Você acorda assustado, respirando rapidamente, enquanto se
recupera de um pesadelo. É o mesmo pesadelo que têm se repetido há vários dias.
Toda noite, você assiste desamparado, a mesma sequência de cenas se desenvolver
diante de seus olhos.
Crianças brincando em um parquinho, uma garotinha escalando
em uma daquelas barras de macaco, e você tem aquela sensação doentia de que
algo está para acontecer, mas você não sabe o que. Você tenta gritar para
avisá-la, mas a única coisa que escapa da sua garganta é ar. Nesse momento você
percebe que é tarde demais, e faz de tudo para tapa os próprios olhos enquanto
a garota cai, fazendo com que um estrondo insuportável entrasse pelos seus
ouvidos.
Você observa o corpo dela jogado no chão, juntamente com o
resto das crianças que há alguns minutos atrás estavam sorrindo.
E é aí que você acorda suando frio e percebendo que é apenas
o mesmo pesadelo novamente. Você não se acostumou com ele até agora, e você não
acha que vai se acostumar algum dia.
Ainda com sono você encara os números digitais ao lado da
cama. É 01h30min na madrugada, a mesma hora dos dias anteriores. Nesse momento
você já desistiu de dormir novamente e decide descer as escadas, em busca de
água na cozinha, lembrando-se de que tem trabalho durante a manhã.
Quase uma semana atrás, você começou a ajudar com um projeto
de organização, que estava “desmontando” uma escola antiga, inutilizada desde
os anos 60.
Foi aí que – estranhamente – os pesadelos começaram.
“Ótimo,” você fala entre um gole e outro. “Como vou
funcionar propriamente com apenas quatro horas de sono?”
Horas mais tarde você chega à escola, sinais óbvios de
velhice e desgaste estavam estampados no prédio; plantas crescendo nas paredes,
pintura descascada e uma camada densa de poeira eram as mais visíveis.
“O que aconteceu com este lugar?” Você diz enquanto caminha
até a porta principal. “Uma bagunça, né?” Mike disse, parando no último degrau
da escadinha que usava, e parecia estar raspando o teto, os barulhos de brocas
e pistola de pregos ecoavam na parte interior do prédio.
“Então, o que eu farei hoje?” Você pergunta.
“Bom,” Mike responde ainda concentrado no seu próprio
trabalho. “Você pode começar retirando o assoalho do ginásio, depois
precisaremos de você para retirar os quadros negros das salas de aula.”
Você faz que “sim” com a cabeça enquanto ele te entrega uma
marreta e um pé de cabra.
Enquanto você anda pelo vestuário os barulhos começam a
cessar gradativamente. É quase totalmente silencioso e o barulho das
ferramentas não pode ser escutado. Você encontra um canto, e decide que vai
começar por lá, arrancando o assoalho. Quando alcançou metade, sentiu uma
sensação esquisita, como se alguém o observasse, como se o olhar fosse tão
penetrante que pudesse atravessar sua pele.
Então você fala: “Mike?”
Não há resposta, claro. Você já esperava isso, mas também
esperava que houvesse uma explicação para aquele sentimento.
Você ignora o sentimento e decide continuar com o que fazia;
desde que começou o trabalho aqui, nada parecia esquisito, então você chegou a
conclusão de que foi apenas o silêncio que te deixou assustado, colocando
alguma música para tocar no fundo.
Mas aí, assim como anteriormente, você teve a sensação de
que alguém te observava. Até a música não parecia... Certa? Enquanto ela se
espalhava pelo cômodo você podia ouvir um ruído ao fundo, que parecia ir e
voltar.
Tirando os fones de forma agressiva das orelhas, você
observa o local novamente, achando que alguém o chama, e então percebe que o
barulho – que tu tinhas definido como “ruído” – é na verdade um riso, e
definitivamente não vinha dos fones de ouvido.
“Olá?” Você fala enquanto enfia os fones no seu bolso da
calça. “Quem está aí?”
A risada se afasta rapidamente, como se um grupo de crianças
tivesse saído correndo dali. “Têm
crianças aqui?” Você murmura para si mesmo, pegando o pé de cabra do
assoalho em que estava enfiada e colocando-a no chão.
“Oi? Mike?” Você diz novamente, saindo do vestuário e
subindo as escadas rapidamente até alcançar uma porta dupla, abrindo-as, você
percebe que se encontra em um tipo de refeitório, percebendo que esse não foi o
mesmo caminho que você utilizou para alcançar o ginásio.
Primeiro você checou o lugar para ver se havia ou não
crianças escondidas ali, mas tudo que estava lá eram mesas velhas e armários
abertos.
Novamente, você ouve a risada no final do corredor.
Você sai do refeitório e anda rapidamente atrás das risadas,
mas toda vez que você parece alcançá-las, elas somem ou se afastam novamente.
Quando você se vira no corredor, percebe que encontrou um lugar com uma única
porta no final. A mesma era azul, combinando com alguns detalhes decorativos
que descansavam no chão. Você vai até ela, fazendo de tudo para abri-la ao
perceber que estava trancada.
“Mas que diabos? Para onde eles foram?” Você murmura
enquanto uma mão agarra seu ombro, fazendo com que você pulasse rapidamente,
virando para trás e enxergando Mike com um olhar de duvida sobre seus olhos.
“Mas que merda, cara. Você me assustou.” Você diz e Mike
responde, “É eu percebi... O que você tá’ fazendo aqui? Já terminou no ginásio?
Que bom, precisamos de você–”
“Não, não terminei. Ei, você sabe se alguém trouxe crianças
para cá, ou algo do tipo?”
“Que eu saiba não, mas você precisa terminar com o ginásio,
precisamos de ajuda com a parte elétrica também.”
Você novamente faz que “sim” com a cabeça e o segue de
volta, alcançando o ginásio e colocando os fones novamente, não demora menos de
dois minutos até que você volte a escutar aquelas malditas crianças novamente.
Dessa vez, parecia que a risada deles zombava você, e mesmo
assim tentou te convencer de que eles eventualmente iriam embora.
Não foram.
De fato, parecia que as risadas aumentavam e ficavam
irritantes cada vez mais. “O que?” Você grita para as vozes, mas as risadas não
param; você joga o pé de cabra no chão novamente, sem suportar mais esses
joguinhos, mas invés de andar até o barulho, você decidiu correr até ele. Cada
passo que você dá perto de um armário é equivalente a um barulho insuportável
dentro do mesmo.
Você podia ouvir os próprios passos enquanto descia as
escadas, ainda atrás das crianças. Nesse momento você não tem ideia de qual
parte do prédio você alcançou, nem para onde está indo, a única coisa que
importava era seguir as risadas e alcançá-las.
Enquanto corria, percebeu que o prédio parecia mais limpo e
vibrante. A pintura não estava descascando nas paredes e os armários não eram
usados. Nossa, para dizer a verdade parecia que aquele lugar havia sido pintado
há poucos dias. “Achei que estivessem
destruindo tudo, não refazendo...” Você pensa enquanto corre, alcançando o
refeitório novamente.
Até aí você acha que correu em círculos, mas a teoria logo é
derrubada pelo fato de que naquele refeitório as mesas estavam arrumadas e o
chão estava limpo. Alguns lugares da mesa tinham comida e suco.
Isso não fazia sentido algum, apenas alguns minutos atrás as
mesas estavam quebradas e havia armários no chão.
Você para e encara tudo ali, confuso, até que a risada o
desconcentrou de deus pensamentos. Assim que você começou a correr novamente, a
risada cessou. Não apenas diminuiu gradativamente, simplesmente parou. Como se todas as crianças
tivessem sido atingidas por um trem, arrancando os barulhos bruscamente de suas
bocas.
Assim como a risada, seus passos também cessaram enquanto
você olha ao redor, tentando identificar onde está.
É aí que uma risada quase inaudível sai do banheiro a sua
direita, então você sorri e pensa enquanto entra no banheiro. “Ah, agora eu os
achei.”
Diferente do resto da área o banheiro não estava limpo,
aliás, estava o oposto disso, uma completa bagunça. A parede estava suja e
alguns azulejos estavam quebrados, ou simplesmente arrancados. Você decidiu
checar cada portinha do banheiro, uma por uma, mas não havia ninguém lá.
“Que diabos?” Você diz com uma voz grave, confuso. Sabia que
havia escutado uma risada vinda dessa área, como não havia crianças aqui?
Você se vira e abre uma das torneiras, resolvendo lavar o
rosto numa tentativa de parar com essa atitude ridícula, mas você enxerga algo
no canto do espelho que te faz sufocar na própria saliva.
Havia uma garotinha, os olhos dela encarando os seus. No
entanto, ela não tinha olhos, apenas
marcas brancas que pareciam grandes demais para o rosto dela.
Mas não eram só os olhos... Tudo nela parecia anormal. A
pele colada nos ossos, fazendo com que as juntas dela simplesmente saltassem
para fora. O cabelo parecia peruca, faltando em alguns lugares, como se fosse
uma boneca velha. Ela usava um velho e rasgado vestido, sujo com terra e
provavelmente sangue. Os lábios dela calmamente se abriram, revelando uma
porção de dentes – pontudos – formando uma risada.
Você grita e corre do banheiro, e enquanto saia você percebe
que o prédio já não parece mais limpo e bonito como parecia momentos atrás.
“Que diabos você tá’ fazendo?” Mike fala frustrado, “Essa é
a segunda vez que você larga o trabalho.”
“Que merda tá’ acontecendo aqui?” Você grita, exigindo uma
resposta.
“Do que você está falando? Nada está acontecendo. Olha, se
você não está se sentindo bem, pode ir para casa.”
“Não, estou bem.” Eu respondo. “Eu prometo que vou terminar
desta vez, agora, cadê o caminho de volta?”
Mike aponta para a escada no final do corredor novamente.
“Sobe as escadas e entra a esquerda no final do corredor.
Você vai encontrar a porta dupla assim que chegar lá.”
“Ei,” você diz. “Por que esse lugar fechou? Parece que todo
mundo resolveu sair um dia e nunca mais voltar.”
“Bom...” Mike começou a andar o barulho dos passos invadiu o
lugar. “Uma garota, estudante... Morreu aqui. Aparentemente, foi algo triste
demais para os professores e alunos aguentarem e todos ficaram depressivos...
Então, na esperança de apagar tudo da mente deles, se mudaram para outra
escola.”
Você sentiu um frio na espinha. “Como exatamente ela
morreu?”
Enquanto você caminha até a porta dupla, Mike responde. “Ela
caiu de um dos brinquedos do parquinho e quebrou o pescoço.”
Você engole em seco, observando enquanto Mike começa a sair
do local. “Melhor você correr, não tem muito tempo.” Ele avisa fechando a porta
na saída, deixando apenas o barulho do metal no lugar.
Decidido a terminar logo, você decide se concentrar no
trabalho, assim pode ir pra casa e nunca mais voltar aqui. Colocando a música
novamente e continuando o trabalho, meio que esperando ouvir as risadas, mas
nada aconteceu.
Até você acabar, nada aconteceu.
Enquanto dirigia para casa você começou a se questionar se
tudo isso estava só na sua cabeça ou não, ou se aquele pesadelo fez com que você
ficasse louco.
Sentiu-se mal ao lembrar daquilo, mas decidiu ir para a cama
assim que chegou a casa, sabendo o que viria depois. Decidiu não pensar no
parquinho, ou na menina, especialmente depois de hoje.
Mas a imagem do rosto dela, aquele rosto horrível...
Continuou com você.
Não existe mais razão para você ficar paranoico, acabou,
ponto final. Você está aqui, e ela está lá.
“Ela provavelmente nem existe,” Você fala para si mesmo, e
enquanto você fecha os olhos, esperando pelo horrível pesadelo, uma risada
falha ecoa diretamente da porta do seu quarto.