Algumas semanas depois eu já estava me acostumando à rotina pacata da cidade. A ideia de viver em uma casa tão bucólica rodeada por porcos e galinhas dava uma sensação de conforto. Gostava de me sentar no muro com algum livro enquanto os animais continuavam suas atividades. Um dia fui ao centro da cidade, o lugar mais movimentado daquela região, e decidi tomar um sorvete. Voltei no fim da tarde e, antes de entrar em casa, algo me chamou atenção. Havia um livro de capa dura e vermelha jogado displicentemente próximo ao muro, peguei-o por curiosidade e o levei comigo. Durante aqueles dias eu estava lendo alguns livros do Stephen King, mas decidi deixar a leitura um pouco de lado, pois algo naquele meu novo companheiro roubava totalmente minha atenção.
Para começar, o livro não possuía um título escrito em sua capa, era apenas o símbolo do infinito desenhado abaixo de um círculo. A letra era desenhada e rebuscada e as palavras estavam escritas em um vermelho vivo de aspecto fresco, era estranho, mas, ao mesmo tempo, instigante. Estes fatores causavam estranheza no começo, porém, em pouco tempo, você conseguia se acostumar à leitura. O engraçado era que eu me identificava bastante com a história, era sobre um garoto tão tímido como eu, com uma personalidade bastante parecida com a minha. A personagem principal era este garoto, filho de uma mãe solteira, pois o pai apenas a engravidara para depois sumir no mundo. Sua história era sobre o dilema de viver sem figura paterna. Era como se eu visse os meus próprios sentimentos e pensamentos descritos naquele livro. Os dias passavam e eu só conseguia largar o livro quando não tinha mais jeito, mesmo durante a noite eu terminava dormindo sobre o livro quando não aguentava mais, no entanto, não o largava. Estava cada vez mais impressionado com as semelhanças entre a minha vida e a história do livro, até a leitura interromper-se abruptamente na passagem em que a personagem e sua mãe estavam passando uns dias na casa de parentes, exatamente como estava acontecendo comigo. Eu não podia aceitar, a minha curiosidade de conhecer o fim da história era imensa. Fui passando todas as suas páginas à procura de alguma continuação, explicação, qualquer coisa que pudesse solucionar o que acontecia com a história. Todas as folhas estavam brancas, exceto a última que continha palavras escritas em negro:
INSTRUÇÃO ÚNICA – Este livro precisa ser recarregado. Descubra como!
Estava irritado, o livro não passava de uma piada idiota. Não havia mais nada para fazer, então decidi tentar dormir. Não sei que horas peguei no sono, mas acordei muito cedo, estava muito barulho na casa e eu não conseguia continuar dormindo. Sonolento, tentei me situar no meio da confusão. Algum louco havia invadido o sítio e matado os animais, o mais estranho era que seus cadáveres estavam sem sangue algum. Minha tia e minha mãe passaram o dia em bastante agitação, assim como toda vizinhança. Eu estava entediado demais para dar alguma atenção ao assunto, com certeza era obra de algum louco, essas cidades pequenas sempre estão lotadas deles. Passei o dia tentando engatar várias leituras e sem conseguir me concentrar em nenhuma. Por fim, peguei meu frustrante livro favorito e comecei a folheá-lo voltando ao ponto onde ele havia sido interrompido, parecia loucura mas agora a história continuava. O livro seguia com a família do menino bastante irritada e preocupada com alguma coisa, enquanto ele ficava cada vez mais absorto e distante. Eu literalmente esquecia o mundo ao meu redor enquanto lia aquele livro, porém, algumas páginas depois e a história novamente parava do nada. Olhei ao redor e vi que já era noite, me condenei mais uma vez a deitar. Sobre minha cama estava um punhal, deixei-o em cima da mesa, provavelmente a confusão do dia havia bagunçado a casa totalmente. Acordei no outro dia estranhando a ausência de barulho da casa, o silêncio era total, como se ninguém mais estivesse ali . Fui até a sala e lá estavam minha mãe e minha tia, ambas degoladas com uma expressão de horror no rosto que estava ao lado de cada uma das mortas, e sem nenhum sangue em seus corpos ou no cômodo. O livro estava entre os dois cadáveres, aberto na página que eu parei. Sentei com ele no colo, entre os corpos de minha mãe e tia e comecei a ler, tomado por um imenso prazer. A personagem, que já era meu melhor amigo, descrevia como estava totalmente sozinho agora, a família havia partido para algum lugar mas ele não estava solitário. Esta parte do livro era extremamente psicanalítica, descrevendo as sensações experimentadas pela personagem. Com um intervalo menor do que o das outras vezes, o livro foi interrompido. Sorri, eu já sabia o que fazer, a história não podia parar. Peguei o punhal e enfiei até o cabo no meu peito, via meu sangue escorrer em direção ao livro. Enquanto agonizava, vi aparecer naquele tão conhecido tom vermelho as palavras “A história continua”.
Sorri, meu trabalho estava feito.
(...)
Aquele garoto ruivo estava lendo tudo isso no ônibus em que viajava com sua mãe para a cidade natal deles, após a morte de seu pai. Ele achou aquele estranho livro de capa vermelha enquanto esperava o transporte na estação e imediatamente identificou-se com o garoto leitor e o garoto do livro que ele estava lendo. Os três sabiam o que era estar sem o pai, assim como ele estava agora. O garoto leitor, personagem principal do livro, havia acabado de se matar, mas o ruivo sentia que aquela história não estava completa. Olhou para sua mãe e sorriu, ele já sabia o que devia fazer para chegar ao fim do livro.
Autor: Abáz Gringz
(...)
Aquele garoto ruivo estava lendo tudo isso no ônibus em que viajava com sua mãe para a cidade natal deles, após a morte de seu pai. Ele achou aquele estranho livro de capa vermelha enquanto esperava o transporte na estação e imediatamente identificou-se com o garoto leitor e o garoto do livro que ele estava lendo. Os três sabiam o que era estar sem o pai, assim como ele estava agora. O garoto leitor, personagem principal do livro, havia acabado de se matar, mas o ruivo sentia que aquela história não estava completa. Olhou para sua mãe e sorriu, ele já sabia o que devia fazer para chegar ao fim do livro.
Autor: Abáz Gringz
Gostei...
ResponderExcluirSe eu tivesse amnésia juraria que tinha escrito isso, pq as vírgulas, o modo como o tempo passa na história e tudo é tãããão parecido com o modo como eu escrevo O.o
Mas você escreveu, ainda por cima assinou, e também me avisou pra te lembrar que seu remédio pra amnésia está no armário, na prateleira debaixo = D
ExcluirAtha, obrigado.
ExcluirMas quem é vc mesmo?
Algo me diz que o autor é sismático com tons de vermelho... Boa creepy.
ResponderExcluirBrasil Bizarro
Parabéns ao autor! Creepy muito bem escrita. Que paradoxo!
ResponderExcluirAdorei!
Gente, eu mandei essa creepy há tanto tempo que quase esqueci dela! HAHA
ResponderExcluirEngraçado que, enquanto o tempo passava e a creepy não era postada, eu comemorava. Me arrependi logo após mandá-la, achei que tinha ficado uma bosta.
Cara, tirando só a organização em parágrafos e vírgulas em um lugar ou outro, ficou ótima. Com um pouquinho de revisão, dá pra dar uns bons sustos em alguém. Parabéns!
ExcluirAbáz Reis, tenho que te dar meus parabéns, porque a ideia da creepy foi inacreditável :D
ExcluirFicou muito bom!
ExcluirComo o Elder -que nominho estranho- disse, a organização dos parágrafos poderia ser melhor, mas isso é totalmente irrelevante para o entendimento do texto.
Deja vú. Algo na sua história me soa familiar '-'
ExcluirCaramba a creepy ta perfeita!!!! Parabens ♥
ResponderExcluirDeve ter sido o chupa cabra O.O
ResponderExcluirBoa creepy! O/
8/10. Adorei!
ResponderExcluirEssa história me faz lembrar das cenas finais de Homens te Preto I e II xD
ResponderExcluirGostei do conto. Até parece que Abáz estava escrevendo sobre ele mesmo.Achei isso por causa do trecho "Os três sabiam o que era estar sem o pai, assim como ele estava agora."
ResponderExcluirMeu pai morreu quando eu tinha quatro anos, mas não acho que isso influenciou a história... não conscientemente. haha
ExcluirEssa história de pai me lembrou de quando meu amigo começou a querer me ofender xingando meu pai (e por acaso o pai dele é cadeirante e eu sabia disso). Joguei isso na cara dele e até hoje sou feliz por isso. Ele ficou sem falar comigo por um tempo heuheuheuheu
ResponderExcluirisso tem um pouco da essência da casa sem fim
ResponderExcluirmas é uma boa creepy