30/12/2015

Finalmente Acordado - Final

Parte 1 - Parte 2

Ele viu, ao lado do pé da cama do hospital, uma grande porta de madeira abrindo rapidamente, fazendo um barulho muito alto. Viu apenas uma luz, logo acima de sua cabeça, tão forte que o fez fechar seu olho restante a fim de evitar que este ficasse ruim também. O doutor dizia o nome de alguns instrumentos. Ele tentou acompanhar o que diziam, mas parecia que falavam outra língua. Ele sentiu como se fosse desmaiar. Sua fraqueza aumentava muito e seu corpo pesava, e ele sabia que estaria inconsciente em pouco tempo. No entanto, se sentiu bem com isso. Pelo menos, se dormisse, não sentiria a imensa dor que o atormentava. Abriu lentamente seu olho esquerdo. Dessa vez, pelo menos, não foi tão difícil.

Ele começou a ouvir alguns bipes frequentes, já que estava ligado a um monitor cardíaco. Ele não via a máquina, pois estava em algum lugar ao seu lado, mas conseguia imaginar o gráfico que suas batidas cardíacas faziam. Sentiu um tubo sendo enfiado em sua garganta. Aquilo arranhava, era desconfortável. Contudo, a dor que sentia em todo o resto de seu corpo ia muito além daquilo. Sentiu uma leve ânsia de vômito. O tubo já estava dentro dele antes que percebesse. O homem de óculos escuros se movia rapidamente, suas luvas de látex cheias de sangue. A enfermeira perdera sua expressão assustada, trocara por uma de determinação. Esta seguia ordens em certa velocidade logo que lhe eram dadas, assim como as outras três pessoas que haviam se juntado a eles para ajudar.

O monitor cardíaco começou a desacelerar. Suas pálpebras começaram a ficar pesadas. Ele ouviu o homem de óculos escuros:

-Me dê o desfibrilador, ele está morrendo! - gritou a um dos assistentes

Ele começou a pensar consigo mesmo. "Não! Não posso avisar minha família sobre a figura que vi enquanto ia pra casa. O que ela fez comigo? O que ela faria com ELES?"

Ele ouviu o bipe se transformar num som contínuo. Viu um rosto cruel, frio e sombrio com olhos pretos grandes e profundas rugas verticais que mais pareciam fendas. Não havia boca alguma. Ele se lembrara do rosto daquilo que o deixou do jeito que estava. 

Ele fechou o olho.

19/12/2015

Não O Veja

Eu tenho pensado nele – ou nela – durante toda a semana. Não consegui dormir e muito menos comer. Larguei meu trabalho (acho que “parei de ir” ficaria mais adequado) então presumi que não esteja mais empregado lá. Meus olhos se afundam nas olheiras e eu sento em frente ao meu computador dia e noite tentando me manter entretido, e mais importante, acordado.

Se eu dormir, temo que nunca acorde. Tenho medo que ele – ou ela – vá me encontrar. Não sei o que quero dizer com “encontrar”. Não acho que esteja por aí tentando encontrar qualquer coisa ou pessoa, mas de qualquer forma, não saiu da minha mente desde aquela noite. E eu tenho medo de que não saia nunca... Medo... Não sinto medo há anos, na verdade, desde que eu era uma criança.

Café, bebidas energéticas e doces que restaram da noite de Halloween não são mais suficientes. Estou simplesmente digitando para ficar acordado agora, não sei mais o que fazer. Cada vez que eu fecho meus olhos eu vejo. Não é ameaçador, nem raivoso, mas a simples presença dele manda arrepios por toda extensão do meu corpo, tenho pensamentos correndo na minha cabeça e eu acho que o único jeito de ter algum tipo de paz é digitando eles aqui... Até porque eu não tenho nenhuma outra escolha, são quase quatro da manhã, meu apartamento está vazio, nada pode ser escutado além do ronco do motor da geladeira, e esse som é tranqüilizante.

Então, devo explicar essa experiência minha apenas para tirá-la de mim, da minha cabeça. Talvez quem estiver lendo possa entender exatamente o que aconteceu, ou apenas sentir conforto no que eu vi... Porque eu ainda não tenho certeza se o que vi foi imaginário ou real, talvez eu consiga dormir depois de contar tudo aqui.

Vivo nesse bairro desde que eu era criança e conheço tudo por aqui, depois de me formar na faculdade ano passado eu voltei para o mesmo bairro para morar com a minha mãe, ela me ofereceu um lugar para ficar até que eu conseguisse estabilizar a minha carreira ou um trabalho que pagasse um salário digno. Desde então tenho procurado por trabalho que me pagasse pelo menos um salário razoável até que eu conseguisse seguir a minha carreira, e depois de trabalhar como vendedor por algum tempo, meu carro começou a apresentar problemas devido às grandes distâncias que eu percorria, e eu percebi que precisava de um trabalho mais perto de mim, já que não poderia mais contar com o meu veículo.

Em menos de uma semana eu consegui um trabalho numa loja de departamento filiada com o Shopping local a apenas alguns minutos de distância da minha casa. Varejo nunca foi um grande interesse pra mim, porque sempre fui introvertido, mas eu precisava de algum trabalho, mesmo que ganhasse pouco, enquanto isso eu vendi meu carro e comprei uma bicicleta, guardando o resto do dinheiro para qualquer outra necessidade.

Não demorou muito para que eu começasse a odiar esse trabalho, eu não pertencia ali. Meu departamento era voltado para mulheres e as pessoas que trabalhavam comigo eram mulheres de meia idade com problemas na coluna. Ninguém falava comigo ou descobriu meu nome durante os três meses e doze dias que eu trabalhei lá. Eu estava irritado com a situação, mas tentava sempre ver o lado positivo da situação: Era o trabalho mais próximo que eu já tive, e não ter que pagar pelo seguro do carro ou gasolina me fez salvar muito dinheiro, os turnos eram curtos e as horas de trabalho, poucas.

Essa noite em particular, a noite que fica se repetindo na minha cabeça, aconteceu há mais ou menos uma semana atrás. Era Sexta-Feira, e eu estava fechando a loja naquela noite, sabendo que sairia tarde. Havia muitos clientes e por essa razão nós continuamos com as lojas abertas até as 23h00min, mesmo sabendo que o Shopping fecha as 21h00min e o nosso horário de trabalho só vai até as 22h00min.

Contei o dinheiro do meu caixa e comecei a ajudar os outros empregados a organizar e limpar os departamentos; lembro-me daquele ser um momento calmo, quando a loja é fechada, a maioria da luzes são apagadas, mas a musica continua enquanto nós limpamos e organizamos.

Nessa noite, não havia música. A loja estava escura e simplesmente calma, não necessariamente misteriosa, mas manteve o mesmo tom pelo resto da noite. Eu decidi começar pela sessão masculina, já que aquela era a única parte da loja em que eu me sentia confortável (geralmente me obrigavam a embalar calcinhas femininas, um pouco estranho) e comecei a dobrar as camisetas que estavam ali, tudo estava bagunçado, como se um tornado houvesse passado lá.

Depois de organizar todo o local dei uma olhada rápida ao meu relógio e percebi que eram quase 00h00min, geralmente nós acabamos de limpar e o gerente da loja vem nos dizer que podemos ir embora, e assim o fiz, esperando calmamente perto da sessão de utensílios até que ele veio e me liberou.

Geralmente, sete ou oito empregados fecham a loja toda noite e essa noite não foi diferente. Nós todos fomos até a sala de descanso onde nosso gerente conversou rapidamente conosco até a hora exata de sairmos dali, ele falou sobre as vendas e os lucros, mas para ser sincero, eu geralmente não presto atenção nessas coisas. Apenas observei meu celular (que já estava quase morto) e me posicionei perto da porta, para que pudesse sair dali.

Quando tudo havia sido dito, nós todos saímos juntos e caminhamos até o estacionamento... Desculpe, eu me esqueci de mencionar que esse departamento está dividido em duas partes. A maioria das pessoas estaciona no segundo andar, porque lá estão os escritórios. Eu, por outro lado, acorrento minha bicicleta no primeiro andar, então, me separei deles e tomei a minha direção de sempre. Eu não consigo me encaixar nesse trabalho, então para mim é muito adequado caminhar sozinho até minha bicicleta enquanto todos os outros vão juntos por outro caminho.

Enfim, eu continuei caminhando até alcançar o estacionamento, que estava deserto e escuro, obviamente devido ao horário. Parei lá fora por um momento e fechei o zíper do meu moletom. A noite estava calma demais – e fresca – o que é normal aqui para as noites de outono. Observei a rua e notei uma pequena loja de Halloween, um banner grande dizia “Cidade de Halloween” e as janelas estavam cheias de frases intimidadoras, pinturas e máscaras de palhaços assustadoras.

Sorri enquanto alcançava minha bicicleta, me perguntando qual fantasia usaria para o Halloween desse ano, talvez eu e minha namorada pudéssemos criar algo juntos.

Pulei na bicicleta e comecei a pedalar próximo ao passeio e não demorou muito até eu perceber que minha bicicleta estava lenta. Olhei para baixo e notei que meu pneu da frente estava murcho, olhei para trás e percebi que o outro não estava diferente. Aproximei-me dos pneus e os analisei calmamente... Será que eu havia passado por cima de algum pedaço de vidro no caminho da minha casa para o trabalho? Acho que não... Também acho que não tenho o dinheiro suficiente para comprar pneus novos para uma bicicleta que comprei há apenas alguns meses atrás.

Enquanto eu tentava achar uma solução para aquele problema, percebi que os pneus estavam sem as tampas de ar. Eu as perdi? Alguém as roubou? Quem roubaria duas tampas de ar?

Independente disso, eu não ia conseguir seguir o meu trajeto inteiro naquela bicicleta. Minha casa estava a apenas 20 minutos de distância dali, a única coisa que faria essa caminhada ser desconfortável seria o vento forte da noite. Desde o momento que eu saí da loja o vento tocou meu rosto de forma não muito amistosa, rugindo como em desprazer. Subi na bicicleta novamente numa tentativa frustrada de conseguir chegar em casa mais rápido, mas depois de algumas pedaladas percebi que não iria dar certo, saindo da bicicleta novamente e terminei de fechar o zíper – por completo – e voltei ao meu trajeto, caminhando desta vez.

Continuei caminhando em uma rua que é geralmente movimentada, mas não havia sequer um carro ali. As luzes da rua estavam diferentes e nenhuma pessoa em um carro há alguns metros de distância poderiam me ver ali. Como eu mencionei anteriormente, eu cresci nesse bairro e eu o conhecia muito bem... Já que estava tão frio, decidi caminhar por outras ruas onde o vento não me fizesse sentir tão desconfortável, sem mencionar o fato de que toda vez que eu caminho numa principal me faz sentir como se eu estivesse vulnerável.

Decidi isso em voz alta – como geralmente faço quando estou sozinho – e continuei conversando até alcançar o final do quarteirão e cortar caminho por um beco que me levou para fora da área de comércio e me colocou diretamente no meu bairro.

Dois pequenos Shoppings abandonados e um banco – também fora de uso – faziam parte do beco, na verdade, todo o caminho que tomei para sair da rua principal até o meu bairro era composto por pequenos becos, e esse particularmente poderia parecer ameaçador para algumas pessoas. O chão estava partido em algumas partes e ratoeiras descansavam por quase toda extensão do mesmo, apenas quatro ou cinco lâmpadas amarelas iluminavam o caminho, fazendo com que grande parte do beco ficasse obscuro... Um prato cheio para ladrões, mas para ser honesto, minha aparência não era a mais inocente de todas e não me sentiria intimidado com pouca coisa, talvez essa atitude tenha me levado até onde eu estou agora.

Enquanto eu caminhava e continuava a conversa comigo mesmo, alcancei a esquina do próximo beco e me virei, arrastando minha bicicleta comigo e continuei caminhando no ritmo que eu já estava. Quando olhei para frente, notei uma figura a alguns metros de distância de mim, na metade do beco, e parei automaticamente – porque eu não queria intimidar a pessoa – afinal, um cara de barba com um moletom preto e capuz na cabeça andando em um beco escuro não diz necessariamente que eu sou uma boa pessoa.

Pensei em dar a volta e caminhar na direção oposta, caminhando ao redor do quarteirão, mas ao observar melhor, percebi que a figura estava de costas para mim, caminhando na mesma direção que eu. Esperei até que caminhasse embaixo de uma lâmpada para que eu pudesse analisar perfeitamente o “tipo” de pessoa que seria. Eu posso até parecer intimidante, mas talvez ele também parecesse, e se esse fosse o caso, eu daria a volta pelo quarteirão.

Melhor prevenir do que remediar.

Percebo que está caminhando lentamente, talvez caminhando não seja a palavra adequada... Acho que “mancando” seria mais apropriado... Enfim, depois do que parecem eternos minutos, ele finalmente caminha embaixo de um poste de luz e assim que a luz o alcança, algo perturbador atinge meus olhos. Eu consigo enxergar algo parecido com um cidadão idoso caminhando sem roupa nas ruas. O corpo parece entroncado e decrépito, as costas estão arqueadas e a pele franzida e esticada... Um dos braços parece estar dobrado enquanto o outro apenas se balança conforme o corpo se movimenta, e o jeito de andar... Se é que eu posso chamar aquilo de andar, parecia mais um cambalear agora. Como se cada passo estivesse o obrigando a fazer esforço demais e isso faz com que ele se mova de forma extremamente lenta.

Por alguma razão eu deduzi que fosse uma mulher idosa e a minha mente viajou para a casa de idosos que ficava a apenas alguns metros de distância dali, talvez ela houvesse escapado no meio da noite? Talvez fosse sonâmbula, isso explica o fato de ela não estar vestindo nenhuma roupa. Tirei meu celular do bolso e tentei desbloquear a tela, mas a bateria estava morta. Isso geralmente acontece com meu celular quando eu fico mais tempo que o normal no trabalho; olhei ao redor e não vi nenhuma pessoa ou veículo ali além dessa mulher e eu, então guardei meu celular novamente e continuei caminhando no beco, minha curiosidade tomando todo o lugar que deveria ser ocupado pela razão.

Caminhei calmamente atrás dela, mas não importa o quão devagar eu fosse, parecia me aproximar cada vez mais dela mesmo tentando manter a distância.  A mulher parecia realmente não ter notado que eu estava ali...

Quanto mais próximo eu chegava mais nitidamente podia enxergar o que estava a minha frente, eu me lembro dos detalhes... Os ombros esguios e ossudos, a espinha parecia quase sair da pele em sua posição torta. O pescoço estava numa posição quase horizontal e a cabeça lembrava vagamente a de um urubu procurando a próxima carcaça; o corpo no geral parecia estar sofrendo com algum tipo de atrito, foi nesse momento que percebi que já havia alcançado a metade do beco. Minha bicicleta fazia barulhos de “clicks” com cada passo que eu dava, e ainda assim eu parecia invisível para aquela mulher. Eu estava assustado, mas também intrigado, não me sentia intimidado por essa pessoa, aliás, a única coisa que eu conseguia sentir por ela era pena.

Continuei caminhando pelo beco e chegando cada vez mais perto dela, cada vez que eu a observava encontrava detalhes diferentes e absurdos; a pele estava marcada, coberta por manchas escuras, verrugas e veias que pareciam teias de aranha, descansando na pele dela como se fossem parte do corpo dela há muito tempo. Pelo braço que se balançava com o movimento do corpo, observei dedos longos e esguios e as unhas eram amareladas e gigantescas. A noite parecia ainda mais silenciosa, e quando me aproximei novamente pude ouvir suspiros abafados, era delicado, mas assustadoramente único. Lembrei instantaneamente dos tubos que eu costumava usar quando era criança, eles faziam um barulho específico, parecido com esse.

Enquanto eu continuava caminhando, analisei a cabeça. Em algumas partes parecia não ter cabelo, o que me fez pensar que era um homem... Afastei-me um pouco e tentei alcançá-lo – ou alcançá-la – pela lateral, tentando formar uma imagem de perfil específica, e por um momento eu quase queria que ela me notasse. Quando alcancei a posição que tanto queria avistei o que parecia uma longa e agressiva protuberância; eu associei a cabeça de um cachorro, as orelhas quase como de elfos, mas abaixadas, e a boca estava aberta, tentando – ou não – formar um sorriso forçado. Como se estivesse posicionado para uma foto de família durante mais tempo que o normal, os olhos eram negros e grandes, e pareciam posicionados na lateral da cabeça.

Depois de observar sua expressão facial e inspecionar seu corpo novamente, meu cérebro decidiu que isso não poderia ser um ser humano. Parece que eu levei tempo demais para perceber aquilo, e foi aí que a súbita sensação de medo correu por todo meu corpo. Eu estava no beco por pelo menos dois minutos, mas já parecia como uma eternidade; diminui a velocidade dos meus passos e me posicionei atrás da criatura novamente, notando que quase ao final do beco havia mais um poste de luz e percebi que estava tremendo e respirando rapidamente – e não era por causa do frio –. Estava a apenas alguns metros de distância quando pensei em correr para o lado oposto o mais rápido possível...

Eu estava preso em um beco escuro com uma criatura que não conseguia identificar e uma bicicleta incapaz de me ajudar a escapar mais rápido. Tentei pensar em uma forma de escapar dali, o mais metódica possível...

Quando de repente, a criatura parou.

Eu hesitei rapidamente, e lá ficou parada a coisa, embaixo da lâmpada. Sua forma animalesca e sua pele pálida totalmente visível pra mim, as pernas contorcidas e trêmulas, a cabeça encarando o chão, e a respiração fazendo um barulho muito mais alto.

Parecia que havia se passado horas, mas eu provavelmente me congelei por alguns segundos. Não pensei, mas precisava fazer alguma coisa, eu precisava sair dali.

Então respirei fundo e voltei a caminhar sem pensar no que estava parado ali, passando ao lado da criatura, deixei minha cabeça abaixada, mas quando eu estava à frente dele – daquilo – não pude evitar olhar com o canto dos olhos. Ficou parado lá em silêncio e eu encarei os pequenos dentes amarelos saindo da boca dela, daquele sorriso forçado... E então nossos olhos se encontraram, mas ela não podia me olhar nos olhos por mais de alguns segundos, parecia quase com vergonha de si mesma. Eu não posso dizer que não senti pena dessa... Criatura.

Assim que passei por ela tentei me convencer de que continuar caminhando normalmente seria a melhor opção, mas logo falhei no meu objetivo, correndo de forma quase devastadora até alcançar a próxima rua. Respirei fundo diversas vezes e olhei para o beco novamente, tendo certeza de que estava a uma distância razoável, e mesmo sabendo que eu estava tremendo de medo do que eu havia encontrado eu fiquei parado próximo dali por quase dez minutos esperando que a criatura saísse do beco em algum momento.

Olhando para trás consegui ver a imagem dela ainda lá parada, mas de uma distância maior, distinta, quase uma sombra. Aquilo era suficiente, e eu queria ir para casa, mas chegando lá não consegui dormir como queria... Ainda não consigo, também não sei se aquilo realmente aconteceu, se eu realmente encontrei aquela criatura na noite de Sexta-Feira.


Uma parte de mim quer voltar ao beco só para ver se não consigo encontrá-la mais uma vez, mas isso só traria mais vergonha para a criatura... Como se só o fato de ter sido visto fosse castigo suficiente para nós dois.



credits

14/12/2015

Ecolocalização humana


Sou cego desde que nasci. A história em si não é sobre isso, mas esta é uma parte crucial. Ao longo da minha vida eu tenho usado diferentes tipos de tecnologia assistencial; teclados em braille, aplicativos por comando de voz, smartphones adaptados... Recentemente, eu tentei ecolocalização humana pela primeira vez na minha vida. Para aqueles de vocês que não sabem o que é isso, é uma técnica que emula o modo como morcegos encontram suas presas no escuro. Ao fazer estalos com a boca, você é capaz de ouvir o som refletido dos objetos atingidos, e dessa forma "ver" onde os objetos estão. Uma amiga minha, vamos chamá-la de "J", tinha visto alguns vídeos sobre o assunto no Youtube, e me perguntou se eu já tinha tentado isso. Eu lhe disse que não tinha, embora eu tenha ouvido falar sobre isso.

Para encurtar a história, eu decidi testá-lo. É necessário muita concentração no início, mas depois de alguns dias eu senti que começava a pegar o jeito.

No meu seguinte encontro com J, ela parecia animada e me parabenizou quando eu disse a ela que eu estava indo muito bem. A prática leva à perfeição, e eu era capaz de evitar os principais obstáculos sem muita dificuldade. Nós fomos a um parque, e J me pediu para demonstrar o que eu podia "ver" ao nosso redor com minhas habilidades atuais. Eu ri, e disse a ela que eu não era exatamente o Demolidor, mas que eu iria lhe dar uma amostra. Depois de alguns estalos, eu lhe disse que achava que havia um pequeno muro ou construção a nossa esquerda, e uma coisa alta a nossa frente. Era um borrão, então eu imaginei que era algum tipo de arbusto. J então ficou quieta, e tinha uma pitada de preocupação em sua voz quando ela falou de novo. "Bem, você está certo sobre a parede... mas não há nada na nossa frente. Apenas... grama."

Eu congelei. Eu sabia que era novato nisso, mas o som refletiu claramente em alguma coisa. Ele era muito mais alto do que uma pessoa, e estava apenas a poucos passos a nossa frente. Eu poderia ter confundido tanto assim o que eu ouvi?

Eu decidi brincar com a J, e disse que aparentemente eu ainda não estava pronto para sair e combater o crime. Me sentindo muito desconfortável, nos tirei de lá apressadamente, e nós continuamos nossa caminhada. Quando ela me deixou em casa, parecia que ela havia esquecido sobre isso. Duvido que um dia esquecerei.

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Traduzido daqui.

11/12/2015

A Portadora da Canção

Em qualquer cidade, em qualquer país, vá para qualquer instituição mental ou casa de repouso onde você possa entrar. Quando chegar a recepção, peça para visitar uma mulher que se intitula de "A Portadora da Canção". Você será guiado para uma longa escadaria em espirais mais altas do que o prédio em que se encontra. No fim das escadas há uma porta.

Quando você abrir a porta, uma súbita onda de calor percorrerá seu corpo vindo de dentro do corredor. Prossiga pelo corredor. Enquanto você anda, o ar em torno de você vai parecer cada vez mais frio. Até fazer você se sentir como se estivesse envolto em gelo, você deve estsr bem, ainda assim, permaneça em silêncio e de ouvidos atentos. Se enquanto anda pelo corredor, ouvir um choro de bêbê, vire-se e corra. Nenhum mal te acontecerá, mas o choro de bêbê irá seguí-lo aonde quer que vá. Se você ouví-lo chorando pelo resto da vida, considere-se com sorte. Se e quando ele parar, seu filho primogênito morrerá.

Se você não ouvir o choro de um bêbê, espere o corredor voltar a se aquecer e em seguida, avance. Ao final, encontrará uma porta. Entre.

Será um quarto inundado em luz verde. No seu centro, verà uma velha girar a manivela de uma caixa de música em silêncio. Ambas as suas pernas foram cortadas na altura dos joelhos. Quando você falar comela, deve olhá-la nos olhos. Ela esconde uma lança formada a partir de ossos de suas pernas, quebre o contato visual, e ela vai empalar-lo com a lança e deixá-lo-á sangrar até a morte, em uma agonia aparentemente interminável. Ela responderá somente a uma única pergunta: "Qual foi a música que eles usaram para jogar?"

A velha vai começar a cantar em um idioma que não é deste mundo. Sua melodia será a mais bonita que você já ouviu, trazendo paz e serenidade para a sua mente, corpo e alma. Você vai vividamente imaginar um bando de crianças despreocupadas tocando e cantando, inocentes como podem ser... E em poucos minutos, a cena vai, eventualmente, dar uma volta terrivelmente sinistra. As crianças começam a lutar entre si, e o conflito vai tornar-se o mais brutal, uma violência letal, a pior que se pode imaginar. Eles vão empalar uns aos outros em postes de madeira, estripar uns aos outros com pedras afiadas, e até mesmo rasgar a carne dos ossos com as próprias mãos. Você vai testemunhar essas crianças, agora apenas farrapos de si mesmos, espalhando morte e destruição das quais você jamais poderia imaginar em seu próprio país. Você verá um menino nu, encharcado de sangue, cantando com prazer como ele funciona através de um deserto infernal, perseguido por monstros indizíveis. Eles vão ultrapassá-lo e destruí-lo completamente.

No entanto, inexplicavelmente, você vai manter a calma, mesmo enquanto assiste a essa brutalidade indescritível.

Quando estas visões horríveis acabarem, sentirá uma dor intensa, como se fosse uma facada em seu peito. Sentirá como se seu coração estivesse prestes a explodir. Não deixe que a agonia faça-o perder seu foco, não deixe de manter contato visual com a mulher velha. Se você permanecer firme em seu olhar, a dor acabará. A mulher vai se levantar(mantenha seus olhos ainda focados nos dela) e colocar a caixa de música em suas mãos.


A caixa de música, é o sexto objeto de 538. Quando sua música tocar novamente, todos eles se reunirão.

O pesadelo

"Papai, eu tive um pesadelo!" Você pisca os olhos e se apoia nos cotovelos. Seu relógio brilha na escuridão - são 03:23.

"Você quer subir na cama e me contar como foi?"

"Não, papai."

A estranheza da situação te acorda mais plenamente. Você mal pode identificar a forma pálida de sua filha na escuridão de seu quarto.

"Por que não, meu amor?"

"Porque no meu pesadelo, quando eu te conto sobre o sonho, a coisa vestindo a pele da mamãe se senta." Por um momento você se sente paralisado; você não pode tirar os olhos de sua filha. As cobertas atrás de você começam a mexer.

09/12/2015

Um estranho caso




Em 1957, duas irmãs, Joanna (11) e Jacqueline Pollock (6), foram tragicamente mortas em um acidente de carro em Northumberland, Inglaterra. Um ano depois, a mãe delas deu à luz as gêmeas Jennifer e Gillian. O interessante, é que a gêmea mais nova, Jennifer, tinha marcas de nascença nos mesmos locais onde Jacqueline as tinha. Porém, as coincidências não param por ai. Felizmente, as outras várias coincidências não são tão terríveis quanto estas duas: 

Depois de um bom tempo, as gêmeas começaram a pedir os brinquedos que pertenciam às meninas mortas, os quais elas não sabiam que existiam, e mostravam interesse de visitar um parque onde nunca estiveram. Um respeitável psicólogo daquele tempo, Dr. Ian Stevenson, estudou a fundo o caso das gêmeas e concluiu que provavelmente as gêmeas eram reencarnações de suas falecidas irmãs. 

A STRANGE CASE
In 1957, two sisters Joanna (11) and Jacqueline Pollock (6) were tragically killed in a motor accident in Northumberland, England. One year later, their mother gave birth to twins Jennifer and Gillian. Remarkably, the younger twin, Jennifer, had birth marks on her body in exactly the same place as Jacqueline had them. The coincidences don’t stop there, either.
Thankfully, they aren’t as terrifying as these two.
Before too long the twins were requesting toys belonging to the deceased girls which they had no prior knowledge of, and desiring to visit a park they had never been to. A well-respected psychologist at the time, one Dr. Ian Stevenson, studied the case in-depth and concluded it was likely the twins were reincarnations of their departed sisters.
SOURCE AND MORE CASES OF REINCARNATION 
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07/12/2015

A Companhia

Nós todos sabemos o que é um porão assustador. Nós todos sabemos o tipo de sentimento que nos alcança quando desligamos as luzes antes de correr pela escada, rezando para que nada agarre nosso tornozelo até que nós alcancemos o último degrau.

Quando criança é normal ter medo de lugares escuros da sua casa, aquele lugar mais “gelado” e escondido onde ficam guardadas as decorações de natal durante todo o ano. Acho que “horripilante” não descreve... Palavras como “perturbador” e “bizarro” são mais adequadas.

No entanto, para mim, havia um local mais assustador do que todos os outros: nosso mais novo banheiro – se localizando no porão – que a meu ver guardava apenas pedaços de parede arrancados, um odor de sujeira que parecia se agarrar a qualquer pessoa que entrasse lá e aranhas do tamanho de ratos em cada canto, e às vezes, se enfiando nas suas meias.

Eu tinha que descer uma escada que rangia demais, coberta com um carpete que não seria visto em toda extensão, já que a maioria dela não era alcançada pela luz, até chegar ao banheiro. Lá, eu tomaria banho todas às manhãs; , eu me protegeria com a porta fechada, o único resquício do banheiro antigo que ainda estava lá.

Naturalmente, a porta seria a última parte a ser substituída... A parte do banheiro que não era como as outras, e teria que ser substituída – meus pais disseram que “seria apenas por um dia” – o que significava uma noite, uma manhã e um banho onde eu não teria a porta para me proteger. Ela seria retirada e eu teria que esperar até que uma nova porta chegasse.

Eu não perderia esse dia... Só de pensar nele me faz querer dormir mais cedo, ou talvez nem dormir.

Eu abri o chuveiro, permitindo que o primeiro jato de água gelada saísse e alguns segundos depois, apenas água quente e relaxante saia dali. O chuveiro é igual todos os outros – era o que eu dizia para mim mesmo – entrando no Box e o fechando em seguida.

Observei os objetos que agora descansam do outro lado do vidro, completamente distorcidos, e sem a porta do banheiro no devido lugar, consigo quase que nitidamente ver a lavanderia. Eu me movo, ainda observando as coisas pelo vidro e tudo que pareço enxergar são criaturas pequenas contorcendo-se umas com as outras, sabendo que aquela era a hora de atacar.

Existe um tipo específico de sentimento que parece tomar todo o corpo de uma determinada pessoa assim que uma presença distinta é notada; você tenta não chamar atenção, como ficar congelado em uma determinada posição, mas o “gelo” parece querer quebrar, então você tenta não se mover, tenta não respirar.

Eu estava assim naquele momento.

Eu entro de forma determinada embaixo do chuveiro, me arrepio enquanto meu corpo se mantém quente na água e estremeço quando percebo o quão gelado meus dedos do pé estavam.

Derramo um pouco de Shampoo em uma das mãos e o aplico no meu cabelo, rapidamente me enfiando embaixo do chuveiro novamente e abrindo meus olhos o mais rápido possível, só para ter certeza de que as coisas do outro lado do vidro ainda são as mesmas... Mas fechar os olhos é inevitável, e eu repito a ação, ainda lavando meu cabelo furiosamente para poder abri-los novamente.

Com apenas quatro sentidos trabalhando, eu começo a entrar em pânico, e é nesse momento que a água – que até aquele momento estava deliciosamente quente – fica gelada. Afasto-me rapidamente da mesma, e minha boca se abre automaticamente enquanto eu solto um pequeno suspiro. Viro-me de novo, colocando uma das mãos embaixo d’água e esperando que ela voltasse à temperatura normal.

Ainda estou esperando, e ainda está gelada.

Eu até teria desligado o chuveiro e ligado novamente, ou esperaria mais um pouco para ser recompensado com um jato de água quente.

Isso teria acontecido se já não houvesse uma mão no puxador.

Abri meus olhos imediatamente enquanto parecia que cada músculo do meu corpo tentava atravessar minha pele, logo depois veio o ardor e tão de repente quanto ele, raios de luz pareciam alcançar meus olhos e meu rosto. Eu precisava abrir os olhos, mas não conseguia.

Existe um tipo específico de sentimento que te atinge quando você percebe que está em perigo, mas não pode usar seus sentidos.

Parece com o sentimento que te acompanha quando você acorda no meio da noite depois de ouvir um barulho e não consegue achar o interruptor da lâmpada no escuro; você se arrasta pra fora da cama e caminha nas pontas dos dedos em total escuridão, acender a luz é seu único pensamento, mas por algum motivo o interruptor parece te enganar... Sua mão procura freneticamente nas paredes, seu coração bate tão forte que parece te ensurdecer enquanto você caminha pelo lugar em círculos.

Atualmente, esse sou eu.

Isso tudo é demais pra minha mente, estou tremendo enquanto me encolho no chão do banheiro, aquela sensação... Como se aranhas caminhassem em toda extensão do meu corpo enquanto eu espero que alguém toque minha pele molhada. Meus olhos ainda queimam e eu tento pegar um pouco de água gelada que ainda saia do chuveiro, jogando-as em meus olhos, tentando abri-los ao mesmo tempo. Pisco algumas vezes com meu rosto virado para baixo e tento capturar toda coragem possível para fixar meus olhos no puxador, e enquanto a água gelada ainda me atingia percebi que a mão não estava mais ali.

Era como se a vida houvesse retornado ao meu corpo.

Eu estava quase convencido de que havia imaginado tudo, eu teria levantado e terminado meu banho no – agora – jato de água quente que saia dali e com todos os meus sentidos funcionando.

Isso teria acontecido se um vento frio não houvesse entrado no Box e alcançado minha pele, fazendo com que um frio imenso percorresse toda minha espinha e meus braços.


Eu teria me convencido de que havia imaginado tudo se aquela coisa tivesse se lembrado de fechar a porta do Box. 




03/12/2015

Algas

Minha avó cresceu num bairro pobre da era-proibida de Chicago. Sua família vivia em uma pequena casa perto do porto, e uma de suas primeiras lembranças era de um verão particularmente quente quando, procurando refúgio do calor, ela e sua irmã descobriram uma seção raramente usada de calçada à beira-mar perto de um armazém abandonado. Todas as noites, durante várias semanas, as duas meninas fariam o seu caminho até as docas e se sentariam juntas na beira do cais, enquanto o sol se punha. Minha avó vividamente, e por um tempo carinhosamente, recordava da sensação de algas entre os dedos dos pés enquanto ela e sua irmã balançavam seus pés na água turva.

Isso até anos depois quando ela voltou para o cais e descobriu que o armazém tinha sido demolido. Curiosa, ela fez uma pesquisa no Departamento de Planejamento e Desenvolvimento. Aparentemente, por um tempo o armazém tinha sido propriedade da máfia, que estava usando-o como uma base de operações para uma rede de prostituição local. Isso só tinha sido descoberto quando um associado começou "eliminar" prostitutas rivais, calçando-as com sapatos de concreto e despejando-as no porto. Agentes de investigação tinham recuperado quase duas dúzias de corpos das águas de um cais isolado perto dali.

Como os corpos tinham sido descobertos? Um pescador avistou um pouco do cabelo das vítimas flutuando perto da superfície da água, como algas.
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Traduzido daqui.

01/12/2015

Preguiçosa noite de sábado

Aqui estou eu, todo aconchegado na cama, aquecido e satisfeito debaixo das cobertas de seda macia, assistindo algum documentário estúpido na TV que eu nunca tinha ouvido falar. Eu ia desligar a TV, mas o pote de sorvete de cookies não me deixou usar mãos para outra coisa senão colocar o deleite congelado em minha boca. Noites como esta são raras, não é sempre que todos estão fora de casa, menos eu, para que eu deixe de saboreá las. Na verdade eu não estava esperando que ninguém voltasse até a manhã. Isso que fez o som da porta abrindo no andar de baixo ser tão alarmante.

O pânico me atinge como um trem a vapor, eu silenciosamente pulo para fora das cobertas, derramando o sorvete por todo o tapete branco imaculado no chão, e abro o armário ao lado da cama rangindo. Ouço passos, pesados e indiscretos, como se eles quisessem que eu saiba que eles estão aqui. Eu ofego e pego a colher que eu estava usando para desfrutar de uma noite relaxante. Os passos ficam mais altos, eu me forço para o espaço minúsculo restante no guarda-roupa, e fecho a porta,bem quando o estranho abre a porta do quarto, não deixando nenhum segundo de silêncio.

Espio através do espaço, seu rosto parece familiar, mas não sei bem dizer de onde eu o conheço. Ele localiza o sorvete derramado, e vira a cabeça por toda a vasta extensão do quarto.

"Olá?", Ele chama, não soa cruel, mas eu cometi esse erro antes. Nunca, sob quaisquer circunstâncias, acredite na simpatia de uma voz.

Ele olha debaixo da cama. Oh merda, ele está à procura de alguém. Eu seguro um gemido, e começo a curvar a ponta da colher para trás, esperando quebrá-la e criar alguma forma de me defender. Ela se quebra, mas cria um clique metálico, o homem vira a cabeça, e vem em direção ao guarda-roupa, eu estou tremendo agora. Por favor, não abra, por favor, não abra, por favor, não abra!

A porta se abre, e ele me vê, nós gritamos simultaneamente com medo e surpresa. Sem hesitar, eu salto para o homem, e começo a cavar em qualquer pedaço de carne que consigo com a borda afiada da ponta da colher, ele grita de dor, mas eu não vou parar, eu apunhalo profundamente em seu peito e pescoço, mais e mais, até que ele fica imóvel. Eu já o matei.

Eu choro de desgosto, e disparo até o térreo e para longe da casa, eu corro pela estrada até que eu sinto que estou longe o suficiente. Sento-me por um momento, e expiro fortemente antes de recuperar a compostura. Pegando meu celular, eu abro o Twitter e pesquiso "#festa", esperançoso que desta vez, eu encontre um morador que não esteja mentindo quando disser que vai estar fora durante toda a noite.
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Traduzido daqui.


30/11/2015

Vizinhos

Esta semana eu me mudei para uma casa nova. A casa em si é adorável, com dois andares, três quartos, dois banheiros, um quintal cercado e uma cozinha grande. A árvore no jardim da frente é alta e forte e faz um bom trabalho bloqueando as janelas da sala para a rua, a pressão da água é fabulosa, os armários são grandes, e os pisos laminados são novos. O único problema que eu tive até agora é que os meus vizinhos são bem barulhentos. Nossas casas são conectadas de um lado, então nós dividimos as paredes da sala de estar, do quarto e da cozinha. Durante todo o dia, eu posso ouvi-los mexendo em sua cozinha, assistindo filmes no último volume, falando e seu filho pequeno chorando. É um pequeno esforço, mas nada com que eu não possa conviver, suponho.

Agora, para chegar diretamente à coisa que realmente me preocupa, tudo começou quando eu estava no chuveiro esta manhã. Eu normalmente gosto de ouvir música enquanto tomo banho, mas hoje eu decidi que eu preferia apenas desfrutar do silêncio. A atividade foi bastante tranquila, até que, enquanto eu estava no meio da lavagem do meu cabelo, eu ouvi meus vizinhos falando do outro lado da parede. Eu não conseguia entender o que eles estavam dizendo, mas pareceu estranho para mim. Parecia que eles estavam murmurando algo, sussurrando e, ocasionalmente, rindo baixinho, mas eu não conseguia entender como eu podia ouvi-los se eles estavam, evidentemente, falando em voz baixa. Eu pensei que eles deveriam estar de pé absurdamente perto do lado deles da parede, para ser tão audível no meio do meu banho.

Eu não pensei muito neste incidente até que eu estava saindo para o trabalho uma hora mais tarde. Enquanto eu começava abrir a porta do carro, eu me virei de volta para casa, sentindo como se eu tivesse esquecido alguma coisa. Quando olhei para cima, na direção da janela do meu quarto, eu percebi que a casa do vizinho compartilha uma parede do lado oposto do banheiro. Do outro lado da parede do banheiro fica o meu closet.

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Traduzido daqui.

26/11/2015

Não Deixem Suas Beliches Perto Dos Espelhos

Parece que aconteceu na noite passada. Talvez realmente tenha acontecido. Ou talvez isso nunca aconteceu e está tudo na minha cabeça, mas na duvida, posso perguntar ao meu padrasto e já sei o que ele irá dizer: “Aconteceu, realmente aconteceu”. Só parece... Inacreditável. Não me interpretem mal, não é algo extremamente assustador, por isso não espere muito.

Só é estranho, um pouco assustador. Tipo, aquele nível de assustador que faz com que eu me arrepie quando conto pra alguém.

Bem, eu costumava dividir um quarto com minha irmã. Ela é mais nova do que eu, diferença de 2 anos. E, pensando bem agora, me pergunto como conseguimos dividir um quarto por tanto tempo. Quer dizer, eu sei que é normal dois irmãos brigarem de vez em quando, isso não chega a ser chocante. Mas quando nós brigávamos, era de tirar sangue uma da outra.

Eu culpo minha mãe pela maioria, se não por todas as nossas brigas. A rivalidade era muito forte com a gente. Eu era a espertinha da família. Amo ler livros. Já ela, era mais ligada em qualquer outro tipo de coisa. Mas isso não impedia que nossa mãe ficasse nos comparando, tipo, constantemente.

"Shay, por que não pode ser mais parecida com sua irmã?" "Lee, por que não pode ser mais parecida como sua irmã?". Shay era muito mais organizada do que eu, que era uma pateta nesse sentido. Mas eu juro que ela só limpava tanto assim, pra que nossa mãe começasse a reclamar de mim, destacando meus defeitos.

Mas então encontramos o sentido de “irmãs” quando nossa mãe nos apresentou ao nosso novo padrasto. Ele era meio intrusivo, e parecia se forçar dentro de nossas vidas. De repente, as coisas em casa começaram a mudar.

Por exemplo, nossa mãe normalmente fazia a maioria das tarefas de casa. Ser uma mãe solteira com duas meninas de personalidades fortes não deve ter sido nada fácil para ela. Então deixar que alguém entrasse e mudasse o rumo das coisas era provavelmente uma intrusão muito bem-vinda para ela.

A coisa assustadora que aconteceu, foi quando me mudei pra fora do quarto de Shay. Nós só dormíamos juntas pra tentar parar a briga entre nós. Nossa mãe parecia pensar que nos obrigaria a conviver juntas nos colocando naquele quarto minúsculo. Então, quando as brigas finalmente começaram a parar (embora eu achava que era por causa do novo Xbox, graças ao nosso novo padrasto), ela me deixou voltar pro outro quarto de nossa casa.

Fiquei emocionada quando finalmente arrastei minha cama pra fora da beliche que nós compartilhamos. Era totalmente branca e com placas de madeira, bem simples. O pouco espaço que compartilhávamos era absolutamente dominado por ela. Não cabia mais nada, como um sofá ou coisa do tipo. Gostávamos de empurrá-lo pra mais perto do armário, para que pudéssemos sentar-nos na cama e assistir TV. Na verdade, era a nossa mãe que sugeria essa “mudança”. Reclamava que estávamos sentados muito perto da TV, que nossa visão iria sofrer por isso, etc. Então nós a empurrávamos pra mais longe, pra que mamãe parasse de encher o saco.

Agora, o armário era uma daqueles onde as portas eram cobertas por espelhos. Mamãe sempre costumava dizer-nos para não empurrar a cama muito perto deles.

Na noite que isso aconteceu, ficamos acordados jogando “Simpsons: Hit and Run” até cerca de 01:00. Então me mandaram ir pra minha cama. Pela primeira vez, eu sai do quarto, deixando minha irmã dormir sozinha lá.

Não ouvi nada sobre isso até a manhã seguinte. Eu sou uma pessoa movida a café da manhã, o que significa que eu preciso dele, ou simplesmente não funciono pelo resto do dia. Igualzinha minha irmã. Era a influência de nossa mãe novamente... Ambos estávamos comendo nossos cereais, quando meu padrasto entra na cozinha. Minha mãe estava preparando um café da manhã que estávamos famintas demais pra esperar, e por isso, estávamos devorando o cereal.

Meu padrasto deu uma olhada estranha para a minha irmã, e se juntou a mamãe na cozinha. Nós duas notamos. Eu levantei minhas sobrancelhas pra ela, e ela revirou os olhos.

"Você se lembra o que você fez na noite passada, Shay?". Parei imediatamente com minha colher na boca. Shay virou a cabeça.

"... Não". Meu padrasto sorri pra minha mãe que estava sacudindo a cabeça. Coloquei minha colher pote, confusa. O que... O que aconteceu... Por que eles estão... Não poderia adivinhar nem mesmo se ficasse pensando durante 1 semana.

"Eu me levantei para ir ao banheiro. E ouvi vozes, sussurros. Pensei que eram vocês duas conversando. Então fui até seu quarto para lhes dizer que já havia passado da hora de dormir. Mas quando abri a porta, Lee não estava lá. Tudo o que eu vi era você, Shay, deitada de barriga pra baixo na cama de baixo. Você estava apoiando a cabeça com suas mãos... Estava falando com o espelho ."

Deixei escapar uma risada e olhei para Shay. Seus olhos estavam arregalados, mas ela tinha um pequeno sorriso em seu rosto, como se ela estivesse confusa...

Meu padrasto balançou a cabeça, ainda sorrindo: "Não, estou falando sério! Foi estranho. Você estava falando com o espelho. Sussurrando. Mas eu não conseguia entender o que diabos estava dizendo. Era como uma mistura doida de línguas. Eu parei e disse: ‘Shay, o que você está fazendo?’ Porque você estava muito bem acordada. Seus olhos estavam bem abertos. Você não se lembra de nada disso?". Minha irmã apenas balançou a cabeça, olhando para mim. Meu padrasto deu uma risada e continuou.

"Você simplesmente parou e, sem se mover, virou a cabeça na minha direção e olhou direto pra mim. Eu não sabia o que dizer. Fiquei arrepiado. Então só recuei um pouco e comecei a fechar a porta novamente. Fiquei aterrorizado! E sabe o que mais você fez?".

Nesse ponto, senti que meu sorriso havia congelado no meu rosto. Tenho uma imaginação muito fértil, e eu estava vendo a coisa toda se desenrolar na minha mente. Por alguma razão, eu não conseguia olhar para a minha irmã. Ficava olhando pra minha mãe, e ela estava com um sorriso no rosto também.

"Você se virou de volta pro espelho e começou a falar de novo. Fiquei olhando pela pequena abertura que deixei com a porta. Você estava sorrindo também."

Nossa mãe interrompeu: "Viram só? Eu disse pra vocês não deixarem a cama muito perto dos espelhos. É exatamente por isso". Curiosa, perguntei: “Por quê?". Mamãe apenas se virou e voltou pra cozinha. Meu padrasto ficou olhando para a minha irmã.

"Você realmente não se lembra de nada disso?". Minha irmã apenas balançava a cabeça, mas de repente, ela parou no meio e disse: "Só me lembro de ter tido um sonho estranho na noite passada. Havia uma garotinha sentada na minha cama, mas isso é tudo o que me lembro".

Estou muito feliz por não estar mais dormindo naquele maldito quarto.

25/11/2015

A Luz no Céu

Minha família tem vivido por todo o sul da Califórnia, de San Diego a Los Angeles e vice-versa. Durante alguns anos, nós vivemos fora de Los Angeles, em um vale ao norte da cidade, uma área chamada Valencia. As pessoas eram especialmente amigáveis aqui. Era uma vizinhança de classe média alta conhecida por suas escolas e valores familiares excepcionais. Esse era o tipo de lugar no qual você poderia andar de bicicleta à noite e ninguém se preocupava que nada de ruim acontecesse.
Também era um lugar conhecido por suas colinas e cânions. Havia tantas trilhas de bicicleta quanto ruas na cidade. Meus amigos e eu costumávamos explorar os cânions à noite em nossas bicicletas, apenas para ver o céu noturno e sentir a brisa fresca contra os nossos rostos.

Andávamos de bicicleta fora das estradas de nossas casas e explorávamos as grandes e intermináveis trilhas que se expandiam até os cânions e o vazio do deserto. Uma noite, meus amigos e eu fomos por uma trilha conhecida, que estava menos gasta do que as que costumávamos ir. Era tarde, por volta de onze horas, mas era verão, então nós não tínhamos horário para voltar. Como eu disse, era um lugar seguro para se viver.

Andamos fora da cidade, passando por suas luzes brilhantes até a densa escuridão. Não conseguíamos ver muita coisa, apenas a lua e o brilho fraco da cidade abaixo de nós. Fomos mais fundo no cânion, até que nos deparamos com uma luz branca imensa que atingia o céu.
Nem preciso dizer que ficamos intrigados. Parecia que alguém estava tentando chegar no espaço, como se a lanterna de um telescópio gigante estivesse indo daqui até Júpiter. Obviamente, decidimos explorar a luz misteriosa.

Fomos até a luz como se estivéssemos sendo atraídos por ela. Havia um grande espaço vazio e aberto no cânion de onde a luz saía. Meu coração batia violentamente em meu peito. Respirei fundo e olhei para a escuridão.

Assim que nos aproximamos de uma floresta cheia de pequenas árvores e arbustos, percebemos que no meio dela havia uma grande fogueira que brilhava e subia em direção ao céu, e ao lado estava a luz que brilhava rumo ao céu noturno. Nos aproximamos mais um pouco, abandonando nossas bicicletas na trilha e caminhando vagarosamente até o fogo. E foi então que ouvimos os cânticos. Era um cântico baixo e gutural que vinha do fogo. Conforme nos aproximamos, vimos que não estávamos sozinhos.

Pessoas trajando capas pretas cercavam o fogo por todos os lados. Elas cantavam em algum idioma que eu não reconhecia. Havia mais ou menos cinquenta delas. Nós estávamos perto o suficiente para ver que as capas eram mantos compridos com capuzes cobrindo seus rostos. O manto de todos era preto, com exceção de uma pessoa cujo manto era vermelho carmesim. E então vimos a garota.

Havia um grande poste no chão com uma jovem amarrada a ele. Podíamos ver a expressão de seu rosto. Ela estava morta de medo. O homem de capa vermelha segurava um grande livro de couro encadernado. Ele rondou o fogo e colocou o livro sobre um pedestal, e então pegou uma faca comprida. Ele andou em direção à garota, a faca brilhando sob a luz do fogo.

Neste momento, meu amigo deu um passo à frente, colocando todo o seu peso sobre um galho seco da árvore. Ele se quebrou como uma fina taça de vidro. Imediatamente, as figuras encapuzadas se viraram em nossa direção. Sem hesitar, eles começaram a correr. Não esperamos para ver o que aconteceria. Pegamos nossas bicicletas e corremos sem olhar para trás. O cântico aumentou em nossos ouvidos - eles estavam se aproximando.

Pulamos em nossas bicicletas e voltamos correndo pelo mesmo caminho que havíamos ido. Olhei para trás para dar uma última olhada,  e tudo o que vi foi uma multidão de figuras encapuzadas em pé à beira da floresta. Eles nos observaram ir embora.

Meu pai arranjou outro emprego alguns meses depois e nos mudamos do vale. Entretanto, o que vi naquela noite nunca ficou para trás. Porque eles estavam lá? Porque havia uma garota amarrada em frente ao fogo? Havia milhares de perguntas não respondidas, do tipo que te faz ficar acordado à noite.

A coisa mais perturbadora, contudo, aconteceu cerca de um mês depois de nos mudarmos. Um dia, em nossa nova casa, eu acidentalmente encontrei uma caixa em nosso sótão. Eu estava procurando por alguns de meus livros que desapareceram na mudança quando bati minha cabeça em uma viga. Uma enorme caixa comprida caiu em cima de mim.

Sentei-me, abri a caixa e tirei alguns itens peculiares, coisas que nunca havia visto. Havia um colar de pentagrama e um pequeno jornal preto com a parte da frente repleta de anotações. Havia também uma foto minha e de meus amigos de nossa antiga vizinhança em nossas bicicletas.

Peguei os itens e coloquei-os no chão perto de mim. E então, eu vi. Na parte inferior da caixa estava uma grande mala de roupas, como as que você pega na Laundromat¹.

Abri a mala. Dentro dela havia uma longa e preta capa com capuz. As iniciais de meu pai estavam gravadas bem na frente.

Crédito: Stephen Pate


¹. Lavanderia conhecida nos Estados Unidos cuja franquia é internacional

23/11/2015

Túneis

Antes que eu comece, existem duas informações que você deve considerar:

Você já percebeu que assim que um espelho reflete em outro espelho, depois daquela imagem se repetir várias e várias vezes, tudo começa a se tornar uma grande e infinita escuridão? O espelho pode até estar quebrado, não importa.  A luz vai sempre desaparecer e apenas um eterno túnel escuro irá ficar ali. Não é uma boa ideia criar esses túneis, mas pra quem é curioso – e eu sei que você é – eles podem ser interessantes.

Outra coisa, sim, a sua sósia vive do outro lado do espelho. A parte boa é que eles são inofensivos e não fazem a menor ideia que você existe. Por que eles questionariam suas intenções quando eles não têm nenhuma? Eles vivem com a mesma quantidade de paz que você se permite ter.

Não importa a hora, o dia e o lugar, mas quanto mais escuro for, melhor. É bom também verificar a hora exata que você começar por razões que explicarei depois; você deve ter dois espelhos, um de frente para o outro com pelo menos um metro de distância entre eles. Pare no meio e não faça um som sequer. Na verdade, se for possível, ao conseguir a localização, evite lugares com barulhos externos, esse é um detalhe muito importante, pois eles se assustam facilmente... Especialmente no começo.

Você deve observar seu próprio reflexo no espelho que você escolher.

Conte quantos reflexos você puder até que você possa ver a escuridão aparecendo, dependendo da quantidade de luz em que você está localizado, esse passo não levará mais de 20 minutos. Sinta-se a vontade para contar na velocidade que quiser.

Assim que você começa a enxergar a escuridão, seus olhos vão capturar uma forma pálida emergindo nos túneis e depois fugindo do seu campo de visão. Isso pode ser apenas sua mente tentando te enganar no começo, mas logo você realmente poderá vê-los mais e mais nitidamente. Quando eles começarem a aparecer em intervalos menores você poderá sentir uma alteração da sua própria imagem no seu reflexo, mesmo que ao toque seu rosto ainda seja o mesmo.

Se alcançar esse ponto, saia de perto dos espelhos imediatamente, deixe o quarto – ou qualquer local que você escolheu – e feche a porta atrás de você. Eles acordaram.

Se no segundo dia você sentir a curiosidade que sentiu no primeiro, pode repetir o mesmo processo descrito acima. Deve começar no mesmo horário do dia anterior, esse é o motivo pelo qual você deveria ter gravado a hora exata. Aquelas coisas que você viu por apenas alguns momentos podem aparecer mais rapidamente caso tenham confiado em você, seu reflexo pode aparecer um pouco tremulo, mas é apenas um truque da mente, nada que você deva se preocupar.

Assim que você terminar de contar o máximo de reflexos que conseguir, pisque apenas uma vez para recuperar o foco e não feche os olhos novamente – não é como se você pudesse mesmo se quisesse –.

Você vai notar que eles começam a aparecer não só nos reflexos mais distantes como nos mais próximos também, mas você não sabe dizer se eles tem rosto ou feições que lembram humanos.

Não deixe sua curiosidade te cegar, procurar por semelhanças humanas em algum deles é inútil, mesmo sabendo que você vai continuar tentando entendê-los.


Se eles aparecerem com menos de seis reflexos distantes do seu, eles se tornaram finalmente confortáveis com sua presença e você, com a deles. Eles se tornaram bonitos demais para serem ignorados; você ficou concentrado demais para notar seu próprio reflexo te avisando, apontando e te mostrando a coisa que tentava desesperadamente te alcançar no espelho atrás de você. 

Finalmente Acordado - Parte 2

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O médico aproveitava sua xícara de café na sala quando a enfermeira cutucou-o e pediu que fosse ajudá-la na emergência imediatamente. O homem podia ver o pânico nos olhos daquela mulher, então decidiu que não devia perguntar nada, apenas segui-la. Sete anos na ala de traumas do hospital o ensinaram que haviam horas em que podia-se fazer perguntas e outras onde só se escutava e corria. Deixou o café no balcão, perto do jornal do dia, e foi como uma bala atrás da enfermeira.

Quando chegou na emergência, os paramédicos chegavam com a maca no hospital. Deram uma rápida descrição da situação do paciente e tudo o que haviam feito para mantê-lo vivo. Não disseram o que acontecera com ele. Parecia que ele tinha entrado numa briga com uma máquina de moer carne e saído com vida milagrosamente. Dois plantonistas foram e ajudaram a guiar a maca em direção à Sala de Emergência 1 enquanto a enfermeira checava o que os paramédicos haviam lhe feito.

O médico começou a an
alisar a condição do paciente. A primeira coisa que percebeu foi seu olho direito. Caído. Só continuava preso ao corpo dele por algumas veias. No lugar do mesmo, havia carne viva. Ele estava todo coberto em sangue. Sua garganta, rasgada, apesar de a traqueia estar bem, só com uma fina camada de pele em cima. Ainda que estivesse vivo, o médico mal lhe podia chamar de sortudo. O resto de seu corpo estava coberto por cortes profundos e haviam, ainda, pedaços de carne e músculo pendurados. Enquanto examinava seu paciente, o médico viu algum tipo de fluido que saía do nariz do homem. Checou as orelhas e viu que tal fluido saía de lá também, portanto constatou que ocorrera algum tipo de lesão cerebral. Soube na hora que aquele homem não sobreviveria mais uma hora, e muito menos a noite toda.

Ele abriu seu olho esquerdo. "Ele ainda está consciente! Tomara que possamos estabilizá-lo até, pelo menos, acharmos seus parentes.", o médico pensou. Sabia que não podia mantê-lo vivo por muito mais, mas talvez pudesse trazer sua família, para que o semi-morto conseguisse passar um tempo perto de seus amados. É muito mais difícil relatar a morte de alguém que se ama quando não há um último contato. Sabe, dizer um "eu te amo", ou "tudo ficará bem" ou, até mesmo, "desculpa ter ficado bravo daquele jeito quando você saiu". As veias dele saltaram em seu pescoço e um pouco de sangue saiu do corte que havia lá, manchando a roupa do médico...

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Em breve parte 3.

21/11/2015

Fitas sobre minha amnésia

Meus pais sempre me contaram histórias sobre a minha infância que, por algum motivo, eu nunca me lembrava. Histórias sobre como eu costumava ter um amigo imaginário chamado Bill, que supostamente vivia dentro das paredes com a sua cobra de estimação chamada Axel. De onde diabos eu inventava essas coisas eu não fazia ideia, mas aparentemente eu passava muito tempo com Bill e Axel, pois meus pais sempre falam sobre isso quando vou visita-los.

Decidi que sairia em uma pequena viagem na semana do natal de 2009. Trabalhando em Manhattan na área de negócios, conquistando muito dinheiro e subindo para a classe média alta nos últimos anos, decidi fazer uma pausa de tudo isso e passar um tempo na casa onde cresci na Pennsylvania. Lá pelo dia vinte e dois de dezembro, cheguei à casa dos meus pais onde eles imediatamente me levaram para o meu antigo quarto.

No momento em que entrei no quarto um arrepio percorreu o meu corpo, não que fosse por um sentimento estranho, sobrenatural, ou desagradável, mas um arrepio pela simples nostalgia, o que era estranho considerando que eu não me lembrava do meu quarto. Eu mal lembrava de qualquer coisa dos meus anos de infância. Apenas me lembro da minha adolescência, na época em que fui mandado para viver com a minha tia por causa do meu transtorno bipolar, o que meus pais não aguentavam mais, porém, agora que já tenho tudo sob controle, não há mais com o que se preocupar.

Tia Janice estava chegando para jantar na casa dos meus pais, então eu iria revê-la depois de quase quatro anos. Não vou mentir, eu me senti um pouco emocional, pensando sobre como mal vi meus velhos e adoráveis parentes desde que consegui o emprego em Manhattan, mas a minha vida pessoal estava indo bem, apesar da minha ‘não tão interessante’ vida amorosa. No momento eu estava me encontrando com uma garota chamada Amanda, mas já não nos víamos há algumas semanas devido a sua viagem para o funeral de um tio na Califórnia.

O jantar era um assado, feito especialmente pela minha mãe. Outra pequena coisa que de alguma forma me lembro da minha infância: a minha mãe cozinhando e dando o verdadeiro significado para o ditado “Assim como a mamãe costumava fazer”. Desejei que Amanda pudesse cozinhar assim. No jantar, a Tia Janice me contou algumas histórias hilárias sobre a minha infância e outros eventos na casa, muitos de momentos festivos e outras reuniões familiares. Infelizmente, não pude me lembrar de nada desses eventos, mas eram divertidos de se ouvir.

Depois doo jantar, Tia Janice teve que ir embora, então eu a beijei na bochecha e ela se foi. Ela ainda preservava a sua boa aparência, apesar de já estar em seus 70 anos. Eu sorri ao observa-la partindo, pois me lembrei dos meus agradáveis momentos da adolescência enquanto morava na casa dela em Pittsburgh. Agora ela morava perto dos meus pais, desde que o marido dela, meu tio George, morreu há alguns anos.

Lá pelas 23:00, meus pais foram dormir e me falaram que eu poderia ficar acordado ate quando quisesse, desde que não fizesse muito barulho. Decidi ficar no meu antigo quarto e assistir um pouco de televisão até ficar cansado, então eu fiz isso, passando pelos canais até não encontrar praticamente nada de interessante. Acabei desligando a Tv e ficando apenas a observar o meu velho quarto.

Abri o meu armário e encontrei os típicos objetos que se encontraria no armário de um garoto: bonecos, Legos, quadrinhos. O que chamou a minha atenção foi uma caixa marrom no fundo do armário, obscurecida por uma pilha de roupas infantis. Afastei algumas roupas peguei a caixa enferrujada, abrindo-a para encontrar seis fitas cassete, todas marcadas com números feitos de crayon na letra de uma criança pequena.

No fundo da caixa encontrei um pedaço de papel dobrado, retirado de um caderno. Peguei o papel e o desdobrei para encontrar, escrito também com crayon, “As Aventuras de Bill e Axel”. Reconheci o nome do meu amigo imaginário e a sua cobra de estimação. Achei aquilo muito interessante e poderia até me ajudar a lembrar de algumas coisas da minha infância. Com sorte, havia um VCR no meu quarto.

Vasculhando a caixa, peguei uma fita intitulada “#1”, e a pus no VCR. O VCR cuspiu a fita algumas vezes, mas na terceira ou quarta vez a fita finalmente entrou e começou a transmitir. Havia apenas estática por uns trinta segundos até que finalmente apareceu: um eu muito jovem no meio do mesmo quarto onde eu estava agora. O quarto estava exatamente igual. Eu estava sentado no meio do quarto, com minha cabeça apoiada em minhas mãos, encarando a parede e murmurando coisas incompreensíveis.

Pensei que eu estivesse brincando de esconde-esconde ou algo assim, então não havia estranhado de primeira. Depois de uns dois minutos comecei a me preocupar, já que a minha versão mais jovem havia começado a murmurar mais alto, porém, de maneira ainda incompreensível, quase como num idioma desconhecido. O som foi cortado completamente, a imagem começou a tremer, as cores começaram a distorcer, e eu pude ouvir um fraco sussurro vindo do vídeo.

Aumentei um pouco o volume para poder distinguir melhor o sussurro, mas de repente um chiado de fazer os ouvidos tremerem saiu do vídeo e uma forte estática tomou conta da tela. Com um salto, corri para o VCR e ejetei a fita, mas é claro que o VCR havia mastigado a fita, destruindo ela completamente. Vasculhei a caixa mais uma vez para pegar uma segunda fita, e a encontrei convenientemente bem no topo da pilha de fitas, com um “#2” escrito com crayon vermelho.

Essa fita começou como a primeira. Quando finalmente surgiu a imagem, não havia som. Parecia uma continuação da primeira, mas agora o jovem eu encarava a câmera, e a minha cabeça não estava mais apoiada em minhas mãos. Meus olhos possuíam profundos círculos negros ao seu redor, e eu parecia extremamente exausto e assustado. Os sussurros surgiram outra vez, porém mais alto e claro que antes. Pude ouvir, para meu horror, um nome ser dito no meio dos sussurros: “Patrick”. Meu nome.

A fita foi rapidamente ejetada do VCR, sozinha, largando por trás um bolo de fitas magnéticas emboladas. Não vou negar que naquele momento eu já estava quase molhando as calças. Eu já sentia que aquela casa possuía algo de anormal. Que aquelas paredes literalmente pudessem falar, e que eu havia bloqueado as minhas lembranças da infância por alguma razão. Isso também teria sido a causa da minha desordem bipolar na adolescência?

Peguei a caixa de fitas e corri para o meu carro, sem nem mesmo me despedir dos meus pais, que estavam dormindo, e dirigi para longe daquele lugar. Eu estava cansado, mas eu tinha que sair daquela casa. Dirigi para a casa da Tia Janice e contei tudo para ela, mostrando a caixa de fitas. Seu rosto sorridente logo se tornou pálido, parecendo quase assustado, e nervoso. Ela me pediu que sentasse e relaxasse. Ela se sentou ao meu lado, segurando a minha mão, e me contou a verdade por trás de tudo: as fitas eram de um teste psiquiátrico para as minhas atitudes devido a uma possessão demoníaca que ocorreu em minha infância. Um exorcismo foi efetuado, e quase resultou em minha morte, e quando o demônio deixou o meu corpo, acabei sofrendo amnesia, e foi por este motivo que fui mandado para morar com a Tia Janice.

Acabei retornando para Manhattan, e no outono seguinte me casei com a Amanda. Não convidei e nem contei para nenhum membro da minha família sobre o casamento, e não vejo meus pais ou a Tia Janice desde aquela noite de 2 de dezembro de 2009. Ainda tenho algumas fitas comigo, mas continuo muito assustado para assisti-las. Tudo o que sei é que o demônio continua espreitando pelas paredes daquela casa.

19/11/2015

Finalmente Acordado - Parte 1

Dor. Aquela foi a primeira coisa que ele sentiu. Não em apenas um lugar, mas em todo o seu corpo. Tudo doía. Uma dor aguda, perfurante. Ele tentou soltar um grito, mesmo que abafado, mas tudo o que sentiu foi um vazio no lugar de suas cordas vocais. E por quê ele não conseguia abrir os olhos? Ele ouvia um milhão de vozes e um rangido metálico repetitivo. Ele se sentiu úmido, como se ele estivesse suando muito. Por quanto tempo ele estivera inconsciente? O que acontecera?

Ele conseguiu abrir o olho por alguns segundos, com muito esforço. Então percebeu: tinha mais alguém com ele no carro enquanto ele passava pela estrada que conectava o lugar onde ele nascera com a cidade. Era uma figura escura que vestia algum tipo de túnica. Ele não se lembrava do rosto daquilo. Só lembrava dos dedos pretos - não, garras! Garras longas, pontudas e pretas que tinham uma certa curvatura pra baixo, que ele via por causa da fraca luz da lua, como se elas tivessem sido polidas. E o som horrível daquilo respirando (se é que posso dizer "respirando"). Parecia que haviam milhares de besouros andando pela garganta daquela criatura enquanto o ar entrava e saía. E então, o quê mais? Escuridão. Ele não se lembrava.

Ele se esforçou o máximo que pôde, e conseguiu abrir um olho, seu olho esquerdo. Não era nem seu olho bom. Ele conseguiu olhar a sua volta, mesmo que sem muita clareza, e viu que estava cercado por rostos. Uma mulher, que aparentava não ter mais de 30 anos, com seus cabelos marrons amarrados atrás de sua cabeça olhou pra ele, em choque.

-O que aconteceu com esse homem? - Perguntou um homem que estava do lado oposto da mulher. Ele podia ver mechas cinzas no meio de seu cabelo preto. Usava óculos escuros, como os de aviador. Havia uma máscara azul em seu pescoço. Ele podia ver mais dois homens um pouco mais a frente, mas esses iam em outra direção.

Ele o ouviu aquele rangido de novo. Percebeu que estava numa cama de hospital. Olhou para o homem de óculos escuros.

-Tudo vai ficar bem. - disse. Seus olhos, entretanto, diziam o contrário.

Ele imaginou o que poderia ter acontecido com ele. "Por quê não consigo abrir meu outro olho?" Ele pensava e fazia tanta força para poder falar que sentiu as veias de seu pescoço saltarem. Ele sentiu outra dor intensa em seu olho direito. Decidiu que era melhor só ter um olho só para ver o que estava acontecendo do que piorar a dor que ele já sentia.

Ele começou a se sentir fraco...








P.S.: essa foi só a parte 1, tem mais 2 pela frente! estou fazendo isso por vocês e seus pedidos do Facebook <3
P.S.2: a próxima parte deve sair logo, assim que eu arranjar tempo. espero que entendam

bjs

18/11/2015

Crianças Estranhas - Final

Leia o começo da história aqui: Parte I


Minha mente adolescente estava cheia mais uma vez com imagens do pesadelo, mas eu fiz o meu melhor para ficar focado na realidade. Ela era a última pessoa que teria ido para o outro lado do riacho, e se as crianças estranhas já tivessem se aventurado para fora da floresta, certamente as pessoas da cidade falariam sobre eles, certo?

Armado com estas racionalizações eu decidi ir a nossa clareira favorita e esperar por ela. Ela não estava lá quando eu cheguei - parte de mim esperava que ela estivesse esperando na grama, pronta para rir na minha cara quando soubesse como eu tinha andado para cima e para baixo o caminho mais de duas vezes antes de pensar em verificar o nosso local - e com uma hora passada lentamente, comecei a me perguntar se algo de ruim realmente tinha acontecido com ela. Mas, se alguma coisa tinha acontecido, o que eu ia fazer sobre isso? Eu não tinha ideia de onde ela morava, e ela era a única criança que eu conhecia na área.

Quase inconscientemente, comecei a ir à direção do riacho. Eu só tinha prometido que não iria atravessá-lo, depois de tudo, e se ela estava tão preocupada com o meu paradeiro ela deveria ter me deixado saber onde ela estava. Além disso, se ela tinha sido capaz de superar as crianças estranhas quando elas estavam ao lado dela, eu seria capaz de fugir muito antes que elas chegassem perto.

Minhas pernas estavam cheias de uma energia nervosa e vertiginosa enquanto eu continuava andando, às vezes em um ritmo rápido e outras apenas pondo um pé na frente do outro. Assim que o próprio riacho estava à vista, comecei a passar de uma árvore para outra, usando-as como uma capa contra o que quer que pudesse se esconder do outro lado do riacho. Aproximei-me mais, cauteloso para não perturbar nem mesmo um único galho na minha abordagem.

Finalmente eu tinha apenas alguns metros até a margem do riacho. Eu me agachei e silenciosamente coloquei minhas mãos nos joelhos, me aproximando do último trecho e mantendo um estreito contato visual com as árvores à minha frente. Eu falei o nome de Jessie em voz baixa, forçando meus ouvidos para a floresta para pegar qualquer coisa de interessante, mas nada aconteceu. Era apenas mais um dia comum e eu era apenas um garotinho estranho sussurrando na floresta.

Eu estava prestes a me virar quando um lampejo de movimento chamou minha atenção. Eu não tinha notado isso antes porque eu estava examinando o chão, mas virando os olhos para cima, vi uma silhueta de algo que eu não conseguia entender. Ele balançou suavemente na brisa como se estivesse suspenso a partir dos ramos. As folhas romperam a forma distante, que deveria estar a vários metros de distância, e eu imediatamente esqueci minha promessa à Jessie; eu tinha que saber o que essa coisa era. Assim como eu estava prestes a balançar as pernas para baixo da margem do riacho, uma voz sobressaltou aos meus pés em um instante.

"O que você está fazendo?" Jessie estava de pé atrás de mim, se agarrando em uma árvore como se ela pudesse cair sem o seu apoio. Embora seu tom fosse de raiva, seu rosto estava branco-fantasma. Ela fez um sinal, claramente não disposta a ir mais perto do riacho do que ela estava. Virei meu corpo, levantando o braço para apontar para a coisa que eu tinha visto na copa das árvores, mas eu não consegui relocalizar.

“Eu... eu vi alguma coisa.” Eu disse, procurando nas folhas pela forma balançante.

“E com alguma sorte aquilo não viu você.” Ela sussurrou, batendo o pé no chão. Eu balancei minha cabeça, minha curiosidade de menino superando seu medo óbvio.

“Não seja um gatinho assustado”, eu disse, me agachando para ver se eu conseguia localizar a figura nos ramos. Em resumo, eu imaginava se tinha se movido, mas parecia impossível. O que quer que fosse, não era animado. “Eu vou atravessar.”

"Não!" Jessie gritou, se lançando para mim. Eu já estava assustado com seu grito, e ela colidiu em mim com força total, fazendo com que nós dois caíssemos da borda para o riacho. Nós gritávamos e nos debatíamos enquanto caíamos, nós dois aterrissando nas minhas costas. A água barrenta balbuciava sobre nós e eu me afastei, me puxando para a margem do riacho. Jessie me seguiu, mais por um desejo de sair da água do que qualquer coisa.

"Muito bem", eu disse sarcasticamente. A água estava realmente refrescante no calor do verão, mas nós sabíamos que em pouco tempo nós estaríamos nos afogando em umidade, nossas roupas molhadas sufocando nossos corpos. Eu me arrastei para cima do lado oposto do riacho, levantando mais uma vez os meus olhos para os galhos para encontrar o que eu tinha visto.

"Por favor, por favor, podemos ir?" Jessie estava ao meu lado, segurando meu braço, apesar do fato de que eu era bem uns quinze centímetros mais baixo que ela. "Nós realmente precisamos ir, por favor!"

"Vai, apenas um pouco mais!" Maravilha e emoção tinham ultrapassado todas as outras emoções em minha mente. Antes, quando o riacho era apenas uma memória, era fácil imaginar um mundo de monstros à espreita do outro lado do caminho. Agora que eu estava aqui, à luz do dia, senti-me fortalecido. Eu podia ver que não eram monstros, então, obviamente, eu estava seguro.

Tenho sorte de estar vivo.

Puxando Jessie para frente, eu caminhei para o ponto onde eu tinha visto a coisa pendurada nas árvores, mas agora ela estava longe de ser encontrada. De onde eu estava eu ainda podia ver o riacho, e eu tentei me imaginar agachando do outro lado, olhando para os galhos. O vento soprou preguiçosamente através das folhas, balançando-as, mas não havia nada anormal pendurado do dossel.

"Eu vi alguma coisa aqui", eu disse em voz alta, justificando a minha persistência para Jessie. Eu me sentia mal por arrastá-la a um lugar em que obviamente ela não queria estar, e eu pensei que se eu tivesse algo para mostrar para ela, talvez ela teria entendido. Em vez disso, lá estava eu, olhando para as árvores como um idiota com uma garota apavorada agarrando-se a meu lado. Seus olhos corriam para trás e para frente através da linha das árvores, como se à espera de alguma coisa para aparecer e nos atacar de repente.

Recusando-me a sair de mãos vazias, eu nos movi lentamente para frente. À medida que prosseguíamos, as árvores a nossa volta pareciam ficar mais quietas, como se estivéssemos entrando em uma espécie de zona morta na floresta, um lugar onde até mesmo os pássaros e bichos se recusavam a ir. As unhas de Jessie cavavam em meu braço, mas ela ficou ao meu lado, sem fazer qualquer barulho, exceto um pequeno gemido com cada exalação.

Depois de mais cinco ou dez minutos de caminhada, nos deparamos com um afloramento rochoso que se projetava para fora da terra, e um pequeno buraco que levava para baixo. Intrigado como eu estava com a promessa de mais aventura, algo mais chamou nossa atenção: uma estranha boneca encostada na boca da caverna, de frente para nós. Sua testa alongada pendia um pouco sobre o seu rosto, fazendo o lado superior direito da sua cabeça côncava. Seus olhos eram pequenos, pretos e lustrosos, brilhando ao sol do meio-dia, e tufos de cabelo tinham sido colocados em seu couro cabeludo de forma desorganizada. Ela estava vestida apenas com um pequeno macacão de sarja que cobria a suja pele de pano. Antes que eu pudesse respirar para comentar sobre isso, Jessie foi ferozmente me puxando para longe.

"É isso aí! É um deles" Ela estava praticamente gritando, um terror cru vindo através de sua voz, mas sua reação foi me assustar mais do que o próprio objeto – aquilo era uma criança estranha? Uma boneca de grandes dimensões?

"Acalme-se!", Eu disse, puxando-a de volta. "Não pode ser! Olhe para ela, ela não está respirando! É apenas uma boneca!" Puxando meu braço para fora de seu aperto, Jessie caiu de cara no chão, mas estava de pé um segundo depois. Ouvi-a começando a correr e virei para dizer a ela que ela não precisava chegar mais perto se ela estava com medo, que eu iria examiná-lo sozinho.

Assim que eu olhei em sua direção, no entanto, minha voz ficou presa na minha garganta. Onde Jessie e eu estávamos a menos de vinte segundos atrás estava outra boneca, só que desta vez foi diferente. Ele estava limpa e mais benfeita, como se quem tivesse feito a da caverna tivesse aprendido com seus erros. Esta boneca estava de pé ao lado de uma árvore, observando-nos com aqueles mesmos olhos negros, cabelo castanho curto emaranhado com sujeira e aglutinado na cabeça a esmo. Um vestido vermelho esfarrapado agarrado desesperadamente em seu ombro direito, e abaixo dela a pele de pano parecia muito mais limpa do que a outra, muito mais... real.

Antes que eu pudesse dizer uma palavra, Jessie quebrou o silêncio. Eu esperava que ela gritasse, mas em vez disso o que saiu de sua boca era quase um sussurro.

"Emma?"

A boneca deu um passo adiante, e meus níveis de terror foram até seus limites. Olhei para trás para ver que a outra boneca estava puxando-se aos seus pés, sem jeito cambaleando para nós. Qualquer dúvida que eu tinha sobre a história de Jessie evaporou-se em um instante. As crianças estranhas eram reais, e estavam bem na minha frente. Sem nenhum momento de hesitação, agarrei o pulso de Jessie, de repente, me tornando a pessoa desesperada para nos tirar de lá.

"Vamos! Vamos, anda logo!", Eu gritei para ela, mas ela nem sequer parecia me ouvir. Ela, em vez disso, começou a caminhar em direção a boneca, em direção a... Emma, eu imaginei, embora eu não pudesse ver como é que poderia ter sido a amiga de Jessie. Eu ficava puxando-a pelo braço até quando a coisa atrás dela se aproximou. Jessie estava focada exclusivamente na a outra menina, bloqueando todo o resto do mundo. A boneca estendeu a mão para Jessie, e ela ergueu a própria mão também.

"Jes-!" Comecei a dizer, mas fui interrompido por um objeto pesado caindo diretamente sobre minha melhor amiga, enchendo-a de sujeira. Em cima dela estava uma pequena figura semelhante à humana, com a cabeça e as mãos proporcionalmente muito menores do que deveria ser. Finalmente observando um de perto, percebi que sua pele não era apenas pano sujo; era podre, carne manchada.

Eu me mexi para trás enquanto a pequena criatura agarrava Jessie pelos cabelos, puxando sua cabeça para cima dolorosamente. Jessie gritou e arranhou o chão, tentando empurrar a coisa fora dela, mas a criatura que ela tinha chamado de Emma caiu de joelhos, fechou a mão sobre sua boca e em seguida virou a cabeça para olhar para mim.

Uma energia subiu para minhas pernas e disparei. Eu estava em pânico completo, operando em um instinto primitivo de fugir, mas apenas quando eu comecei a correr, eu colidi com uma força sólida que me bateu de volta para o chão. Outra daquelas coisas estava diante de mim, com a cabeça debatendo desajeitadamente à esquerda assim como Jessie tinha demonstrado. O que eu tinha visto na caverna entrou em meu campo de visão, segurando uma pedra grande em suas mãos. Antes que eu pudesse rolar para fora do caminho o peso caiu sobre a minha cabeça, enviando uma dor através do meu crânio. Minha visão ficou branca e um zumbido ensurdecedor encheu meus ouvidos, mas eu fiquei completamente consciente.

Eu podia sentir as coisas levemente me arrastando, me puxando pelo chão enquanto eu lutava apenas para recuperar meus sentidos. O branco ofuscante lentamente deu lugar a um negro impenetrável, e o zumbido entorpecido a um baralhar sem forma e gorjeios esquisitos das crianças estranhas ecoando nas paredes da caverna. Eu fiz o meu melhor para ficar mole enquanto era arrastado pelas pedras brutas, rasgando minha camisa e cortando minha carne. Tenho certeza de que gemia de dor, mas as crianças estranhas não reagiam, me puxando mais para o seu covil.

Finalmente, o movimento chegou ao fim. Eu estava apoiado contra uma parede de pedra bruta, e até mesmo na escuridão eu poderia dizer que um deles estava bem na frente do meu rosto, calmamente resmungando para si mesmo naqueles estranhos ruídos arrítmicos. Seus dedos grossos seguraram minhas mãos e começaram a esticar um tecido forte e fino em torno de meus pulsos, juntando-os. Me enrolou pelo que pareceram anos, até que finalmente pareceu satisfeito que minhas mãos não iriam a lugar nenhum, em seguida, mudou para os meus tornozelos para fazer o mesmo.

Assim que estava feita a amarração, o ruído de seus movimentos foi ficando gradualmente mais fraco, antes de desaparecer completamente. Significava poder respirar um suspiro de alívio, eu em vez disso deixei escapar um soluço engasgado, finalmente deixando-me expressar o terror que eu senti por todo o calvário. Eu não tenho vergonha de admitir que eu estava sentado naquela caverna e chorando, certo de que nunca mais veria meus pais ou avós novamente.

Só quando ouvi mais movimento vindo em minha direção eu fiz qualquer esforço para me acalmar. Eu fiz o meu melhor para controlar minha respiração, aspirando em sopros através de suspiros trêmulos e expirando lentamente pelo nariz. Tentei imaginar o que os ruídos eram; lentamente, eu presumi que alguém estava sendo arrastado para baixo pelo mesmo caminho áspero eu tinha sido.

Eles estavam trazendo Jessie também.

Por um curto momento eu senti esperança. Tão egoísta quanto é de admitir, ao menos eu senti conforto em saber que eu não teria que sofrer sozinho. Parte de mim até se divertia com a noção de que talvez em conjunto Jessie e eu pudéssemos escapar desta caverna e nunca, nunca voltar a esta floresta terrível novamente.

Claro, a realidade deste plano tinha muitos obstáculos. A gruta estava totalmente escura, algo que não parecia afetar as crianças estranhas nem um pouco. Tudo que eu sabia era que havia alguém sentado na sala comigo, em silêncio, observando e esperando que eu fizesse um movimento para que ele pudesse me atacar novamente e terminar o trabalho. Além disso, eles facilmente nos colocavam em desvantagem numérica. As probabilidades estavam contra nós em todos os sentidos possíveis.

Jessie entrou ruidosamente na sala em que eu era mantido, e seus gritos abafados me deram uma sensação das dimensões da sala. Ele parecia menor do que eu esperava, provavelmente só um pouco maior do que o meu próprio quarto. Ainda assim, era muito grande para armazenar os dois de nós.

Bem quando eu estava me perguntando se eles iriam deixar Jessie e eu sozinhos juntos, a sala foi preenchuda com uma luminescência azul suave. Uma das crianças estranhas - Eu não poderia dizer qual com as costas viradas para mim - estava esfregando os dedos contra um estranho tipo de musgo na parede oposta, e a agitação provocou uma reação em cadeia em toda a planta. Filamentos de luz azul formaram um arco por cima do muro em um padrão brilhante, a iluminação ramificando-se como um floco de neve antes de finalmente preencher, cobrindo a parede da caverna na tela mais linda que eu já tinha visto.

E ali, na frente do musgo brilhante, estava Jessie. Ela havia sido colocada em uma plataforma de terra, obviamente, feita a mão, e seus esforços acalmados enquanto lufadas de esporos do musgo brilhante caiam sobre ela. A criança estranha estava sobre ela, observando por um momento, antes de dobrar para a frente sobre ela.

Na minha vida eu nunca tinha ouvido o som de carne rasgar, mas pela primeira vez era inconfundível. Eu empurrei com o barulho, como se tivesse sido a minha própria pele, e meu coração batia tão rápido que eu temia que ele fosse me matar. Eu mantinha meus olhos fechados e só ouvia como a criança estranha fazia Deus-sabe-o-que com minha amiga desamparada a apenas alguns metros do meu rosto. Reunindo a coragem que eu podia, eu comecei a passar os laços em torno de meus pulsos contra uma rocha irregular, esfregando apenas lento o suficiente para não fazer muito barulho.

O barulho de algo rasgando logo deu lugar à gorgolejos e esguichos molhados, mas eu não me permitia imaginar. Em vez disso eu pensei sobre meus avós, sobre ver seus sorrisos mais uma vez. Eu pensei sobre o avião que me levaria para fora do Mississippi, e eu pensei em todas as desculpas que eu usaria pelo o resto da minha vida para não pegar outro avião de volta. Eu tinha que sobreviver a isso. Eu precisava.

Enfim, as cordas se soltaram com bastante esforço. Uma vez que elas estavam fracas o suficiente, consegui separá-las com a força bruta, as fibras rasgando longe uma da outra com um som suave, algo que foi quase agradável contrastou contra os ruídos perturbadores vindos de toda a sala.

Eu tateei no quase-escuro, meus dedos se movendo de pedra em pedra até que eu encontrei algo solto o suficiente - e grande o suficiente - que me senti confortável com ele. Eu agora olhei diretamente para a criança estranha, suas costas ainda viradas enquanto ele realizava o seu ritual macabro em minha amiga. Serrando a pedra através das cordas em torno de meus tornozelos, eu me preparava psicologicamente para o que eu ia ter que fazer a seguir. Armado com uma pedra, eu estava indo atacar a criança estranha, derrubando-a com um bom golpe. É justo, eu pensei comigo mesmo. Em seguida eu iria pegar Jessie e jogar por cima do meu ombro - ela era mais alta que eu, com certeza, mas eu não era um garoto fraco. Depois disso, nós fugiríamos da caverna de alguma forma, em seguida, correríamos de volta para a casa dos meus avós e estaríamos seguros.

As cordas em torno de meus tornozelos caíram, e eu lentamente estiquei as pernas para fora. A criança estranha ainda estava alheia a mim, e parte de mim odiava isso. Lá estava eu, prestes a bater em seu crânio com uma pedra, e ele nem sequer me considerava uma ameaça suficiente para virar e me verificar.

"Hey," eu sussurrei, a rocha apertada no meu punho enquanto eu a estendia para o lado por trás da minha cabeça. A criança estranha finalmente girou e eu olhei nos seus olhos negros sem alma uma última vez antes de o atravessar com minha arma.

A sensação não era como eu esperava. Em vez de um golpe sólido e um “crack” ressoante, minha mão atravessou sua pele suja com pouca resistência. Fiquei ali, atordoado e olhando para o seu olho restante enquanto seu rosto pendia frouxamente em torno de meu pulso. Arranhões suaves fizeram o seu caminho em toda a minha mão e eu empurrei-o de volta, a força do meu punho puxando para fora de sua cabeça rasgando outro pedaço da pele-que-não-era-pele.

Olhando para o meu lado, eu vi a coisa mais horrível que eu já vi na minha vida. Em vez de cérebros, sangue e coágulos cobrindo minha mão, havia insetos. Centopeias, aranhas, formigas e mais, muito números para contar, invadiram minha pele. O saco de carne diante de mim caiu de joelhos afundando, os seus ocupantes saindo do buraco em seu pescoço.

Eu perdi. Eu gritei no topo dos meus pulmões e bati meu braço contra a parede da caverna, esparramando os vermes nas folhas. Em meio ao caos eu chamei o nome de Jessie, esquecendo-me no momento que eu já esperava que ela estivesse inconsciente na melhor das hipóteses. Com a cabeça inclinada para o lado ela se ergueu sobre os cotovelos, olhando para mim. Meu coração se encheu, pensando por um momento que pelo menos nós sairíamos dessa vivos.

Quando o brilho azul do musgo refletiu os olhos muito pretos de Jessie, eu corri.

Através da escuridão eu corria, sem me importar com o ranger de dentes frenético que ecoava na caverna a minha volta. Corri por cada curva e entrei naqueles túneis apertados, ainda lutando para raspar todos os insetos do meu braço. A cada momento que passava eu esperava sentir as mãos das crianças estranhas se enrolando em torno de minhas pernas, me arrastando de volta àquela sala, e fazendo comigo o que eles tinham feito a Jessie. Me transformar em um deles.

Finalmente eu vi um feixe fino de luz no fim da escuridão. Eu me arrastei para fora da caverna e para a floresta aberta, a lua cheia me dando muita iluminação para encontrar meu caminho. Através de toda a corrida eu rasgava a carne do meu braço com minhas unhas, raspando os restos da criança estranha enquanto eles se contorciam e se arrastavam em mim.

A corrida inteira é na maior parte um borrão agora. Eu não parei nem uma vez, nem sequer espreitei atrás de mim por medo de ver as coisas mais uma vez. Quando eu cheguei na casa de meus avós, os dois estavam acordados, sentados na sala de estar esperando por mim. Devo ter dito um conto com um único olhar, porque suas expressões severas derreteram ao ver meus olhos e eles ficaram comigo o resto da noite. Sentado no sofá e enrolado em um cobertor, eu só olhava pela janela para a estrada poeirenta que levava à casa, rezando para que eu não visse Jessie andando ali.

No dia seguinte, depois que eu tinha dormido e comido, meus avós tentaram persuadir-me a contar o que aconteceu. Eu não sabia o que dizer a eles. Finalmente, eu lhes disse que acabei dormindo na floresta e tive um pesadelo, me assustei e corri para casa chorando. Eles me abraçaram e riram suavemente, e meu avô disse que eu deveria avisar da próxima vez para não deixá-los preocupados. Eu sorri e o rosto de Jessie apareceu em minha mente.

Eu não me deixei ficar sozinho pelo resto das férias. Isso significava ficar dentro de casa a maior parte do tempo, algo que estava mais do que bom pra mim. Quando disseram que Jessie não estava em casa há alguns dias e as pessoas começaram a procurar, meus avós me perguntaram se eu sabia alguma coisa sobre isso. Eu queria dizer-lhes sobre as crianças estranhas - Eu deveria ter dito alguma coisa, eu sei disso agora. Mas, como a criança medrosa que eu era, eu apenas disse que não e eles deixaram por isso mesmo. Três semanas depois, eu peguei um avião e fui para casa, e, pela primeira vez desde a caverna eu senti que eu poderia respirar novamente. Eu não tinha mais a ameaça das crianças estranhas pairando sobre mim, aguardando pelo lapso de um momento em prontidão para que eles pudessem atacar.

Eu gostaria de dizer que eu não sei o que aconteceu com Jessie, que seu destino permanece um mistério, mas isso seria um caminho covarde. Jessie morreu por minha causa. Por causa da minha arrogância, minha curiosidade e minha estúpida sede por aventura Jessie perdeu a vida. Isso é algo que eu penso todos os dias, até mesmo uns trinta anos depois, e isso dói tanto quanto a primeira vez que eu pensei.

Milhares de quilômetros e algumas décadas estavam entre mim e o pior verão de minha vida, mas não é essa perspectiva que me levou a finalmente escrever o meu conto. Minha filha Maggie foi ficando animada sobre colecionar insetos, e por mais desconfortável que isso possa me deixar, eu não sou do tipo que irá detê-la. O que realmente me perturba sobre isso é como seus insetos agem; cada vez que ela me traz um dos seus pequenos frascos, os insetos de dentro... me olham . Eu sei como isso soa louco, eu sei que insetos não "olham" como você e eu, mas... é como se eles quisessem me fazer saber que eles sabem que eu estou lá.

Eu entrei no quarto de minha filha alguns dias atrás, quando ela estava na escola, e peguei sua fazenda de formigas para ver o que iria acontecer. Eu esperava que elas congelassem, para virar e olhar para mim, mas em vez disso elas entraram em um frenesi. Até a última formiga invadiu o lado do recipiente, rastejando umas sobre as outras e escalando contra o plástico que os separava da minha mão direita. A mão em que os insetos estiveram por alguns minutos enquanto eu tropeçava cegamente através daquela caverna, freneticamente sacudindo-os para fora. Eu assisti, horrorizado, como as formigas literalmente rasgavam umas as outras para ser a mais próxima de minha mão.

O que as crianças estranhas fizeram comigo?