30/09/2017

O Resto que Ficou

ATENÇÃO : ESSA SÉRIE/CREEPYPASTA É +18. CONTÉM CONTEÚDO ADULTO E/OU CHOCANTE (ABUSO SEXUAL).

NÃO É RECOMENDADO PARA MENORES DE IDADE E PESSOAS SENSÍVEIS A ESSE TIPO DE LEITURA. LEIA COM RESPONSABILIDADE. 

Peço um minuto do seu tempo, quero tanto lhe contar uma história. Na verdade, é a minha história, mas explicarei tudo com calma e no ritmo certo. Só peço que pare, fique e me ouça. Vai ser uma experiência interessante, não se arrependerá. Pegue uma cadeira e se acomode, por gentileza. Só um parêntese, como a sua pele é bonita, não se ofenda, não falei por mal… Excelente, que bom que entendeu o elogio, vamos ao que importa.

Primeiro, não vou negar que na internet existe uma dezena de versões do que eu relatarei a partir desse instante. Ali, o que conhecem sobre o meu trabalho recebe o nome de “creepypasta”. É tão irritante, aqueles fóruns achando que sabem tudo sobre o que eu faço. Idiotas, muitas vezes eu participo desses debates estúpidos, só pela ironia da coisa, e me insultam, gritam que eu não sei nada sobre o assunto. Penso que esses bostinhas não são capazes nem de sentir o fedor que está debaixo dos seus narizes podres. Tentam investigar, como cachorros correndo atrás do próprio rabo, só que nunca chegaram nem perto da grandeza do normalpornfornormalpeople.com! Muito pelo contrário, porcos rolando em ignorância e teorias paranóicas. Tá, admito que algumas dessas lendas foram espalhadas por mim, às vezes a especulação parece engraçada, mas na maioria dos dias me incomoda. Por isso devo falar. Quero ter a certeza de que alguém entenderá a real mensagem do meu legado, nem que eu precise explicá-lo para você durante dias.

Começo com a sensação de incompletude que me acompanha desde o nascimento. Menina, eu deveria ser dois, só que o outro veio morto. O cérebro não estava formado, um sistema nervoso que nem para rudimentar servia. Assim, desde o início faltou a minha metade. Em compensação, nascer em uma família com dinheiro o suficiente e pais com sentimento de culpa proporciona uma infância interessante. Os melhores brinquedos, um confortável quarto, muito amor misturado com o meloso medo da perda. Logo, fui soterrado desde sempre com tudo o que um filho pode sonhar. Não, não tive uma infância traumática. Os velhos tentaram, realmente deram o melhor. Entretanto, faltas como essa não são preenchidas com cavalinhos de pau ou consultas semanais com psicólogas. A minha estrada foi muito, muito mais tortuosa, como a de qualquer homem que está destinado a ultrapassar os seus pares.

Vamos passar para uma das peças mais empolgantes do meu quebra-cabeça: o cinema. Eu o amo, pois, nele renascemos. Bichos viram gente e as mulheres gestam feras. Os monstros e as explosões, as mágicas e os demônios! Era bem pequeno na primeira vez que fui em uma sala de projeções. Recordo do brilho da tela me aquecendo e de que me senti realmente feliz enquanto as cenas ali dançavam. Só que, quando o filme acabou, fiquei tão brabo, pois parecia estar de novo incompleto, que mordi a minha mão até ela sangrar. Mamãe ficou assustada, me deu um balão e a

promessa de que voltaríamos na semana que vêm. A partir de então, as idas se tornaram regulares. Naquele lugar escuro, as fantasias brotavam na minha pele e eu esquecia que era só o pedaço que ficou. No mais, desde o começo, tive a consciência, embora na época de um jeito muito primitivo, de que a sétima arte estava no meu caminho. Não poderia ser de graça que todas aquelas imagens gemiam o meu nome enquanto nasciam e morriam diante dos meus olhos.

Outro elemento que me guiou ao que eu pratico atualmente, admito com embaraço, foi o fato de que, durante anos, não consegui me sentir excitado. Aliás, um pequeno defeito que fez da minha juventude um martírio. Escutava os meus colegas se gabando dos seus feitos amorosos e a raiva me fervia. Também ardia a face pensar que, se estivesse vivo, o meu irmão estaria entre eles e eu não, por mais que tentasse. Isso durou até os meus dezessete anos, quando o episódio aconteceu. Abri a porta de casa e, na soleira, havia o cadáver de um gato. Na verdade, de uma gata que parecia estar prenha. O pelo manchado e macio, o corpo de felina, ali, frágil. Endureci na hora e, criança, foi como ser lambido pelo fogo do Senhor. Sem pensar em mais nada, peguei o que restava da gata e comecei a acariciar aquela harmonia ali mesmo, no limite entre a minha casa e a rua. Não demorou e chegou a empregada da família, desgraçada, quebrou todo o encanto. O nojo com o qual ela nos olhou, os seus gritos agudos, parecia que eu estava nu no meio de uma multidão. Mas hoje agradeço aquela mulher, foi a sua reação histérica e desproporcional que me incentivou a trilhar o estudo da sexualidade humana.

Os próximos três anos da minha vida, nesse sentido, foram de desesperadas pesquisas para detectar o que tinha de errado comigo e as paixões que eu não conseguia abandonar. No entanto, ao final desse período, havia alcançado uma inesperada verdade. Querida, o ser humano é um monstro de muitas cabeças e gênios como Sade me iluminaram a nossa face animalesca, sedenta por desejos que não respeitam qualquer convenção. Anormal é negar aquilo que se quer, por mais estranho que possa parecer. Então, eu compreendi e finalmente parei de correr de mim. Ah, como sinto saudades desses dias de rapaz, gozando as delícias da satisfação própria. E, lhe digo com propriedade, como a juventude nos deixa ansiosos para compartilhar as belezas da nossa mente com o mundo.

Adotar o cinema como a ferramenta para meu intento foi inevitável. Levando em conta a capacidade cognitiva da maioria, filmes eram a escolha lógica. Eles são mais atraentes e cômodos que a leitura, além de atiçarem os sentidos de forma mais intensa. Também me emocionou a ideia de concretizar os meus borbulhantes quadros mentais em películas, a arte que me chamava desde pequeno para o seu colo! Por isso, comecei a trabalhar. Na época, a empresa de papai estava em alta e obter o capital para a produtora não foi difícil. Como o velho ficou entusiasmado, jurando que toda a desgraça da família tinha passado. No entanto, ainda que tenha sido por uma causa diferente, preciso admitir que também mastigava felicidade naquele instante. Eu não era mais só o pedaço que ficou, estava saindo da casca um homem inteiro e com fome.

Não demorou e apareceram inúmeros trabalhos para a produtora, peças que me garantiram nome no meio publicitário e independência financeira. Contudo, eu me dedicava realmente era nas minhas folgas. Comecei com certa prudência – gatos mortos na rua, algumas carnes balançando em ganchos de açougue, pequenas amenidades. Sabe, é impossível esquecer da primeira vez que filmei a mim mesmo. É um curta que ainda gosto, estou cheirando o assento da privada da minha antiga suíte, após cinco minutos sorrio e afogo um boneco na urina. É tão fresco, adolescente… O quê, o site? Bom, paguei, ainda pago, mais do que o suficiente pela segurança e anonimato que ele me proporciona. Não é à toa que nunca o rastrearam e, com certeza, não vão rastrear. Enfim, é seguro. E estamos na era da internet, as pessoas amam a coisa toda, veja as hordas de seguidores, presentes e sedentas desde o princípio. A humanidade pode até repetir discursos edificantes sobre religião, ética, o que for. Mas, na verdade, ela só quer é chafurdar em suas taras, no seu inevitável tesão pelo grotesco. E aí é que está, como um gênio da lâmpada eu ajudo. Satisfaço o que as pessoas querem, mesmo que elas neguem até a morte. O número de visualizações dos vídeos e das contribuições financeiras anônimas que recebo provam o que digo.

A anomia da internet e o rápido sucesso que obtive me incentivaram a ir ousando cada vez mais. E não, nem metade do que filmei na minha trajetória foi para o site. Sou um benfeitor, porém algumas das pérolas guardo para o meu deleite ou para a exibição em círculos muito restritos. Foi graças a um destes contatos que realizei a minha obra mais perfeita até o momento. A mídia tem uns figurões de gostos esquisitos, para ele foi barbada conseguir o gorila cego e o galpão das filmagens. Tão lindo, a natureza vencendo no final, aquela carne branca de puta sendo estraçalhada. Quase tivemos que repetir tudo, e por minha culpa, já que não conseguia não me masturbar enquanto a fera espancava a vagabunda, o que por pouco não prejudicou o enquadramento das imagens. Se bem que o que mais têm por aí são viciadas perdidas nas beiras de estrada e teria sido interessante continuar a apreciar aquela celebração por mais um tempo.

Minha querida, estou falando sem parar, você não está cansada? Mesmo? Que bom, guardei o melhor para o final. Vá até aquela gaveta e pegue o meu próximo roteiro:

CENA 1 – Uma mulher nua no meio de um matagal. Ela não está vendada, mas amarrada e com uma mordaça. O corpo deverá estar pintado com tinta vermelha. Ao lado dela, um velho sentado em uma cadeira tocando gaita. Ele deverá estar vestido com um terno. Voz ao fundo grita sem parar para os macacos dançarem.

CENA 2
– A mulher agora está sozinha. Na cadeira do velho, um prato com agulhas. Entra um terceiro elemento, mascarado. O elemento tira a mordaça e faz a mulher engolir todas as agulhas. Se ela chorar, focar nos olhos marejados.

CENA 3 – O velho deverá estar estático na parede do cenário. O elemento mascarado amarra a mulher em uma mesa e faz uma incisão em sua barriga. A câmera dá o close final no rosto do velho, que deverá assistir a tudo sem esboçar reação.

Você gostou? Quer ser a minha nova estrela? Meu bem, não chore, não tenha medo… O que, mas que gracinha, quer fugir! Vá, vá, tente, eu irei lhe encontrar mais cedo ou mais tarde. É divertido, até lhe dou dois dias de antecedência. Vamos lá, corra e não olhe para trás. Pois eu vou estar lá.

Autora: Mariana Carolo

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