Mais um dia como qualquer outro. Acordar depois das 15H,
dar uma mijada, voltar para o quarto sem escovar os dentes para não estragar o
gosto do whisky. Puxar a gaveta viciada e servir-me de mais uma dose. Abrir o
notebook e fazer uma nova aposta.
A
fumaça de meu primeiro cigarro do dia empesteava o quarto de uma maneira densa,
fazendo com que meus olhos se apertassem ainda mais. O sol aquecia o recinto
razoavelmente bem, deixando a cama aconchegante, mas com desejos de me expulsar
do local devido à claridade.
Não
preciso de um emprego, não preciso de uma faculdade, não preciso de dinheiro. O
que mais poderia desejar uma jovem de 22 anos com 6 milhões na conta? Ainda que
viciada em apostas e que tivesse dinheiro o suficiente para arcar com minha carreira
de nadadora sem necessitar de patrocinadores, tudo isso foi arrancado de mim.
Acontece
que minha família, pai , mãe , duas irmãs e quatro sobrinhos fizeram uma viagem
(após anos e anos de planejamento) para se encontrarem com parentes que há
muito tempo não viam, apresentar os novos e pequeninos integrantes da família. Fui
a única que ficou para trás, devido ao compromisso com meu emprego. Funcionária
com apenas 2 meses de casa, impossível pedir férias adiantadas, o período de
experiência não havia nem chegado ao fim...
O
pior aconteceu! Devido a uma promoção de passagens aéreas na internet minha
família pagou com a vida. Foi provado que sem o conhecimento do piloto, o avião
usado apresentava um “leve” defeito no trem de pouso e a companhia estava ciente
dos riscos. Ainda assim decidiram colocar a aeronave a disposição. Um Boeing
777 com 333 passageiros (não estava em sua capacidade total) nem chegou a
decolar, o aeroporto se encontra a beira mar, os passageiros do Voo 111 morreram
todos afogados. E o que mais me tortura foi ter recebido uma mensagem ilegível
de uma de minhas irmãs justo nessa hora.
Hoje gozo desta indenização.
Então
entendam que não há empolgação em gastar este dinheiro não há motivação ou
prazer... Existe apenas... Um vazio...
Obviamente
perdi meu namorado e minhas amigas devido a minha conduta, cheguei a um patamar
que era incapaz de SENTIR qualquer coisa, raiva, medo, apreço, felicidade,
tristeza... Eu apenas... Existia... E nada mais! Pode parecer angustiante, mas
na realidade, não se parecia com nada, pois eu era um “nada”.
Algo
me veio a mente, talvez sugestão de alguma de minhas amigas ou simplesmente
reapareceu na superfície, pois meu sonho sempre foi rodar o mundo. Queria
conhecer lugares, culturas e costumes, o desafio sempre fora conhecer o máximo
que eu pudesse para satisfação própria. Hoje o desafio é simplesmente “sentir
algo” em qualquer lugar do planeta.
E indo
para o Brasil tudo mudou...
Em um
hotel no litoral (um dos mais caros) conheci um empresário poliglota. Sinistramente
singular este camarada. Que conheceu minha história e após alguns drinks
chamados “caipirinhas” me ofereceu uma oportunidade “única”. Disse que: “Se
isto não lhe comover, se isto não lhe emocionar, não te transformar, NADA mais
irá. Te devolverei o dinheiro e nunca mais nos falaremos”.
Era o
9º país que eu visitara e estava prestes a desistir, pois nenhum dos outros
oito me despertara qualquer tipo de sentimento.
Apenas
topei, já não existia uma única alma neste planeta da qual eu decepcionaria ou
teria de me explicar... Sem problemas, retornei ao meu quarto, me vesti
apropriadamente e me certifiquei de que meu cantil estava cheio de whisky antes
de trancar a porta conferi na internet alguns resultados de apostas que havia
feito.
O Casarão
era escuro e sugestivo. Não fazia ideia do que ocorreria ali, apenas segui o
fluxo. Olhando por fora era abandonado, quase que caindo aos pedaços. Na minha
concepção apenas não foi vandalizado pois havia um firme sistema de segurança
guardando o local.
Havia
abandonado qualquer tipo de esperança antes de entrar. Homens de terno e óculos
escuros se enfileiravam no hall de maneira que nos guiava para um elevador de
aparência antiga. O hall do Casarão era simples, havia um tapete vinho que ia
da entrada até o pé das escadas que levavam ao segundo andar, uma escrivaninha
com uma máquina de escrever, uma porta dupla à esquerda e à direita duas outras
portas. Já o elevador ficava nas costas da escada que descemos sem que nenhum
botão fosse apertado, o que me pareceu uns quatro andares em direção ao
subterrâneo.
O empresário se
virou para mim e perguntou: - “Assuntos globais”, “Apostas em geral”, “Prazer
carnal”, “Expansão Mental” ou “Desespero Único”? Escolha apenas um, ou todos,
seja bem-vinda! Existem outras quatro opções, que não veem ao caso, pois esta é
sua primeira vez aqui no Casarão.
Fiquei tentada a escolher “apostas” ou
“expansão”. Mas como estava buscando
algo que me causasse algum tipo de sentimento, decidi sair do meu script e
respondi: - “Desespero único” apenas.
Suas
sobrancelhas se arcaram quase até o topo de sua cabeça expressando surpresa e proclamou:
- Terceira à esquerda, final do corredor.
Segui
as regras, não era nada espetacular, porém o sentimento de CURIOSIDADE e
CAUTELA foi despertado em mim, após tantos meses no vazio. Vasculhei pelo
cantil de whisky no bolso interno de minha jaqueta de couro, o achei e o tomei,
deixando pouco mais que a metade.
O
local quase não possuía luz, conseguia sentir o cheiro de lodo, umidade
infiltrada por dentre tijolos criando um clima frio e um tanto quanto hostil.
Sentei-me
no banco junto a um senhor, CÔMICO, terceiro sentimento despertado. Trajava um
smoking e uma cartola, nada chamativos a não ser seu bigode meticulosamente
aparado.
Disse
ter me reconhecido do hotel, havia me visto no dia anterior e após alguns
minutos de conversa fiada e um leve desabafo (perdeu sua esposa em um acidente
de carro a 5 anos e 5 meses atrás) me confidenciou que apenas recebi este
convite pois sabiam exatamente quem eu era, pois havia usado meu cartão no
hotel e a partir daí sabiam de toda minha história e trajetória, devido aos
meus dados. Decidi CONFIAR neste homem!
”Oh senhor este lugar é mágico, é o meu
quarto sentimento após toda essa merda sem sentido” pensei comigo.
Antes de se levantar acendeu meu
cigarro com seu isqueiro personalizado e foi em direção a uma porta de metal,
sem se virar disse: “Apenas aqueles que viram o inferno e possuem dinheiro
suficiente chegam a este lugar... A este santuário! O intuito do jogo é nos
deixar mais fortes simplesmente dominando tudo aquilo que nos detém” E apontou
com a mão direita a porta vizinha, indicando que eu deveria adentra-la.
Estava
terminando meu cigarro e o observei entrar, após alguns minutos na companhia da
nicotina jurava ter ouvido derrapadas de carro vindo de sua porta trancada, me
deixando realmente CONFUSA.
Acabei
de fumar, dei mais uma golada de meu querido cantil e segui até minha porta.
A sala
estava completamente escura, alguém me puxou e forçou-me a sentar. Amarrou as
minhas mãos e pernas a cadeira. De repente um clarão me cegou, com as luzes se
acendendo, um aparelho foi usado para que as minhas pálpebras ficassem abertas,
creio eu que pareciam garras de metal envoltas em silicone. E um telão foi
ligado, como se fosse um cinema, mas sem meu namorado para me beijar, sem
pipoca ou público.
Pessoas
reais em situações reais estavam se afogando.
O CALAFRIO
me tomou por inteira.
Todos
eles lutaram inutilmente por suas vidas:
Um rapaz filmado por uma câmera debaixo d’água
em uma piscina tinha seus olhos arregalados de maneira desesperadora, arranhava
a garganta como se todo aquele líquido o queimasse.
Um pescador se acidentou com sua rede de pesca
envolta a corda do que parecia estar ligada a uma espécie de âncora. Até
conseguiu um pouco de ar enquanto se debatia e conseguia colocar um pouco de
sua face para fora do rio buscando oxigênio. Fazendo com que sua luta durasse
ainda mais.
Uma
adolescente flagrada em um canto de uma sala durante uma festa, completamente
embriagada e provavelmente drogada, tentava virar o corpo para vomitar, sem
sucesso engasgava-se com o próprio regurgito não expelido de completo. Suas
pernas espasmavam até o fim de sua miserável existência.
Além
de ter me mijado inteira e estar chorando descontroladamente, senti que a sala
estava sendo inundada. Não conseguia olhar devidamente para baixo, o aparelho
utilizado para fixação de minha face me impedia. A água estava na altura da
minha cintura. A CULPA passou a me consumir, senti-me culpada por ter agido de
maneira que vim agindo ultimamente. Comecei a gritar calorosamente por CLEMÊNCIA.
Para
que eu fosse arrasada de vez, completamente fragmentada, juntamente com mais
litros de água eis que a seguinte cena surge:
Uma bebê recém-nascida em seu primeiro banho, estava se afogando na banheira, seus bracinhos curtos emergiam e submergiam o tempo inteiro. Não havia piedade. Quem filmou tal cena, com certeza não teve piedade ao assistir tamanha atrocidade.
Uma bebê recém-nascida em seu primeiro banho, estava se afogando na banheira, seus bracinhos curtos emergiam e submergiam o tempo inteiro. Não havia piedade. Quem filmou tal cena, com certeza não teve piedade ao assistir tamanha atrocidade.
E
após outros tantos vídeos a água estava cobrindo completamente meus seios.
Em
determinado momento a CALMA, me dominou, a sensação era de que eu havia passado
horas e horas apenas calma. Como quem havia de fato aceitado o seu destino, sem
mais nem menos. Não passei por autocomiseração nem nada parecido. Apenas deixei
que a tranquilidade fluísse pelas minhas veias e meu corpo que tremia de frio.
Foi
então que entrei em estado de CHOQUE.
Toda
a minha tranquilidade, minha paz e aceitação que de fato viria a morrer foram
sugadas de mim. Como de maneira orgulhosa o telão apresentava tal título:
“Caixa-Preta
do Voo 111”
Estas
simples palavras me atordoaram...
A
acústica da sala magicamente se tornou algo tão real, que jamais acreditaria
que tal tecnologia pudesse existir ainda que daqui décadas. Era tão real que me
senti parte do Voo 111 dentro daquele maldito Boeing 777, mais uma tripulante.
Pude
ver e ouvir as pessoas rezando e gritando por suas vidas quando o trem de pouso
falhou em alta velocidade fazendo com que o avião simplesmente fosse deslizando
em direção ao mar.
Ah! E
obviamente, minha família era o foco principal de uma das câmeras. Os vi se
abraçando como podiam, minha irmã mais velha parecia ter sacado seu celular
para fazer algo, os cintos não se soltavam, nem puderam lutar por suas vidas,
não tiveram sequer uma chance. Achei que morreria de ataque cardíaco ou de um
AVC, até queria que tivesse acontecido desta maneira.
Um
vulcão emocional entrou em erupção dentro do meu ser! De maneira quente, viva e
alucinadamente devastadora! Recobrei todos os sentimentos possíveis, todos
ambíguos, enraivecidos, entristecidos, saudosos, culposos, arrependidos,
melancólicos, penosos...
Ver a extinção precoce de minha própria família foi um
“Desespero Único” a água havia alcançado as minhas vias respiratórias deixando
apenas meus olhos de fora da inundação.
Naquele momento singular, estava perdendo a consciência
ao mesmo tempo em que compartilhava o destino de meus entes. Fui isolada para
algum canto oculto e escuro da minha mente, sentia-me LIBERTA por finalmente
ter a oportunidade de me encontrar com todos eles provendo a sensação de que
estava junto com todos a palmos de distancia, como se estivesse me despedindo e
partindo com meus queridos. Para algumas pessoas pode ser que isto não importe
muito, mas... A dádiva de poder dizer “adeus”
significava mais que a essência de toda minha personalidade. Cerrei meus olhos.
Um
soco irrompeu da escuridão diretamente em meu tórax; quando dei por mim estava
de quatro no corredor expelindo água de minhas narinas e garganta. Inspirei o
oxigênio tão alto que pareceu um grito de dor, o ritmo das arfadas só não eram
mais rápidas e maiores que minha frequência cardíaca.
O
empresário fez com que eu me sentasse no banco e deixou com que eu recuperasse
totalmente o meu fôlego e discernimento! Deixou também com que eu chorasse e
gritasse histericamente até que absorvesse o impacto e seus danos consequentes.
O
senhor cômico de cartola me estendeu um cigarro aceso (agora muito mais
confiante e cheio de si) enquanto era sorvida de whisky pelo anfitrião, do qual
tomei vagarosamente com medo do afogamento.
- E
então minha jovem, foi capaz de sentir? Algo mudou? – Disse o empresário.
Não
respondi. Mas de fato tudo havia mudado, acordei para o que chamo de “resto da
minha vida” ou “verdadeira vida”, agora que possuo claro entendimento e domínio
sob todas as emoções possíveis para um ser humano, gosto de crer até que passei
pela “Expansão Mental” automaticamente.
Fui
informada de que estava sendo filmada e ao mesmo tempo participava do jogo de
algumas pessoas nas “Apostas em geral”. E uma senhora que apostava (uma mulher
de negócios dona de uma pequena porção de ilhas no oriente) me indicou aos
organizadores do Casarão para que futuramente tivesse um envolvimento maior com
o jogo. Devido a minha força e coragem por ter escolhido deliberadamente a
situação do “Desespero Único”. Mal sabe a mesma que não fui informada de
praticamente nada quanto as regras, ou fui e deixei passar devido a minha
apatia e influência alcóolica.
“Foram os 200 mil mais bem gastos até o
momento”, pensei.
Em
suma encontrei minha verdadeira vocação, renasci para o mundo, a despeito de
todas as adversidades e condições da qual fui limitada.
A
única questão que paira minha mente é: devo participar passivamente,
enfrentando, crescendo e me divertindo com todas as possibilidades e aspectos
do jogo passando pelas situações que ainda não enfrentei ou ativamente, como
entendedora e mestra do jogo? Sendo na “captura” de clientes e na exploração da
vida dos mesmos!
Sem dúvida este é o ápice, minha maior aposta!!!
Autor: Thiago Luiz Frank
200 MIL UMA TORTURA??????meu deus prefiro fica sem então :)
ResponderExcluirGostos pra tudo 'm'
ResponderExcluirMiB
ResponderExcluirMas gente
ResponderExcluirto em shokkkk
ExcluirTenso
ResponderExcluir200 mil pra ser afogada, se tivesse me contado e teria te afogado por até 50R$
ResponderExcluirUma das melhores que já li...
ResponderExcluirLegal adorei essa creepy e alias tenho fobia de afogamento
ResponderExcluirG-E-N-I-A-L!
ResponderExcluirAiai cara me deu uma dor na hora que ela tava se afogando ,lembrei de quando me afoguei
ResponderExcluirCreep perfeita
Aiai cara me deu uma dor na hora que ela tava se afogando ,lembrei de quando me afoguei
ResponderExcluirCreep perfeita