16/02/2015

Vagão 66

Era cedo... Cedo demais, sabe...? Tão cedo que sua mente ainda queria te fazer acreditar que é noite.
Pensamentos sobre voltar para minha cama e dormir novamente pairavam sob minha mente enquanto eu continuava a dirigir. “Eu nunca acordei tão cedo” pensei, ligando a luz do carro e olhando para os horários dos trens. “4:24, vou poder chega 4 horas antes das aulas, tempo de sobra.” Sorri para mim mesmo, pensando que talvez pudesse colocar algumas atividades que eu havia deixado passar semanas atrás, em dia.

Assim que eu cheguei à estação eu notei o quão peculiar parecia. Eu venho frequentando essa mesma estação há uns três anos e mesmo assim algo parecia... Diferente. Eu passei as mãos nos olhos fechados, tentando fazer com que o resto de sono que ainda estava lá, fosse embora e fui em direção a uma vaga que estava próxima – eu demorei um pouco mais que o normal para apertar o freio e o carro quase não parou a tempo, o que me fez pular do acento com medo de ter atingido o meio-fio. Eu sorri novamente e prometi que iria dormir mais cedo essa noite, assim como eu havia prometido tantas outras vezes.

Eu saí do carro, a manhã de Janeiro atingiu meu corpo que ainda estava travado e preguiçoso por causa do sono. Abaixei-me para pegar minha mochila e meus pêlos dos braços e do pescoço se arrepiaram, o que me fez cruzar os braços, numa tentativa de evitar o frio.

 A estação tinha um tipo de ponte, que atravessava os dois trilhos, tanto de ida quanto de volta. Eu comecei a subir as escadas rapidamente, e meu corpo me fez lembrar novamente, que ainda estava cedo demais para esse tipo de “atividade física”. Apoiei minha mão no corrimão e continuei subindo; assim que cheguei ao topo, choraminguei involuntariamente... Parecia que eu havia quebrado algum osso.

A dor na minha perna me distraiu por um momento do fato de que todas as luzes da ponte estavam apagadas, a única iluminação estava vindo da Lua, que por sinal, estava praticamente coberta de nuvens finas da manhã, ela estava a minha direita, brilhando em cima de mim. Eu fiz uma piada mental sobre a Lua me seguir em todos os lugares, como se eu estivesse me apresentando em um palco e fosse uma grande estrela de um grande show, e a Lua fosse o holofote, me observando incessantemente para não perder nenhum ato sequer – mas o humor na verdade dividiu lugar com o medo que eu senti depois de analisar melhor a situação.

Era como se eu estivesse sendo assistido por alguém, e isso me assustou bastante; comecei a andar mais rápido para o outro lado e assim que eu cheguei lá, uma sensação de alívio tomou conta de mim.

Continuei a caminhar na área perto dos trilhos, todos os acentos estavam vazios, mas eu ainda senti que não estava sozinho. Só não sabia se era uma companhia desejável ou não.

Enquanto eu esperava um denso nevoeiro se aproximou mais e mais, o que me fez abrir e fechar os olhos várias vezes para conseguir enxergar a estação que era tão familiar para mim.

Mas a questão é: Se eu me concentrasse o suficiente eu conseguiria enxergar tudo como se não houvesse nevoeiro nenhum. As janelas quebradas, as pontes deterioradas, a pintura gasta das paredes, e alguns grafites. Exatamente o que eu via todos os dias, o que me fez acreditar que minha mente estava me dizendo o que estava lá porque era o que eu queria ver.

“A falta de sono está começando a afetar meu cérebro,” Eu pensei e continuei tentando enxergar em meio à neblina, o que começou a me incomodar, tanto mentalmente quanto visualmente; então eu fiquei grato quando ouvi o barulho de trem se aproximando. Levantei, pegando minha mochila um momento depois e observei a luz do trem chegando lentamente perto de mim.

Mas só a luz, eu ainda não podia ver nada do vagão mesmo sabendo exatamente como ele era, assim como a estação.

Outra onda de alívio passou por mim quando eu tentava me convencer de que todas essas impressões que tive na estação enquanto estava sozinho foram meras invenções da minha mente sonolenta.

Finalmente eu consegui enxergar o trem enquanto ele parava lentamente, apenas alguns metros distantes de mim. Eu fiquei assustado ao perceber que esse não era o trem que eu geralmente pego, não, esse era mais velho e destruído, uma locomotiva. Eu nunca tinha visto algo parecido, pelo menos pessoalmente. Eu costumava ver trens como esse em livros de história ou na internet... Mas mesmo assim, era um trem e eu não ia arriscar ficar na estação sozinho novamente.

Então eu entrei.

O interior era como eu esperava – meio sujo e gasto por causa dos anos de uso, e assim como eu também esperava, não havia outros passageiros no trem nesse horário. Observei O Condutor – havia apenas um – e ele parecia ser bem mais velho do que eu, mas por causa do seu casaco eu não consegui ver seu rosto.  Ele estava caminhando para o lado oposto ao meu então eu deixei a ideia de vê-lo pra depois.

Eu não gostava desse vagão, mas assim que eu sentei, ele começou a andar, então eu não tive muita escolha; mesmo se eu tentasse, não conseguiria explicar, algo sobre ele era simplesmente sinistro.

E o que mais me deixou desconfortável foi o silencio, eu não conseguia ignorar o som do barulho externo da locomotiva que parecia cada vez mais alto; olhei pela janela e as nuvens continuavam desaparecendo atrás de mim. O trem definitivamente estava se mexendo. Eu encostei minha cabeça na janela e dormi.

Não demorou muito até que eu acordasse, nenhum traço de sono restou, eu estava completamente acordado. Sem cansaço, sem dor nos olhos ou na perna, sem fome, nada.

Eu passei meus olhos na cabine e percebi que havia ficado muito mais escura, olhei para trás, tentando enxergar algo no vagão anterior e fiquei feliz de ver que a luz estava acesa. Eu levantei e comecei a andar em direção a ele, por alguma razão não achei necessário pegar minha mochila, então a deixei no meu acento e continuei andando em direção a porta.

A cada passo que eu dava eu ficava mais contente, e eu não sabia o porquê; apoiei minha mão na maçaneta e me senti mais seguro e protegido do que nunca, abri a porta e a luz quase me cegou por um momento, precisei de alguns segundos piscando os olhos para conseguir enxergar algo.

Quando eu finalmente consegui enxergar, fiquei chocado de ver minha família sentada no vagão... Que tinha... Móveis?

“Minha avó tinha esse mesmo sofá, essa é a casa da minha avó...”

Algumas memórias da minha infância passaram pela minha mente e eu me deixei distrair com elas até perceber o que estava acontecendo. Eu já estive aqui antes, não, não apenas na casa da minha avó, mas nesse exato momento, nessa mesma situação, eu já passei por isso, eu já estive aqui. Meu Deus! É como se eu soubesse o que iria acontecer, como um filme que já vi muitas vezes.

Mas eu não sabia.

Primeiro eu me perguntei por que todos estão sentados em volta de uma cama? E o clima havia mudado de calmo para tenso, eu olhei para os rostos dos meus familiares, eles pareciam cansados e de luto, encarando algo que não era eu.

Esse foi o dia que minha avó morreu, mas não só isso, não era tão simples assim.  Eu senti a dor, a agonia e a incapacidade que havia sentido meses atrás, mas eu também conseguia sentir a dor de cada familiar junto comigo.

Os sentimentos voavam na minha mente, dúvida, raiva e medo. Parecia que alguém havia filtrado todos os sentimentos ruins e tivesse jogando todos eles pra mim. Os choros e os gritos, todos ecoando na minha cabeça.

Eu andei em direção á cama que eles estavam sentados em volta e lá estava a minha avó. Eu tentei chorar para conseguir algum tipo de alívio, e nada! Eu não conseguia expressar nada, raiva, medo ou tristeza. Eu senti como se fosse explodir.

Meus olhos pararam na minha avó, ela já estava morta, mas seu rosto não estava calmo e sereno como eu me lembrava. Os olhos doces que me observavam quando eu era mais novo simplesmente erodiram na minha frente. O seu sorriso doce e alegre virou uma risada maliciosa e macabra, contorcida pela dor. E eu não podia fazer nada, estava desamparado.

Apoiei-me nos meus joelhos e senti meus olhos doerem novamente assim que uma luz branca tomou o quarto mais uma vez, não havia cama agora, nem parentes. Apenas uma imagem no canto do vagão, um corpo pendurado em uma corda.

“Estranho” pensei; “Aquelas parecem as botas de jardinagem da minha avó.” Isso me atingiu em cheio, que tipo de pesadelo doentio é esse que eu me encontrava? Eu consegui – ou tentei – gritar dessa vez e parecia o grito mais forte e grave que eu já havia dado em toda minha vida.

Tudo ficou preto.

Quando consegui enxergar novamente, vi apenas uma luz fraca atingindo meu rosto. Não consegui me mover então olhei em volta e percebi que estava na casa dos meus pais, eu estava confuso, as luzes estavam todas desligadas, a casa estava silenciosa, mas eu estava feliz que o pesadelo finalmente tinha acabado.

E então o telefone tocou.

Um frio na espinha passou por mim enquanto o telefone continuava a tocar, eu não tinha um telefone desde... Ah não. De novo não. Por favor.

Finalmente consegui me levantar e só então percebi que estava deitado em um sofá, mas não era eu quem estava se mexendo, eu estava apenas observando, eu não conseguia me controlar, eu podia sentir cada coisa que meu corpo fazia, mas... Não era eu! Não agora...

O momento continuou e eu consegui ver uma garrafa vazia de uísque rolando pelo chão, passando perto de mim... Com muito esforço, eu consegui agarrar o telefone que ainda tocava, e aproximei do meu rosto.

Daniel? A voz dela fez com que todos os pêlos dos meus braços se arrepiassem e meus olhos marejassem.

Sim?  Eu havia respondido e era evidente que eu havia bebido.

Preciso de uma carona, perdi meu ônibus.

To indooo. Ouvi-me cantar as palavras e resmunguei comigo mesmo pelo meu comportamento idiota na época.

Você está bem, Daniel? Ela perguntou, e eu desliguei e andei em direção a porta.

Eu lutei com tudo que pude para acabar com essa loucura, tentando me mover para o lado oposto e segurar minha respiração numa tentativa falha de desmaiar. “Não entra no carro, não... NÃO!”

Assim que entrei no carro e peguei as chaves, desmaiei, mas apenas por alguns segundos... Logo eu estava de volta ao pesadelo.

Eu estava quase lá... Mas como eu havia chegado lá, tão bêbado? Porque isso está acontecendo? Eu não conseguia parar de me perguntar mais e mais até que o carro parou.

Virei minha cabeça e a vi, lá estava ela, minha irmã mais nova, Sam. Eu não pude controlar as lagrimas ao vê-la. A mesma garota jovem e bonita de 12 anos de idade me esperando em frente à escola, anos atrás. Sorrindo pra mim em meio à loucura desse pesadelo – tudo passou tão rápido depois disso, o efeito da bebida, o sinal vermelho, o caminhão – Deus, eu ainda posso ouvir os gritos. DANIEL! DANIEL!  Altos em minha cabeça como se fosse hoje

A culpa.

Minha mãe nos deixando.

Nenhuma pessoa para partilhar a dor.

Tudo isso por minha causa e apenas continua brincando com a minha cabeça, as mesmas cenas...

Eu mereço tudo isso.

Eu acordei no assento do Vagão 66, senti o suor frio escorrendo pela minha testa enquanto eu continuava tremendo e tentando não convulsionar.

Senti um tapa no meu ombro e virei assustado, me deparando com uma cara esguia que me lembrava a morte. O condutor que vi mais cedo quando entrei no trem.

“Bilhetes, por favor.” Uma voz seca e poderosa ecoou da boca dele. Minha mão se moveu involuntariamente e o que senti foram vários papéis velhos que pareciam estar manchados com alguma coisa. Tentei me convencer de que não era sangue...

Eram fotos – da minha avó, meu pai, minha mãe e meu avô e outras pessoas que eu conhecia, que também tinham morrido – eu continuei segurando-as e me assustei um pouco ao perceber que a última delas era uma foto minha.

Foi então que me ocorreu – quando eu tentava achar os bilhetes para entregar ao Condutor – que eu não me lembrava de ter acordado essa manhã. O condutor observou meus bilhetes e quando os recebi de volta havia o que parecia ser um carimbo de duas mãos ossudas nele.


E então tudo que vi foi escuridão.

11 comentários:

  1. eu ein ;-; q creepy sem pé nem cabeça, nau gostei nau '-'

    ResponderExcluir
  2. Nada muito pra morrer na praia, esse texto '-'

    ResponderExcluir
  3. Então o cara morreu só que não tinha percebido.
    Daí teve esse lenga-lenga dramático todo só pra perceber que tinha batido as botas?
    Daora! auhsjasinj

    ResponderExcluir
  4. Só um toque... É "assento" u.u Achei essa creepy meio fraca

    ResponderExcluir
  5. Massa, mas... Ele morreu de quê? ;-; mim estar bugada

    ResponderExcluir
  6. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  7. Creepy muito grande e a história nao desenvolve muito entediante tanto q nem li até o final

    ResponderExcluir
  8. Sou do futuro, e venho lhes informar que algo trágico aconteceu.

    ResponderExcluir