23/02/2015

Misantropo

Pode me chamar de misantropo, introvertido, eu não me importo. A questão é que, eu sempre preferi ficar sozinho.

Eu tive alguns amigos – se é que posso chamá-los de amigos – pessoas do trabalho, vizinhos, família. Eu até tentei esse negócio de namoro, mas nunca funcionou pra mim. Eu tive uma namorada por dois anos, mas ela me largou porque eu não gostava de sair com os amigos dela e preferia ficar em casa.

O único sentimento que tomou conta de mim depois que ela me deixou foi alívio.

Eu também tentei sair com um grupo de pessoas que conheci online – e com “sair” eu realmente quis dizer no mundo real. Eu fiz isso porque a minha ex falava sempre que eu precisava sair mais, conhecer mais pessoas... Você sabe, “sair do casulo”.

Depois de sair com eles eu percebi que realmente preferia meu casulo, mas deixe-me explicar: Não é que eu não goste deles, eu simplesmente não sou uma pessoa que gosta de sair. Eu não tenho síndrome de Asperger ou nada disso – eu posso conversar, posso ser amigável, sempre ajudei idosas a atravessar a rua quando eles precisam, já doei sangue simplesmente porque estava com vontade, já ajudei pessoas desabrigadas – é apenas o fato de que eu prefiro ficar em casa numa Sexta-Feira à noite lendo um livro, e se eu tiver amigos, vou ser obrigado a sair.

Eu falei isso tudo apenas para deixar claro que o mais sozinho que eu já me senti foi quando estive em volta de várias pessoas, e eu realmente acho que o melhor sentimento que se pode ter é simplesmente solidão.

Isso é... Até essa manhã.

Eu acordei e percebi que não havia luz, eu vivo em um prédio antigo no centro da cidade. É o tipo de lugar onde os papéis de parede estão caindo pelos cantos e a pintura é velha e acabada... Em muitos lugares o teto era apenas uma coleção de buracos, os elevadores fazem barulhos estranhos e o lugar todo tem uma névoa esquisita do que parece ser fumaça de cigarro ou de maconha. Eu já fiquei sem energia antes, e na última vez que aconteceu, não retornou por dois dias, o que me irritou, pois eu havia feito compras no dia anterior e tive que assistir enquanto algumas delas estragavam.

Então, quando eu acordei, meu primeiro sentimento foi irritação. É melhor que haja energia quando eu voltar do trabalho, murmurei. Geralmente nós ficaríamos sem luz na neve, ou depois de uma tempestade... Mas no meu prédio, onde a instalação elétrica era mais antiga que tudo, poderia faltar luz em qualquer época do ano – então, eu nunca me incomodei em procurar razões relacionadas ao tempo para justificar.

Eu abri todas as janelas, mas não ajudou muito, estava tudo meio cinza dentro do meu apartamento. A semana tem sido nublada desde o começo, houve até alguns relâmpagos, então mesmo com a minha maior janela aberta eu não conseguia ver muito, e meu banheiro, que não tinha nenhuma janela, estava mais escuro que um sarcófago.

Meu alarme estava desligado, claro. Então eu chequei as horas no meu telefone e depois de um momento entrei no chuveiro, não me importando muito com o fato de que a água estava gelada e de que eu não conseguia enxergar minhas mãos em frente ao meu rosto. Mesmo se eu tivesse saído pela porta naquele horário, ainda estaria atrasado uma hora para o trabalho. Eu odeio atrasos. Eu geralmente tento estar pelo menos 15 minutos adiantado. É apenas mais uma mania de introvertidos – tentar estar no horário, sempre.

Depois de vestir algumas roupas, saí pelo corredor e fui até o elevador – lembrando somente depois que falta de energia significava falta de elevador – fui em direção ás escadas.

Essa foi provavelmente a primeira vez que senti uma sensação de mal-estar. Eu fiz o que pude para ignorar, porque não sou mais criança e esses tipos de pensamento sempre rondam sua cabeça tentando te incomodar. Mas era difícil, e não só por causa da escuridão do prédio, mas também porque naquele momento percebi que não havia visto uma pessoa sequer durante toda a manhã.

Mas só isso não era tão alarmante, eu já caminhei até o elevador muitas vezes sem ver qualquer outra pessoa, no entanto, enquanto eu atravessava o corredor, usando a luz do celular como lanterna, percebi outras coisas que estavam fora do lugar. Primeiro: Eu não havia escutado nenhum barulho vindo dos apartamentos, e o ar estava desligado, o que deveria deixar qualquer barulho mais alto. Segundo: Eu estava atrasado. Normalmente eu vou para o trabalho antes do horário normal, mas hoje, eu estava indo mais tarde – quando a maioria do prédio também vai – talvez alguns deles tivessem usado o elevador mais cedo, porém, de qualquer forma, alguns deveriam ter usado as escadas comigo.

Quando cheguei ao térreo tudo ficou ainda pior – mais cedo, quando abri a janela, não parei para olhar a rua e não percebi a quão parada estava.

Havia somente carros nas ruas e eles estavam estacionados, nenhuma alma á vista. Os prédios adiante não pareciam fechados, mas também não pareciam abertos; apenas escuros e vazios.  Eu engoli em seco e disse a mim mesmo que provavelmente havia alguma razão para isso, mas a minha mente se recusava a aceitar. Eram 08h30min da manhã de uma Terça-Feira! As ruas estariam lotadas de carros e as calçadas lotadas de pessoas – isso sem mencionar o barulho – mas a única coisa que ouvi foi o vento correndo entre os prédios.

O quarteirão todo estava sem luz, tinha que ser isso. Todo mundo ainda estava dentro de suas respectivas casas esperando pela energia.

Liguei uma, duas, três vezes até que ouvi voz entediada do meu chefe falando “Deixe seu recado” – a primeira voz que ouvi em toda a manhã.

Eu abri o navegador e comecei a procurar qualquer informação, mas não havia nada novo desde ontem. Na verdade, minha conexão estava péssima e depois de um momento simplesmente caiu e não voltou mais. Eu tentei ligar para um colega de trabalho – o único que eu sabia o número de telefone – ele havia oferecido o número.

Ele também não atendeu, e eu comecei a me perguntar se a falta de energia estava afetando os celulares por perto, mas ele não morava perto de mim, então seria mesmo a energia?

Acendi a luz do celular e comecei a subir as escadas novamente, meu apartamento era no oitavo andar e eu não estava na minha melhor forma, minhas pernas começaram a doer no terceiro, mas foi no quarto andar que a luz do meu celular falhou e então ele desligou completamente.

“Não, não!” Eu sussurrei e tentei ligá-lo novamente e então lembrei que não o havia carregado desde o dia anterior, e, além disso, eu estava usando ele como lanterna e havia tentado ligar para meu chefe várias vezes, eu provavelmente ignorei o aviso de bateria pouca e agora era tarde demais. “Pedaço de merda,” Murmurei. Algo dentro de mim sabia que eu deveria deixar meu tom de voz o mais baixo possível... Eu coloquei o celular no bolso e comecei a subir as escadas, tentando ficar calmo.

Foi então que eu ouvi, sons de passos vindo da escada – mais precisamente atrás de mim.

Você pode achar que eu ficaria feliz de perceber que havia outras pessoas comigo, ou até achar que depois de perceber como é realmente ficar sozinho, eu ficaria grato em saber que na verdade eu não estava – e por um momento, eu tentei me fazer acreditar que era realmente isso que senti.

Os passos eram lentos, quase organizados demais. Eles ecoavam no escuro como se fosse a morte – no começo estavam delicados, mas logo eu percebi comecei a ouvir as batidas mais fortes, eles estavam pelo menos dois andares abaixo de mim.

Eu não pensei, apenas subi o resto da escadaria e encostei-me à ponta para escutar. Eles continuavam a vir, eu pensei em chamá-los, mas todo resto de instinto que tinha me disse que seria burrice – então eu tentei me convencer de que era apenas meu jeito estranho e solitário apitando na minha cabeça novamente – mas esse sentimento não era apenas o puro desejo de ficar sozinho por um momento.

Toda a lógica que eu consegui formar me dizia que nada nesse vazio deveria estar se mexendo – eu não tinha escutado nem sequer o latido de um cachorro perto do prédio – mas havia algo além de mim, e eu sabia que seja lá o que fosse isso não deveria estar lá.

Quando finalmente alcancei meu andar, parei próximo a escada. Por um momento apenas escutei. Os passos ainda estavam lá, e eles nem haviam aumentado a velocidade, mas pareciam estar mais perto. O corredor estava vazio, como eu imaginei que estaria; afastei-me da beirada da escada e pude escutar meu próprio coração acelerado, ecoando nas minhas orelhas juntamente com minha respiração ofegante.

Eu vi a última janela do corredor aberta, uma névoa cinza entrando por ela, mas ignorei e simplesmente fui em direção ao meu apartamento.

Atrás de mim ouvi os passos no corredor, ainda lentos e calmos. Eu esperei. Talvez eles tivessem ido à outra direção – mas não, os passos estavam cada vez mais altos – vindo na minha direção. Eu me virei rápido e fui em direção ao meu apartamento novamente. Eu não corri, só andei mais rápido, se eu corresse faria mais barulho, e tentei manter minha respiração normal também.

Eu alcancei meu apartamento, mas ainda pude ouvir os passos atrás de mim, e enquanto tentava pegar minha chave me dei conta de que eles estavam perto demais, e que se eu abrisse a porta eles poderiam achar meu único lugar de refúgio. Pensando rapidamente, apenas continuei andando o mais rápido que pude e assim que cheguei ao outro andar percebi que os passos estavam diminuindo, eu ainda podia ouvi-los, mas eles estavam dispersos, como se tivessem ficado confusos ou como se estivessem ido na direção errada.

Minha intenção era dar a volta e retornar ao meu apartamento, mas enquanto eu o fazia me senti meio bobo, afinal de contas, por que eu estava tão convencido de que essas pessoas me perseguiam? Eu era a única pessoa que eu havia visto hoje, mas isso era estranho, não o surgimento de outra pessoa no prédio. Alguma coisa, abdução, desastre ou sei lá o que, havia feito todas as pessoas sumirem, mas me deixaram para trás, e se eu ainda estava aqui, outras pessoas também poderiam estar. Essas pessoas poderiam ser apenas outros moradores do oitavo andar, tão confusas e assustadas quanto eu.

Quando comecei a retornar para o meu andar, ouvi os passos novamente. Eles haviam me encontrado.

Eu corri novamente para o corredor e esperei perto da escada, abrindo a porta dos degraus lentamente – todo e qualquer pensamento que tentava me convencer de que esses passos pertenciam a alguém tão assustado e confuso quanto eu deixaram minha mente – esses passos pesados, não pertenciam a alguém que se encontrava na mesma situação que eu. Eles não estavam assustados, eles tinham um propósito, e esse propósito não poderia ser bom.

Dessa vez eu alcancei meu apartamento e consegui entrar, tranquei a porta e a fechadura e encostei-me a ela, contemplando a porta um momento depois e percebendo que só aquilo não seria suficiente, coloquei uma cadeira apoiada na maçaneta. Então fui ás janelas e coloquei vários móveis próximo a elas.

Por algum tempo, nada aconteceu. E então eu os escutei novamente, não havia duvida de que os passos estavam me perseguindo, a velocidade, lenta e calma, parando vagarosamente quando se aproximaram da minha porta.

Eles pararam. Algo estava atrás da minha porta, esperando, provavelmente por algum barulho, mas sabendo sem sombra de dúvida de que eu estava lá dentro. Eu achei que senti algum cheiro vindo do corredor, algo que tivesse um cheiro... Quente. Era o único jeito de descrever, quente.

Eu esperei, e esperei. O silencio era tangível, e eu senti que o ar ao nosso redor havia ficado mais denso, assim como o resto do mundo.

Minha maçaneta começou a girar, lentamente no começo e logo depois rapidamente enquanto eu sentei lá, sem ação, minha respiração se tornara pequenos soluços, meu coração batendo tão rápido que eu não pude ignorar a pressão constante no meu peito.

Quando finalmente a insistência diminuiu, eu peguei meu notebook, que ao contrário do celular não havia descarregado, e comecei a escrever isso – o barulho na porta retornou mais três vezes, a última vez foi a mais insistente, acompanhada de socos –

Eu não sei se tem alguém aí que vai ler isso. Eu nem sei por quanto tempo mais a internet vai funcionar, eu nunca precisei de outras pessoas até hoje, mas eu definitivamente preciso delas agora!

Por um momento nessa manhã desejei não estar sozinho.


Agora não estou, e não tem outra coisa que eu deseje a não ser ficar sozinho novamente.   

14 comentários:

  1. otima historia, nos deixa ansiosos por um final, mas nos poe em uma situação de angustia ao mesmo tempo, muito bom

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  2. Eu sou igual a esse cara... SOS, tô com medo agora.

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  3. sou mt a favor de uma parte 2, contando do ponto de vista de quem tava batendo na porta

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  4. Vom uma parte dois, poderia virar filme :)

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  5. A creepy é bem escrita e a ideia é boa. Quer dizer, 90% das pessoas que entram no CPBR devem ser anti-sociais (ou pelo menos preguiçosas demais para sair de casa), então quase todo mundo se identifica com o personagem.
    O ponto fraco é que ela descreve coisas inúteis para o entendimento da história. E ficou massante. Dava para resumir algumas coisas...

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  6. Pelo jeito que a história me prendeu durante todo o texto eu esperava no mínimo um final melhor....esse de escrever no diário/notebook ''se você ler isso...'' já é beeeem clichê.

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  7. Poxa, curti mas esperei mais do final .-.

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  8. sou igualzinha gosto de amigos nãl sou pra falar verdade meu quarto é um mundo onde pederei ser quem sou sem criticas -°amigos 0
    ,Mas é verdade a solidão é um sentimento bom
    Estar no meio das pessoas sufoca

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  9. Com certeza o personagem da história não é brasileiro, pq se fosse teria corrido e saqueado lojas de departamentos primeiro antes de averiguar o que se passa.

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  10. Ainda estou me perguntando se gostei ou não. Por uma lado esse final dá aquele suspense e você cria na sua mente uma explicação e uma continuação pra história. Por outro é meio frustrante e a sensação angustiante que você sente durante a creepy só aumenta com esse final sem resposta.

    PS: Tenho amigos, gosto de sair, mas, também me sinto meio sufocado com muita gente

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  11. Angustiante, bizarra e sem final.
    Excelente.

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  12. Que história foda! Eu pude sentir a adrenalina e o nervosismo da personagem. A atmosfera de suspense e medo me pegou de tal jeito que faz desejar uma continuação. Espero que tenham ZUMBIS ♡

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