Capítulo 5 - A Tarde da Jogatina
Já era quase hora do almoço quando cheguei em casa. Gih e Jon ainda estavam aqui, exaustos. A casa estava brilhando, nunca a tinha visto tão limpa antes. Vinny e Gabe já haviam ido embora bem antes de todos acordarem. Tia Cassie, por incrível que pareça não estava brava comigo, somente questionara o porquê de ter chego tão cedo em casa. E por fim, tio Lincoln já estava no trabalho, onde costumava passava a maior parte do tempo. O dia estava perfeito.
@DaveSenhorDasTrevas: Eae seus cuzões! Seis horas aqui em casa. Não esqueça da pitanguinha, Matt!
@Matt (você): Tá legal! Hahahaha
@Matt (você): Como esquecer?
@GiihNeves: Pitanguinha?Que merda é essa? kkkkkkkkkkk
@Jonathan: Jesus...
@Matt (você): Dave e esses apelidos! Hahahahaha
@GiihNeves: Matt, pega suco pra mim lá na cozinha? Por favorzinho!
@Jonathan: Aproveita e pega um pedaço de bolo pra mim!
@Matt (você): Vocês estão a menos de 1 metro de distância de mim, caras! Porque não falam comigo pessoalmente? Euem...
@Jonathan: Affs...
- Alicia vai vir pra casa no final de semana... – Disse Jon, desligando o telefone. – Lembra dela, Matt?
- Alicia? – Perguntou Gih, curiosa. – É gostosa?
- Nossa, Giovanna... – Jon revirou os olhos. – É a minha irmã.
- Eca, deve ter cara de Margareth – Gih forçou uma cara de nojo. Gargalhei.
- Ela não estava na faculdade? – Perguntei a Jon. – Qual o curso mesmo?
- É, psicologia – Respondeu. – Esse é o último ano dela.
- Incrível – Sorri. – Lembro dela toda empolgada nas férias do ano passado, contando pra nós como o primeiro ano dela tinha sido incrível e cansativo. Sinto falta dela...
- Pois é, eu também. – Jon sorriu.
Alicia era a irmã mais velha de Jon. Antes de Cassandra aparecer, ela era a garota na qual eu fantasiava momentos escrotos, como uma corrida em câmera lenta no gramado. Ela foi embora há uns quatro anos para cursar psicologia em uma faculdade fora do estado. Todo ano, nas férias, ela vem pra cá visitar a família dela, foi numa dessas que eu a conheci. Embora fosse mais velha, sempre foi muito legal comigo e com Jon. Antes de Gih aparecer, Alicia era sem duvida alguma, minha melhor amiga.
- Ela me disse que aprendeu umas coisas sobre regressão! – Comentou Jon. – Lembra que éramos loucos para fazer isso?
- Uau, eu lembro! – Respondi, surpreso. – Ela já fez isso com alguém?
- Sim, sim! Ela disse que aparentemente havia funcionado duas vezes, com duas mulheres diferentes! – Jon parecia entusiasmado. Ele amava essas coisas. – Uma delas narrou durante a regressão, que estava em um lugar extremamente evoluído tecnologicamente. Havia duas criaturas estranhas lá, mas ela não sentia medo. Pelo contrário, a mulher disse ter sentido como se não visse aqueles seres a muito tempo e que encontra-los fez com que ela sentisse uma felicidade inexplicável, como se estivesse com muita saudade e nem se quer sabia quem eles eram.
- Que foda! – Se tudo aquilo fosse verdade, era mesmo incrível. Não acho que Alicia iludiria tanto o Jon. – Espero que ela faça uma sessão com a gente.
- Eu também, cara! – A expressão de excitação de Jon não mudou nem por um segundo.
- Galera, o papo tá maneiro, tá irado! – Disse Gih. – Mas cadê o meu suco? Vamos regredir ao passado onde eu o peço no grupo?
- Já que estamos regredindo a isso, eu quero o meu bolo também. – Disse Jon. Ele e Gih olharam para mim. – O que tá esperando, Matt?
Revirei os olhos, mas eles mereciam um favorzinho. Graças à festa "surpresa" deles, eu tinha um "encontro" hoje à noite.
[...]
"... Você a matou! Você a estuprou! Matou os filhos dela!...".
- Eu amo essa parte! – Comentou Jon – Meu deus do céu! É agora!
- Eu nunca vou engolir o final desse episódio! – Eu disse, com desprezo.
"... Ellia Martell! Eu a matei! Eu a estuprei! Matei os filhos dela!...".
- Magnifico! – Os olhos de Jon cintilavam. – Nunca me canso de ver esse episódio!
- O que eu perdi? – Disse Gih, bocejando enquanto se espreguiçava.
- Eu não acredito que você dormiu durante o episódio! – Disse Jon, indignado.
- Prefiro assistir A Usurpadora – Respondeu Gih, debochando. – Já viram a hora, seus cuzões?
- Cinco e quarenta... – Respondi, olhando o relógio. – A tarde passou voando!
- Pois é – Jon assentiu – E nem terminamos a temporada...
- Bom, vou ali rapinho trocar de roupa, beleza? Beleza! – Anunciei, enquanto me retirava do quarto.
Caminhei em direção à porta do banheiro que ficava ao lado do quarto da tia Cassie e tio Lincoln. Senti minha visão escurecer e a cabeça queimar durante o percurso. A princípio, achei a sensação estranha e por um segundo fiquei preocupado, mas logo levei em consideração que fiquei deitado por mais ou menos seis horas assistindo a quarta temporada de Game Of Thrones com Jon. Quando cheguei à porta, parei a frente dela por alguns segundos. Respirei fundo, girei a maçaneta e entrei.
A visão inicial que se tem ao entrar no banheiro é a pia, o armarinho e o espelho. Aproximei-me da pia, olhei-me no espelho por alguns segundos. Nossa, que cara de derrotado! pensei. Liguei a torneira e lavei meu rosto. Em seguida, peguei uma toalhinha que ficava pendurada ao lado do armarinho e me enxuguei. Quando voltei meus olhos para o espelho, dei um passo para trás. Meu coração acelerou.
O espelho não refletia a mim, pelo menos, não o Matt de dezesseis anos com pelos na cara. O espelho refletia a mim quando criança. Meu reflexo usava um pijama listrado verde e branco. Suas roupas e seu rosto estavam chapiscados de um vermelho vivo que claramente não era ketchup, tinta guache ou canetinha. Era sangue.
Seus olhos estavam fixos em mim, faiscando de ódio. Um maligno sorriso surgiu no canto de sua boca enquanto levava o indicador ao meio dela. "Shh...". Fechei meus olhos imediatamente.
- Acorda, Matt! É só mais um pesadelo!... – Disse a mim mesmo, trêmulo e ofegante. – Anda caralho! Acorda!
Respirei fundo como quem estava convencido de que tudo tinha acabado e me permiti abrir os olhos. Nunca estive tão errado.
Minhas pernas ficaram trêmulas com o que vi. Perdi as forças que me mantinham de pé e despenquei no chão. Não era um pesadelo.
Arrastei-me desesperadamente para longe do espelho, parando apenas quando uma parede me impediu de ir mais além. O pequeno Matt ainda estava lá, com o indicador no meio de seu maligno sorriso, mas tinha algo diferente agora. Ele não estava mais sozinho, atrás dele, com as mãos em seus ombros, estava o homem mascarado de meus pesadelos.
Gentilmente, o homem puxou pelos cabelos a cabeça de Matt para trás, deixando a mostra toda a região de sua garganta. O pequeno Matt continuava sorrindo, seus olhos ainda fixos em mim.
O homem então direcionou os olhos a mim também. Seu olhar penetrante me dava calafrios. Com a mão que estava livre, o homem procurou algo em seu bolso. A expressão de seus olhos mudaram quando encontrou o que procurava, como se estivesse sorrindo por de baixo da máscara.
Meu corpo travou totalmente. Eu não era mais capaz de mover nenhum músculo, nem mesmo fechar meus olhos. Tudo o que eu sentia era meus órgãos internos latejarem. Meu coração lutar contra minha caixa torácica, uma angustia, um pavor. O homem não tirou os olhos de mim nem por um segundo quando levou a velha navalha de meu pai até a garganta do pequeno eu. "Shh..." emitiu, soltando os cabelos do pequeno Matt e entrelaçando o braço na garganta dele, levando o indicador até a inexistente boca da máscara. Delicadamente, o homem levou a mão até o queixo de Matt e o forçou para cima, voltando a deixar à mostra sua garganta.
- Não... – Meus lábios nem se quer se mexeram, nenhum som saiu de mim. Lágrimas se formaram e despencaram de meus olhos.
Fui obrigado a assisti-lo forçar e puxar lentamente a velha navalha de meu pai, rasgando e fazendo sangue escorrer da garganta do pequeno Matt. Seu maligno sorriso ficou mais intenso quando seu sangue começou a jorrar para todos os cantos de seu pequeno mundo invertido, como se aquilo lhe desse extremo prazer.
Pude ouvir o som de seu corpo se chocar ao chão quando o homem o soltou. Parecia que ele estava mesmo ali, no mesmo mundo, na minha frente. Seu corpo sumiu do meu campo de visão, deixando-me a sós com o homem mascarado.
Nossos olhares se cruzaram e nos encaramos por alguns segundos até que ele reclinou a cabeça como um cachorrinho que olha atentamente para seu dono e levantou a mão esquerda, começando a escrever gentilmente no espelho com o dedo indicador que estava encharcado com sangue do pequeno Matt. A mensagem deixada no espelho fez meu corpo estremecer.
Feliz... Aniversário... Rôn.
A campainha tocou.
A minha atenção foi totalmente tirada da frase profanada no espelho. Cassandra! pensei. Voltei rapidamente meus olhos para o espelho novamente, mas estava tudo normal agora, tudo havia sumido. Senti um pequeno alivio, mas não era o bastante para ficar totalmente bem. Foi uma experiência extremamente nova e assustadora, nunca sonhei acordado antes.
Recompus-me e corri para atender a porta, mas antes que pudesse por o meu pé no degrau para descer a escada, notei que tia Cassie já tinha o feito.
- Olá, você deve ser a Cassandra! – Ouvi tia Cassie dizer, mais simpática do que de costumava ser. Ouvir sua voz fez com que eu me sentisse mais seguro com relação a tudo o que tinha acabado de acontecer. – Matt falou muito sobre você!
Ai... Meu... Deus! Não! O que ela vai pensar de mim?!
- Sério? – Cass perguntou. Pude sentir no tom de sua voz um inconsciente e doce sorriso. – Depois a senhora me conta tudo!
- Pode deixar! – Tia Cassie gargalhou. – Matt! Sua namorada está aqui te esperando!
Deus, Maria, José, Jesus... CRISTO! Onde eu aperto para sumir desse mundo? Que vergonha!
Corri de fininho de volta para a porta do meu quarto para respondê-la, não queria que pensassem que estava na escada ouvindo a todo aquele breve papo. Ter que entrar naquele assunto mais tarde com Cass seria embaraçoso demais.
- O quê?! – Tentei ser o mais cínico possível.
- Sua namorada! – Tia Cassie ousou repetir as mesmas palavras. MEU DEUS! Nem quero imaginar como está a cara da Cassandra nesse momento. – Ela tá aqui te esperando!... Não a faça esperar mais!... Desça logo!
- MEU DEUS DO CÉU, TIA! – Gritei constrangido, correndo degraus abaixo. – Ela não é... Oi Cass!
- Oiiiii, Matt! – Cassandra acenou, com a mesma empolgação de sempre.
- Que cara é essa, meu filho? – Perguntou tia Cassie, franzido a testa com certa preocupação.
- Estou legal, tia – Forcei um sorriso. – É que acabei dormindo e levantei no susto!
- Dorminhoco! – Estava claro que tia Cassie não havia engolido aquela história, mas fez-se de boba porque sabia que quando eu estivesse pronto para conversar sobre meus problemas, eu conversaria.
- Tudo pronto pra irmos? – Cass perguntou.
- Sim, sim! Só espera aqui um minutinho, tá legal? – Respondi, correndo os degraus de volta para o meu quarto.
Sei que é estranho e super clichê dizer isso, ainda mais por conhecê-la há tão pouco tempo, mas cara... Nunca vi Cassandra tão linda.
Ela usava uma jaqueta preta de couro. Uma camisa branca cuja estampa era a logomarca de uma banda gospel famosa. Um jeans azul bem escuro e um all-star preto. Seu penteado estava diferente do de costume. Lembra da Angelina Jolie em O Procurado? É exatamente assim que está! (em uma versão mais curta, é claro). Ela estava perfeita.
- Quem é? – Perguntou Jon. – Meu deus, que cara de derrota!
- É a Cassandra, vamos logo! – Respondi, trocando apressadamente de camisa.
- Calminha ai, louco apaixonado! – Debochou Gih, levantando da cama.
- Vão lá em baixo e... Sei lá... Só tentem interagir com ela, tá bom? – Pedi, correndo pra fora do quarto.
- Tá bom... – Gih e Jon resmungaram.
Sorri para eles, lancei um joinha e então corri em direção ao banheiro.
Ao estar de frente para a porta, meu coração apertou. O receio de entrar lá dentro e ver tudo aquilo de novo fez meu corpo estremecer. Vamos, Matt! não pode deixar essas coisas afetarem a sua vida permanentemente. Se você se entregar a loucura, será um louco. Precisa ser forte! Não seja um viadinho! pensei. Respirei fundo, girei lentamente a maçaneta e entrei. Estava tudo normal do lado de dentro. Sem o pequeno eu, sem o homem mascarado, sem espelho sujo de sangue. Senti um grande alivio. Caminhei em direção a pia e então me dei conta ao olhar para o espelho que tinha vestido a camisa que Gih me deu de aniversário. Cassandra parecia gostar dela, essa lembrança fez com que um inconsciente sorriso brotasse em meu rosto.
Escovei os dentes, penteei o cabelo, limpei meus óculos, vesti uma calça jeans preta e coloquei meu all-star azul-escuro.
- Vai dar tudo certo! – Sussurrei, olhando para meu reflexo no espelho. O horroroso e velho Matt de dezesseis anos com pelos na cara, que costumava estar sempre ali, durante as manhãs de atraso e os momentos de insegurança. Ele sorriu docemente enquanto saía em direção ao corredor para se juntar a Cassandra, Gih e Jon.
- Até que enfim! – Resmungou Jon
- Partiu! – Anunciou Gih.
Cassandra sorriu para mim enquanto me aproximava dela. Nos despedimos de tia Cassie e esbarramos com o tio Lincoln chegando do trabalho quando abrimos a porta da saída. Ele me chamou em um canto da sala e me entregou uma nota de cinquenta reais.
- Divirta-se, garoto! – Sussurrou.
- Valeu, tio! – Sorri, sussurrando como ele. Ele sorrii de volta, dando um amigável tapa em meu ombro.
Juntei-me novamente aos meus amigos do lado de fora e então partimos em direção a casa do Dave.
Gih e Jon andaram na frente em uma distância considerável de Cassandra e eu durante todo o caminho até a casa de Dave. Cass me contara como foi seu dia, do quanto gostava da banda que estava estampada em sua camisa e do quanto admirava o "gordo antipático" do vocalista. Cass é muito empolgada e extrovertida, o que é ótimo de assistir. Embora tivesse dito amar o bom e velho rock, parecera bem eclética com relação à música. Dançara e cantara praticamente todas (dos mais variados gêneros) que tocaram nos bares, casas ou carros de som nos quais passamos perto durante o percurso.
- Isso são horas, cachorras? – Disse Dave, forçando indignação, parado na entrada de sua casa, apontando o indicador para o relógio. – Estão A-TRA-SA-DOS!
- Tudo culpa do Matt... – Disse Jon, revirando os olhos enquanto entrava na casa de Dave.
- Fala ai, cuzão – Gih cumprimentou Dave e entrou.
- Olá senhor Cachorrão! – Dave me cumprimentou e se direcionou a Cassandra. – E a senhora é...?
- Cassandra! – Ela respondeu, empolgada. Estendendo a mão a Dave para um aperto de mãos.
- Eu sei! – Dave sorriu e fez a cara de safadão para mim. – Só fingi que não sabia pra você não descobrir que o Matt vive falando de você. Seja bem-vinda ao meu templo, senhora Cassandra!
– Obrigada, senhor Dave! - Cassandra gargalhou, mandando um doce olhar para mim.
- Ignora esse cara! – Sorri sem graça e revirei os olhos. Segurei a mão dela e mandei um olhar do tipo "Valeu, babaca!" para Dave sem que ela visse enquanto entravámos. Dave levantou os braços em comemoração e fez movimentos aleatórios e agitados como um bonecão do posto em silêncio, que significava do jeito dele, algo como: "Ah, moleque! Aleluia!".
Dentro da casa de Dave, Vinny e Gabe já estavam jogando contra Paul e Ed, que até então são amigos exclusivos do Dave, pois nenhum de nós os conhece muito bem. Fora eles, não havia ninguém que não fosse do meu ciclo de amizade na Tarde da Jogatina.
- Nossa, como você é chato cara! – Reclamou Gabe, aparentemente se direcionando a Paul. – Me deixa levantar!
- Em uma luta dessas de verdade, você deixaria o cara que quer estraçalhar seus órgãos, estraçalhar seus órgãos? – Respondeu Paul, debochando e gargalhando em seguida. Paul venceu Gabe.
Flawless Victory
- Vai tomar no seu cu! – Gabe estava mesmo irritado.
- Próximo! – Disse Paul, dando um aperto de mão personalizado em Ed, que além de sua dupla, parecia ser seu melhor amigo.
Paul era negro, cabelos totalmente raspados, olhos castanhos escuros e tinha o porte físico, as roupas e a arrogância de um jogador de futebol americano, daqueles que aparecem em séries adolescentes de TV norte-americanas que retratam um fantasioso e perfeito ensino médio, com líderes de torcida e toda aquela palhaçada.
- Matt e a Pitanguinha são os próximos! – Anunciou Dave.
- Pitanguinha? – Cassandra gargalhou.
- Coisas do Dave... – Sussurrei pra ela, contendo o riso.
Me sentei no sofá e Vinny me entregou o controle que estava com ele enquanto ia na cozinha pegar um pedaço de pizza. Vi o controle que estava com Gabe jogado no chão e o peguei para entregar a Cassandra que sentou ao meu lado logo em seguida.
- Sabe como jogar? – Perguntei, sussurrando pra ela.
- Está me zoando, senhor Matt? – Cass se aproximou de meu rosto, encostando seu nariz ao meu e com um sorriso malicioso, sussurrou. – Eu sou a rainha desse jogo!
- Tá legal então!... – Um inconsciente e constrangido sorriso nasceu no canto da minha boca.
Cassandra escolheu o personagem: Reptile.
Eu, o Scorpion.
Paul, o Kabal,
e Ed, o Sub-Zero.
ROUND ONE: FIGHT!
A primeira luta foi entre Paul e Cassandra. Paul jogava muito bem, o que fez com que Cassandra levasse uma surra e perdesse a primeira rodada. Mas, pelo menos ela conseguiu dar uns golpes, diferente de Gabe.
- Olha só isso, Gay-be! A garota joga melhor do que você! – Paul, implicou.
- Boa! – Cassandra deu um sorriso convencido, ajeitando-se no sofá. – Me aguarde na próxima rodada! Eu vou jogar sério!
- Há – Paul debochou e novamente voltou a implicar com Gabe. – E sabe perder melhor também!
- Vai se foder, seu viado! – Gabe berrou da cozinha. Paul gargalhou.
Agora era a minha vez de lutar contra Ed. Não sei se ganharia com toda a pressão que auto-coloquei em mim para impressionar Cassandra, mas... não podia arregar, não é mesmo?
- Boa sorte, amigão! – Paul sussurrou para Ed, como se aquilo valesse a vida de alguém. Ed assentiu com a cabeça e sorriu.
- Pronto? – Ed me perguntou.
- Sempre! – Respondi, convencido. Cassandra soltou uma risadinha maligna e convencida enquanto esfregava aos mãos, como se a minha vitória fosse certa.
Ed era alto e magricelo, sua pele era morena, seu rosto era recheado de cravos e espinhas e os cabelos castanhos e brilhosos estavam penteados ao estilo "boneco Ken". Ele usava uma camisa do Breaking Benjamin, bermuda jeans e os pés estavam descalços.
Comecei a partida apertando loucamente as combinações de teleporte, somados a um combo e teleporte... de novo.
- Boa! – Cassandra estava vidrada no jogo, batia rápidas palminhas quando eu parecia me sair bem. Ela era a única a expressar qualquer tipo de reação perante a luta, o resto das pessoas estavam ocupadas demais em seus particulares e paralelos papos, apenas esperando sua vez de jogar. Exceto, é claro, quando Cass esboçava alguma reação. Todos paravam por um segundo, olhavam para ela e voltavam a fazer o que estavam fazendo.
Repeti o processo umas três vezes, mas não demorou muito até Ed sacar meu padrão de golpes, o que possibilitou que os defendesse e revidasse em combos ainda mais frenéticos que nem me permitiam tocar o chão. Ed certamente era um viciado.
- Merda, merda, merda!... – Cassandra sussurrou.
Quando chegamos ao que parecia a etapa final da luta, consegui me recompor e ficou claro que nossa habilidade era equivalente. Estávamos a um golpe da vitória, quem acertasse, ganharia. Ed então resolveu que era a hora de finalizar a luta em alto estilo usando o X-Ray que segurou pacientemente durante toda a batalha. Foi seu maior erro.
- Merda! – Ed deixou escapar.
- Acaba com ele, Matt! – Cassandra se levantou num pulo, caindo rapidamente de volta ao sofá, cruzando as pernas. Seus olhos cintilantes estavam grudados na tela enquanto sussurrava para si mesma. – Vai, vai, vai!
Desviando do ataque especial e afundando os direcionais e botões do controle, revidei usando a corrente do Scorpion que foi o suficiente para mata-lo.
Paul e Ed me aplaudiram e Cassandra saltou do sofá, com os braços no ar em comemoração.
- Que vença o melhor agora! – Cassandra disse, provocando Paul.
- Só porque o namoradinho ganhou a primeira luta, não significa que vai ganhar a rodada. – Paul revirou os olhos. Nem ousei olhar para a cara de Cassandra quando ele usou a palavra "namoradinho".
Agora éramos eu e Paul.
Paul entrou frenético, usando a super corrida de Kabal. Ele não parecia preocupado com a derrota. Cassandra havia tirado uma boa parte da barra de vida dele, mas Paul estava convencido de que venceria e então decidiu brincar. Saber que só mais um golpe me mataria parecia tê-lo deixado super tranquilo. Defendi seu ataque e revidei com socos e chutes, mas ele conseguiu bloquear. Minhas mãos começaram a transpirar. Ele usou novamente a corrida. Defendi e usei teleporte, acertando finalmente um combo completo, deixando a barra de vida de Paul em um estado crítico. A partida agora era decisiva.
- Acaba com esse, idiota – Cassandra sussurrava para si. Roendo as unhas, sem piscar, nem tirar os olhos do jogo. Cass era uma pessoa muito imersiva.
Paul não parecia ter se abalado. Insistiu em usar novamente a super corrida, mas foi a última vez. Seus movimentos já tinham se tornado previsíveis. Defendi, fazendo com que Kabal desse um salto para trás, o que fez Paul perder o controle do personagens por alguns milésimos. Antes que Paul recuperasse o controle do personagem, afundei os gatilhos do controle e usei o X-Ray. Ele não conseguiu escapar.
Paul assistiu com desgosto o meu personagem (Scorpion) quebrar cada um dos ossos e esmagar com os pés a caixa torácica de seu personagem (Kabal), deixando clara a sua derrota na primeira rodada.
- TOMA ESSA, SEU MANÉZÃO! – Berrou Cassandra, com uma expressão de satisfação no rosto. – Parece que alguém se ferrou, não é mesmo?
- Ai, ai... – Disse Paul ao vento, como quem já estava ficando irritado com Cassandra. Nem se quer tirou os olhos da tela.
Scorpion: WINS
- Foi uma boa luta cara, parabéns pra nós!– Sorri para Paul e Ed.
- Parabéns pra nós! – Ed sorriu de volta. Ele era um cara legal, no fim das contas.
- Ainda não acabou, amiguinhos! – Paul disse, mirando um olhar vingativo junto de um maligno sorriso a Cassandra. – Mas, parabéns para nós! – Ele revirou os olhos por um segundo, mas logo deu um sorriso amigável. – Todos nós!
- "Ai... ai..." – Cassandra fez uma imitação de Paul e mostrou a língua como uma criança debochadaem seguida.
Antes que a segunda rodada pudesse começar o telefone de Cassandra tocou.
- Me desculpa, Fry! Esqueci totalmente! – A expressão de Cassandra mudou instantaneamente, enquanto levantava do sofá. – Estou indo agora mesmo!
- Tudo bem? – Perguntei para ela.
- É o ensaio da banda! – Cassandra respondeu, indo em direção à saída da casa de Dave, acenando em despedida para todos. – Tenho que ir agora! Nos vemos amanhã na escola, tá bom?
- Eu vou com você, lembra? – Perguntei, dando um sorriso sem graça.
- Ah, é mesmo! – Cassandra sorriu, sentindo-se uma boba, dando um tapa em sua testa. – Tô louca! Desculpa... Agora vamos logo, senhor Matt!
- Tchau, galera! – Anunciei, deixando o controle em cima do sofá e me juntando a Cassandra na saída. – Daqui a pouco estou de volta!
- Não demore, quero minha revanche ainda hoje! – Disse Paul, sorrindo. – E avisa pra apressadinha, que dessa vez ela conseguiu escapar sem cumprir as promessas!
- Pode deixar! – Gargalhei.
[...]
- E então...? – Perguntei para Cassandra, enquanto caminhávamos. – Curtiu a "Tarde da Jogatina"?
- Com certeza! – Respondeu, com empolgação. – Vocês fazem isso sempre?
- Ah, sim... – Respondi – Quase sempre, na verdade...
- Entendo! – Ela sorriu – Me chame, sempre!
- Pode deixar! – Sorri de volta.
- Fry vai me matar! - Comentou, acelerando o passo enquanto olhava a hora em seu celular.
- Relaxa, nem tá tão atrasada assim... – Eu disse, olhando então a hora no meu celular. - Está bem cedo, na verdade...
- Eu sei, mas o ensaio começaria mais cedo hoje e eu acabei me esquecendo disso... – Respondeu. – Mas... Vamos, distraia minha mente, senhor Matt!
- Tá legal... – Sorri. – Hmm... esse é o nome dela mesmo?
- Como assim? – Perguntou, franzindo o cenho.
- "Fry"... Esse é o nome dela mesmo? – Sorri, como se aquele fosse um nome estranho. – "Fry"... "Fry"... "Fry"... é um nome engraçado de dizer!
- É só um apelido! – Cass gargalhou. – É coisa de uma história que acompanhamos na internet...
- E "Fry"... seria, sei lá... uma espécie de bicho nessa história? – Caçoei.
- Não... – Gargalhou novamente. – É só uma personagem muito parecida com ela...
- Ah, sim... – Assenti com a cabeça, tentando conter o riso. – "Far Fry"... Que droga!
- Quê? – Gargalhou mais ainda. – Que merda é essa?!
- Nada... Não é nada... – Eu disse, deixando então uma gargalhada escapar. Não sei por que estávamos rindo daquela forma, mas era legal ver Cass daquele jeito. – "Far Fry"... Meu Deus!
- Isso não faz o menor sentido! - Disse Cass, ainda gargalhando.
- Eu sei... - Eu disse, me recompondo. - Mas me conta! Que raio de história é essa?
- A Procurada! – Respondeu, recompondo-se, mas ainda sorrindo como alguém que está super chapado. – É um romance... "super clichê", você vai dizer... Mas não tô nem ai, adoro!
- Ainda bem que me poupou de dizer isso... – Sorri. – Talvez eu pare pra ler, talvez...
- Aposto que vai adorar! - Me olhou, com aquele sorriso que me lembrava a "cara de safadão" do Dave.
- Claro! – Respondi, usando pela primeira vez na minha vida a "cara de safadão". Ela desatou a gargalhar. Não sei se isso é bom ou ruim... espero que seja bom. - Adoro um romance, amiga!
- Nossa, arrasou! - Disse Cass voltando a gargalhar. - Ai, ai... Me conta sua história, senhor Matt! – Pediu, ofegante como quem acabou de rir bastante.
- Como assim? – Perguntei, confuso.
- Sei lá... de onde você veio?... – Perguntou. – Mora por aqui desde sempre?
- Não, na verdade não... – Respondi. – Me mudei pra cá faz três anos...
- Motivo? – Perguntou.
- Prefere a versão resumida ou estendida da história? – Sorri.
- Distraia minha mente, senhor Matt! – Ela sorriu, revirando os olhos. Acho que aquilo significava "versão estendida".
- Se prepara! – Comecei. – É uma história trágica!
- Me surpreenda! – Ela sorriu. – Aposto que não mais trágica do que as que eu tenho para te contar!
- Meu pai tentou me afogar em uma banheira quando eu tinha treze anos. Meu tio Lincoln disse para mim no hospital depois que acordei três dias depois do ocorrido que o meu pai tinha se arrependido do que fez e por isso se matou logo depois que havia me considerado morto. – Eu disse, forçando uma cara séria, para deixa-la chocada.
- Nossa... – A expressão dela mudou imediatamente. – Tá... você venceu!
- Eu sei! – Gargalhei, mas ela não.
- Isso tudo é sério mesmo ou você só tá zoando com a minha cara? – Perguntou, séria. Ela olhava fixamente pra mim, como se estivesse imaginando como eu poderia ser eu, caso tudo o que disse fosse mesmo verdade.
- É sério... – Forcei seriedade. Eu não me importava com o assunto, mas às vezes me esqueço que as pessoas costumam se chocar com essas coisas.
- Nem sei o que dizer cara... – Ela parou de andar, caminhou para mais perto de mim e me abraçou forte.
- Não precisa dizer nada... – Sorri. – Um abraço é mais que o suficiente!
- Como consegue? – Perguntou. Estar abraçado com ela no meio da rua enquanto conversávamos me lembrou a noite da "festa surpresa".
- O que? – Perguntei.
- Não se importar... – Ela disse.
- Não é que não me importe... – Respondi. – Só acho que se eu ficar remoendo todas essas coisas, vou acabar ficando louco, mas do que já sou...
- Você não é louco! – Ela olhou pra mim.
- Eu ouço vozes e vejo coisas, Cass... – Eu disse. De todas as pessoas que conheço, só Gih sabia sobre as vozes. Nem mesmo tio Lincoln ou tia Cassie sabiam. Eles achavam que a história das vozes fosse alguma loucura do meu pai, sempre o acharam louco. Deixei que pensassem assim, não queria arriscar que me levassem a hospitais psiquiátricos ou me tratassem diferente por isso. Cass me causava uma paz inexplicável e isso fez com que eu me sentisse a vontade para falar sobre o assunto, mais até do que me sentia com Gih. Eu sabia que ela não me trataria como um louco.
- Uau... – Cass pareceu surpresa. Não surpresa do tipo "Que cara louco", mas do tipo "Incrível, conte-me mais sobre isso". – E o que elas dizem?
- Bom, antes de o meu pai morrer... – Respondi. - Elas diziam coisas como: "Mate ele", "Fique longe dele", "Não o obedeça", "Não deixe que toque em você", "Ele é um monstro"... E essa é só uma versão censurada do que elas diziam...
- E o que elas dizem agora? Nesse momento? – Perguntou, parecia ter se arrepiado.
- Nada... desde que ele morreu nunca mais as ouvi. – Respondi – Só tenho tido pesadelos à noite ou durante qualquer cochilo. Meu pai está em todos eles, sempre me matando de alguma forma... Mas isso é até compreensível... pode ser algum trauma inconsciente e tudo o mais
- Já foi em algum médico? – Perguntou
- Não... – Respondi. – Nunca gostei de como isso soa...
- Eu entendo... – Disse Cass, em um tom triste e misterioso. – Eu também não...
- Como assim? – Perguntei. Senti um aperto no peito... Acho que ela contaria a história dela agora.
- Sou tão louca quanto você! – Começou a dizer. - Não sei se posso dizer com toda certeza que ouço vozes, mas sabe?... Em um belo dia, do ano passado, Cassandra chega em casa depois da escola, se joga na cama e liga para a sua melhor amiga. Antes que sua melhor amiga pudesse atender, por alguma razão, Cassandra começa a chorar loucamente. Ela levanta da cama, larga o telefone lá e vai até a cozinha da vó dela. Pega um potinho preto que sempre estava em cima do armarinho de louças e um copo d'gua. Ela vai para o banheiro, tranca a porta, senta no box e dissolve o que estava dentro do potinho na água. Respira fundo, luta contra o choro e vira o copo até não restar uma gota de água. Cassandra apaga e acorda uma semana depois em uma cama de hospital, cheia de tubos no corpo.
- O que tinha no potinho? – Perguntei, angustiado.
- Veneno de rato... – Ela desgrudou o rosto de meu peito e sorriu para mim. Seus olhos estavam lacrimejantes.
- Suicídio? – Perguntei, chocado. – Você e suicídio são coisas que não fazem sentido na minha cabeça... Não combinam...
- É... Meu caro, Matt...O que transparecemos ser não importa! – Ela sorriu. – Não importa se você é a garota feliz e meiga, a barraqueira que todos odeiam ou a garota popular que todos querem ser, no fim de tudo... só nós mesmos conhecemos os monstros que carregamos em nossos ombros.
- Faz sentido... – Forcei um sorriso, mas mesmo sem poder ver meu rosto, sabia que era um sorriso triste que havia saído. – Quer falar sobre o motivo de tudo que aconteceu?
- Um dia, senhor Matt... mas não hoje... – Ela saiu de meu abraço e então voltamos a caminhar.
Sabe, existe um bloqueio em mim que não me permite acreditar... associar Cass a situações do tipo. É impossível olhar pra ela e imagina-la chegando a esse nível extremo de desespero. Seu sorriso tão lindo e puro, seu rosto tão perfeito... Ela certamente não carregava marcas do passado em seu olhar. Mas, ela tem razão... Não importa o que transparecemos ser, no fim... Só nós mesmos conhecemos os monstros que carregamos em nossos ombros.