Boa noite habitantes do vago e escuridão, meu
nome é Thiago, mais um servo do profano e tradutor deste blog. Como minha
primeira postagem, venho lhes trazer uma história de minha autoria, sejam
críticos, comentem, apontem, critiquem e não perdoem pois no final não serão
perdoados.
Sim, é verdade! Nunca tive muitas ambições ou perspectivas em demasia,
me contento com o mínimo e sempre foi assim. Carreira, faculdade,
especialização, curso, nada disso… Música, atuação, talento para o esporte,
nada se encaixou, meu rosto é e sempre será mais um na multidão, provavelmente
você não se recordaria dele, provavelmente…
Tive alguns empregos, uns bicos uma ou outra oportunidade, desprezado
pelas pessoas, minimizado, ridicularizado e como consequência vindo de
meus superiores sempre ouvi a mesma coisa : Falta de motivação, proatividade,
vontade e interesse.
Pra mim sempre foi simples, nunca quis ser supervisor, gerente, dono,
nadar em dinheiro, o que recebia era pelo que produzia, então isso é justo.
Acabei desempenhando a função de controlador de acesso nos últimos três
anos (porteiro).
Uma atividade simples "qual é o seu nome? pra onde vai?".
Apesar de sofrer uma certa rejeição pela relevância do meu cargo, na
grande maioria das vezes conseguia " tirar " algo de alguém de quem
passava por mim, um salgado, um espetinho, um chocolate, sempre algo que
pudesse comer e me dava por satisfeito.
Esse meu "talento" de sempre poder reter algo de quem cruzava
meu caminho era invejado e consequentemente um dos motivos que despertava
indignação nas pessoas que me comandavam em minhas funções, eu poderia tirar,
mas não o fazia, creio que se realmente desejasse poderia convencer o diabo a tocar
fogo em seu próprio corpo!
Infelizmente, minhas ambições sempre foram reduzidas a nada…
Após um tempo na função, decidi que iria tiras férias em alguma
cidadezinha do interior, observar o pasto e conhecer gente simples, ficar no
hotel assistindo filmes, tomando cervejas carregadas em trigo e talvez usar a
piscina.
Passado a primeira semana já me encontrava bem entediado após contemplar
os poucos 1977 canais disponíveis em suas mais variadas línguas, formatos e
públicos-alvo possíveis e imagináveis.
Descobri através da camareira um “Pub” em que boa parte da cidade se
encontrava dia após dia ali, era de conhecimento de todos os moradores,
provavelmente o patrimônio histórico da cidade, gerações e mais gerações
frequentaram o local, passei a visita-lo também, fazia minhas refeições, bebia
até cair, mas sempre sem me relacionar com ninguém, apenas acenos com a cabeça,
posicionava-me frente a única porta do local, observa os populares e
principalmente as idas e vindas, o acesso!
No terceiro dia de visita, estava como de costume sozinho em minha mesa
observando as pessoas conversarem, dançarem, beberem entre outras coisas também
de olho nas portas fechadas do estabelecimento, após uns quarenta minutos de
introspectividade um homem que aparentava ter seus 50 anos de idade sentou-se
na única cadeira vazia em minha mesa, de frente para mim, obstruindo minha
visão da entrada, fez menção com a mão esquerda antes como se perguntasse “Posso?”.
Concordei erguendo meu copo vazio, ele sorriu e se sentou. Tinha os olhos
amendoados, eram bem claros quase amarelos. Não possuía barba, que era
extremamente bem feita como se ali nunca jamais houvera um único fio.
Eu não havia reparado ou talvez houvesse surgido do nada mas em sua
outra mão trazia um copo de Whisky e um fino cigarro de confecção própria.
Usava um chapéu que parecia de cowboy, camisa xadrez vermelha e azul
trajando uma jaqueta bem simples de couro que parecia ser feita sob medida e
jeans azuis, não consegui ver os seus sapatos apenas.
Após apoiar o copo na mesa estendeu a mão para me cumprimentar, de
relance pude ver suas unhas bem aparadas, mão bem cuidada com um anel em cada
dedo. Os ponteiros marcavam 15:33, sol raiva, mas o ambiente era fresco e
agradável, as janelas possuíam blackout fazendo com que ficasse completamente
escuro se não fosse a aconchegante meia-luz dos simples e empoeirados lustres.
Conversávamos sobre trivialidades, papo vai, cerveja e whisky vem,
fumaça vai, shots vem...
- Então, Senhor Lucius, o que faz ou fez para ganhar a vida? - perguntei
descontraído.
- Administro pessoas. – respondeu com um sorriso e já emendou: - E você
Jackson, tão novo e inteligente o que faz ?
- Sou controlador de aces... porra, sou porteiro! E ergui meu copo
novamente.
- O senhor é gerente, gestor, supervisor ou algo do tipo?
- Exato, algo do tipo. Sempre com um lustroso sorriso.
- Mas me diga você, não quer fazer faculdade, um curso, tocar um
instrumento, seguir uma profissão?
-Eu já sigo, controlo acesso. Pra mim, já é o suficiente.
- E quer isso pro resto da vida?
Não quer ter sua própria empresa, ser rico, comandar, mandar, ditar,
lide...
-Não, não tenho esse tipo de desejo, ganhar e cobrir o que consumo está
de ótimo tamanho, não almejo, não quero explorar ninguém, não quero maiores
responsabilidades. Veja como é simples, você me diz seu nome e pra onde vai,
após meu processamento todo o resto é problema seu, a história acaba ali pra
mim, não vejo nada de errado com isso.
Lucius balançou a cabeça como se reproduzisse a expressão corporal de “mais
ou menos”, ainda que não fizesse sentido no contexto...
- Então diria que o que te define o que você quer é apenas observar e
controlar o acesso, apenas isso? Nada mais?
- Não é como se não tivesse coração,
não achasse bonito um casal de mãos dadas, o abraço de uma mãe em seu filho,
reencontro de amigos... Mas não tenho e não anseio nada disso para mim,
vantagens, família, relações, amizades, patrimônios, propriedades... Eu só quero
passar, viver, olhar, da minha maneira, sem influenciar, mudar a vida de
alguém, guiar ou dar sentido... é simples assim.
Ao enrolar um novo cigarro e acendê-lo
o homem de chapéu de cowboy deixou escorregar o anel de seu dedo indicador para
perto do cinzeiro e rumou ao sanitário. O anel tinha uma opala de fogo,
chamativa, linda, encantadora e poderosa por um momento me imaginei utilizando
o anel, apenas para experimentá-lo e nada mais, olhei para ele e estiquei ambas
as mãos para avaliar em qual dedo se encaixaria melhor, mas ainda assim não
tive o ímpeto de fazê-lo, apenas observá-lo...
O homem ressurgiu atrás de mim, fez o
contorno e a medida que deixou seu corpo cair novamente na cadeira deslizou o
dedo indicador em toda extensão circular do anel que voltou ao seu lugar
original como um ímã.
-Bom, sei que está de férias mas tenho
uma proposta para te fazer... Como te disse administro pessoas, pessoas de
talento, atrizes, atores, bandas, atletas, esse tipo de gente que ganha muito
fazendo pouco e que você reconhece pelo primeiro nome.
-Ah, então o senhor é um agente,
empresário, manager sei lá hahaha.- muita,
muita cerveja...
- Algo
do tipo, mas sem toda essa burocracia, mídia, contratos, é mais parecido como
um pacto mesmo.
- Olha, te adianto logo de cara que
não tenho nenhum talento a ser agenciado, muito menos vender minha alma por
algum tesouro ou habilidade latente.
Ambos rimos muito após esse
comentário.
-Em uma fazenda aqui perto eu
patrocinarei uma festa em que essas pessoas estarão reunidas, alguns paparazzis,
apenas os com as melhores conexões estarão informados e fariam de tudo pra
entrar na festa e conseguir uma foto da ganhadora do grammy deste ano
completamente bêbada e drogada. Um ou outro presidente de fã clube deve estar a
par também, sem contar em outros “agentes” que se aproveitariam do momento para
firmar contrato com as minhas estrelas...
-Hm, certo.
- Seu trabalho é controlar o acesso
dessas pessoas, deixar entrar apenas aquelas que lhe darei o nome. Quanto você quer
não apenas pelo trabalho, mas para não ceder as ofertas tentadoras? 100 mil,
150 mil?
Eu ri ainda mais com a oferta.
- Você está oferecendo 150 mil por uma única noite de trabalho de um porteiro?
Ou você está brincando comigo, ou está louco ou é apenas um velho que quer
torrar dinheiro, talvez eu te lembre um filho que faleceu? Perguntei com
sinceridade.
- Não estou brincando, o que desejas ?
-Observar e controlar o acesso, que
até o fim de minha existência estaria ótimo, pode me pagar o que se pagaria
normalmente pelo dia de serviço da minha categoria, não precisarei de
transporte e comida então algo em torno de 50 estaria ótimo.
- Estás desprezando uma aposentadoria
inteira e uns 19 anos luxuosos por um trocadinho mixuruca?
-Não é isso, agradeço a oferta e
aceito o trabalho nesses termos, tudo bem?
- Jackson, alguém já elogiou sua falta
de ambição?
-Nunca, muito pelo contrário, nunca
entenderam...
-Ah mas eu entendi e estou te administrando desde que nos cumprimentamos,
negócio fechado então!
Acontece que vim a entender que
observar e controlar o acesso por fim eram minhas ambições, sonhos e fervorosa
paixão, acontece que possuo diversas coisas que milhares de seres humanos
desejaram a vida toda e nunca terão, vi a ruína ainda que de uma posição baixa
de todos aqueles que exerceram algum tipo de poder sob mim.
Eu controlo o acesso, o acesso final e
com certeza TODOS os que passam por mim rumo a toda eternidade em chamas se
lembram de minha face, após 3333 anos nada mudou, continuo querendo saber
apenas seu nome, mas já sabendo o destino que irá tomar. A única coisa que restou
de mim fora a vontade de observar e controlar as idas e vindas (apenas ida
nesse caso) foi a habilidade de “tirar” algo das pessoas, mas infelizmente já
não é algo que me satisfaz, quem precisa de lamúrias, desabafos, confissões,
arrependimentos ou a própria carne e osso em si?
Talvez tenha sido escolhido para o
cargo por não desejar ter sucesso, viver para sempre, ter dinheiro, fama, ser
feliz, ter família, queria apenas observar, controlar sendo justo e vivendo
para mim. Depois desses três milênios fui conversar com meu empregador, disse
que queria férias, em uma cidadezinha do interior no mundo terreno. Não
esperava uma resposta positiva, sei muito bem que se alguém entra aqui...
jamais sairá...
Para minha surpresa ele me concedeu
esse período de férias, com certeza sentiu que eu não desejava escapar e que
com certeza voltaria para cumprir minha função. Antes de sair ele me disse :
- Respondendo sua pergunta, sim, você
me lembra alguém, você faz com que eu lembre de meu pai.
Depois de alguns dias recluso, decidi
ouvir um pouco de música ao vivo em um estabelecimento que apresentava novas
atrações diariamente. No terceiro dia de visita, uma mulher na casa dos 50 anos,
cabelos ondulados e longos com camiseta regata listrada preto e branco, calças
jeans azuis, não pude saber o que calçava, vinha agitando uma garrafa que
parecia ser de barro com um delicioso cheiro de trigo sentou-se em minha
frente.
Com a mão cheia de anéis, um pra cada dedo me deu um cigarro que parecia ter
sido feito manualmente, ao ocupar minha boca foi logo dizendo: - Não tenho nada
para despertar sua ambição, mas gostaria de ouvir uma proposta de emprego?
Legal! Bem escrita e bem elaborada.
ResponderExcluirRapaz...simplesmente genial.
ResponderExcluirBoa
ResponderExcluirNão entendi nada depois de:" Negocio fechado então" Alguem explica pra mim??
ResponderExcluirA falta de ambição delr selou um pacto para torna-lo o porteiro da eternidade.
ExcluirTambem n entendi 😅
ExcluirO cara virou porteiro do inferno haha. Todos os que passam por ele é porque acabam indo pra lá. Ele controla o acesso final rumo à eternidade em chamas, na qual quem entrar jamais sairá, de acordo com as palavras dele.
ResponderExcluir8/10
ResponderExcluirBem inovadora, me despertou o sentimento de solidão
Muito boa, gosto da sua escrita.
ResponderExcluirEnjoativo, 6/10
ResponderExcluirObrigado pela atenção, fico feliz :)
ResponderExcluirPequena curiosidade: O nome "Jackson" foi escolhido para O Porteiro do Inferno devido ao escultor Jackson Ribeiro em homenagem a sua obra mais famosa, que ficou exposta por 30 anos até que fosse removida depois de muito protesto religioso. E o nome Lucius, obviamente se remete a Lúcifer.
Bem vindo também, Thiago! Achei tua creepy genial e inovadora! 10/10
ResponderExcluirBem vindo, Thiago! Achei a creepy bem diferente da maioria, não segue os clichês... Acho apenas que nos diálogos você poderia dar mais detalhes de como eles estão agindo enquanto falam, expressões, olhares e tudo mais. Enfim, muito boa!
ResponderExcluirSeja bem vindo, Thiago!!1!
ResponderExcluiressa creepy é uma joia bruta, pode ser lapidada, mas mesmo assim uma bela de uma joia, nada de clichê, algo incrivelmente novo, só uma curiosidade, a mulher do final, seria Deus?
ResponderExcluiradorei aaaaa
ResponderExcluirNão entendi, quem é a mulher? Existem por acaso dois Diabos?
ResponderExcluirThiago, vai toma no cu
ResponderExcluirBem diferente do que vejo por aqui. 8/10
ResponderExcluirEu acompanho o blog desde 2013, mas só em creepys como essa eu me sinto obrigada a comentar. Achei interessante, para dizer o mínimo. O cara é O porteiro infernal, não é um demônio, não é O Barqueiro que leva as almas, é só um simples porteiro. A profissão mais monotona que eu poderia imaginar. Adorei. Espero ver mais histórias assim, que não tenham finais óbvios. Só uma coisa me incomodou, você usa traço ao invés de travessão e não detalhou muito o dialogo. Se não fosse por isso, seria 10/10.
ResponderExcluirTá me chamem de burra, mas não entendi muito o final
ResponderExcluirNinguém mais ta se questionando quem é a mulher do final? Se for Deus, 10/10. Kkk
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