...Você tem que ser forte, tem que seguir em frente, não é como deveria ser..."
"...E o que eu digo, nunca deveria acabar desta forma..."
"...O que eu tenho que fazer? eu deveria envelhecer com você?..."
"...Mas isso não vai acontecer..."
"...Não, isso não vai acontecer..."

- Clarice... - De forma inconsciente sussurro, esvaindo-me em lágrimas e puxando a trava do revolver.
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Autor: Matheus Ramos