Quando criança a
escola que eu frequentava era peculiar e, talvez por isso, tão magnificamente
interessante. Fosse o fato de ser cercada por arbustos gigantescos e uma
floresta densa que dava ignição a minha imaginação, ou os curiosos e caricatos
professores e alunos que povoavam ela, eu não sei. Não tenho certeza de quando foi construída,
mas certamente se distinguia dos outros prédios, casas e ruas na região. Sendo
coberta por uma tinta vermelho fogo, que puxava compulsoriamente seus olhos
para ela. Para lá eu fui dos meus cinco aos onze ou doze anos, e, como toda
criança, guardei lembranças agradáveis e desagradáveis.
Todo dia com minha
mochila nas costas, passava ao lado da densa floresta e acenava para a
"moça do pirulito" Sra. Collins - uma gentil velha senhora que
trabalhava no controle do tráfego com sua plaquinha amarela, parando-o quando as
crianças iam cruzar a rua, e, após me encontrar com meus amigos, atravessar os
velhos portões marrons e ir até um dos pátios.
Havia um rumor que a existência de dois pátios era para separar meninos de
meninas - sendo este um conceito tão velho quanto compreensível. Quando passei
a frequentar a escola, os pátios agora separavam as crianças de cinco até oito
anos, e o outro as de oito para cima. No pátio das crianças mais velhas havia
um prédio pequeno feito em tijolos vermelhos que se erguia independente do
resto da escola, isolado do complexo. A muito havia caído em desuso, e de fato
havia sido selado de olhos curiosos, suas portas e janelas emparedadas com
pedras e tijolos tornando impossível de se ver o que havia dentro.
Seu propósito parecia ser um mistério a todos
os professores que pouco sabiam do tópico, mas é óbvio que histórias se
espalham pela selvagem imaginação das crianças, e, em minha escola, essa
inclinação para histórias de tragédias e coisas proibidas criavam rumores que
beiravam o bizarro, particularmente eram sobre o prédio selado - obscuridade é
um solo fértil para as fantásticas ruminações do imaginário infantil.
Quando eu e meus amigos éramos do pátio mais jovem, nós costumávamos olhar pela
passagem estreita que dava no pátio dos mais velhos para ver o que acontecia.
Lá podíamos ver as crianças mais velhas jogando bola ou apenas andando - é
divertido nos lembrar de que, quando crianças, as ações dos mais velhos, por
mais que banais, parecem ser tão mais divertidas que as nossas. Mas antes que
fossemos tirados de lá por algum professor ou pelo zelador, meus olhos sempre
iam até o prédio selado. Havia algo de solitário nele, isolado, e por mais que
fosse cercado por gritos e pela vibração da escola, sua aparência sugeria um
grave silêncio para mim.
As crianças mais
velhas gostavam de assustar a elas mesmo e a nós, contando dramaticamente que o
local havia sido usado por um departamento de ciência e que havia ocorrido um
sinistro acidente lá, um que havia produzido estranhas e assustadoras coisas
que deveriam ser mantidas fora dos olhos do mundo - mesmo tendo oito anos,
sabia o quão absurdo e sem sentido aquilo era quando ouvi.
Também se falava de ter sido o escritório de um, no mínimo brutal, diretor da
escola, que havia morrido num incêndio. Seu fantasma, obviamente, ainda
assombrava o lugar e era melhor que o espírito vingativo fosse contido lá,
soltando fumaça pelas ventas enquanto as crianças brincavam e se divertiam no
pátio tão perto - mais uma vez, pura bobagem.
Havia porém, este relato, da natureza do prédio abandonado, que me parecia mais
plausível. O prédio era, de fato, um banheiro. Sim, um banheiro normal. Nada de especial, nada de laboratórios
secretos, nada de espíritos de diretores estressados, Havia simplesmente sido
fechado por ter se tornado inútil quando banheiros foram incorporados ao complexo
da escola, evitando assim que se tornasse apenas um lugar para as crianças
invadirem e causarem problemas. Mas ainda assim, apesar desta mundana
explicação, ainda haviam de fato histórias a serem ditas sobre o velho prédio
de tijolos vermelhos do pátio das crianças mais velhas.
Apesar de ter escutado as histórias, não foi até meu quarto ano na escola que
eu me tornei íntimo, e, ao mesmo tempo, desconfortavelmente envolvido com elas.
O pátio das outras crianças ela flanqueado por três lados por uma parte retangular
da própria escola. O quarto lado separava as casas vizinhas por uma imensa
parede vermelho- escuro. Era isolado do outro pátio - sendo somente acessível
pela passagem antes mencionada - e, para piorar a sensação de aprisionamento,
ao longo da parede havia uma alta cerca de ferro que atingia os cantos onde até
o mais bravo colega de classe teria tentado sua grande fuga. Ainda assim, havia
um velho portão que permitia acesso ao lado de fora. Mas, tal qual guardas de
prisão, os professores costumavam conferir este portão com frequência.
Lá, em um dos cantos do pátio, estava o velho prédio. Suas janelas eram de fato
fechadas com tijolo, tal como suas portas, mas o teto parecia diferente para
mim, sendo afundado em alguns lugares e certamente tendo acumulado poças de
água de chuva nas temporadas mais úmidas. Eu tinha, naquela idade, e,
vergonhosamente até hoje tenho, medo de altura. Tão assustador para mim eram
alturas quanto foi descobrir que subir até o teto dos velhos banheiros era uma
espécie de rito de passagem para os meninos mais velhos. Não me entenda mal,
não éramos forçados a subir lá, mas crianças tendem a ser cruéis e quando algum
novato chegava ao pátio e mostrava algum sinal de fraqueza, geralmente esse era
perturbado com provocações, e, subir no prédio velho o isentava de ser alvo de
piadas.
Durante as semanas
que se seguiram vi um por um de meus amigos subir até o teto quando a
oportunidade aparecia, balançando as pernas enquanto sentados nas bordas uma
vez lá em cima; um por um conseguindo provar seu direito de estar no pátio dos
mais velhos, enquanto eu sucumbia as provocações sobre meu medo e jeito
covarde. Não me diminua, eu tentei. Diversas vezes a bola ia parar lá em cima e todos os olhos se viravam a
mim, esperando que eu subisse e pegasse-a. Cheguei mesmo a me aproximar da
calha que dava acesso ao teto para ao menos por a mão lá em cima e pegar a
bola, mas, toda vez, falhava.
O medo tomava conta de mim quando pensava na derrota, os xingamentos e a vergonha
se intensificavam.
Posso traçar aqui um curioso e provavelmente triste aspecto da minha
personalidade naquela época. Falhar na frente de estranhos era
perfeitamente aceitável para minha mente mas, falhar na frente de amigos,
família, colegas ou conhecidos, era um terror imenso para que eu concebesse.
Com o passar dos anos se tivesse eu seguido o esteriótipo de buscar fama como adolescente,
não teria tido nenhum problema em tocar em uma banda na frente daqueles que eu
não conhecia, mas colocasse no meio da multidão um rosto conhecido, meus nervos
se afrouxavam. A proximidade da falha era imensa, ao menos na minha mente.
Por esse motivo escolhi um momento no mínimo inoportuno para enfrentar meu medo. Um dia,
após a aula, esperei do lado de fora dos portões, enquanto meus colegas iam
embora dos dois pátios, chutando as folhas de outono. Pais escoltando os mais
novos de volta para casa enquanto os mais velhos andavam uns com os outros -
alguns empolgados, outros não - todos descendo a colina, ao lado da floresta
densa, até suas casas e assim por diante.
Ao passo que a
escola se tornava cada vez mais vazia, e os próprios professores começavam a ir
embora, eu desci a rua e entrei nos jardins que haviam atrás do prédio. Sempre
achei a parte de trás do meu colégio um lugar interessante. Consistia em
arbustos, matos de todo tipo e um campo de terra batida para se jogar futebol. Nossos
professores aparentemente nunca usavam a área para nada, e éramos
constantemente encorajados a nos manter longe dela. Mais uma vez, histórias e
contos entre os estudantes contavam que uma criança havia sido sequestrada ali
anos atrás, enquanto brincava, fosse verdade ou não, nunca soube.
Quando tive certeza de que todos haviam saído, me insinuei através dos arbustos
até uma pequena inclinação atrás do pátio. Lá, fundido na parede, estava o
estreito portão marrom que os professores mantinham uma vigília constante, mas
que, pelo que eu sabia, nunca era usado. Supus que deveria existir um propósito
para ele anos atrás, mas para mim e meus amigos era apenas um lugar para se
pular nos fins de semana, tendo acesso a escola vazia, podendo brincar de pique
esconde com excelência, sendo os pátios lugares com tantos cantos e
esconderijos.
Por mais cuidadoso
que fosse, queria realmente subir no prédio velho. Na minha cabeça de oito anos
de idade, tinha visões de subir lá sorrateiramente e surpreender meus amigos
acenando de repente lá de cima, ou de heroicamente resgatar uma bola de alguma
garota - na infância julgamos que todos a nossa volta se importam muito com
nossas ações, falhas e sucessos, quando de fato não estão muito atentos a nada,
sequer nas consequências das próprias atividades. Sim, fui muito perseguido por
não ter tido a mesma coragem daqueles ao meu redor e ter falhado em subir logo
no prédio, mas a ideia de fazer sumir toda a vergonha pública e sentir aquela
sensação nova que a vitória diante de um ato de heroísmo infantil me traria era o
suficiente para que eu, pelo menos, tentasse subir.
Havia considerado em pedir a um de meus amigos que me acompanhasse para o caso
de algum professor ter ficado até mais tarde, ou do zelador estar limpando
aquela área, o que, nestes casos, fazia-se preciso um sentinela, mas a ideia da
falha, mesmo diante de um público de uma pessoa só, já colocava a minha escalada tão
procastinada em risco. Decidi fazer a subida sozinho, perdendo o medo, de modo
a repetir o ato ensaiado na frente dos outros, pondo um fim nas brincadeiras e
piadas. Após esperar alguns minutos e observar as janelas que pontilhavam o
lado da escola se escurecerem por completo e, satisfeito com o vazio que a
escola se encontrava, andei tranquilamente até o prédio abandonado.
Lá fiquei a
observar o cano da calha, que seria minha via de acesso, juntando forçadas. Minha
mente revirava as possibilidades mais densas, as saídas mais funestas e os acontecimentos
mais negativos conforme comecei a subir. Imaginava que a calha fosse se soltar
da parede e que eu me encontraria com o chão de concreto do pátio, pondo um fim
na aventura.
Mas fato é que ela nunca se mexeu, não importasse o quanto eu acreditei que ela
houvesse. Sem testemunhas, aquele havia sido o mais longe que eu já havia
atingido, tendo sido capaz de esticar minha mão até o alto e tocar na quina do
teto. Meu coração correu com empolgação conforme comecei a acreditar que eu
realmente poderia fazê-lo, que o sucesso estava a vista.
Dai cometi o erro
de conferir meu progresso. A experiência da altura para alguém que tem
dificuldades com ela é algo realmente problemático. Quando na verdade era algo
como 2 ou 3 metros, eu visualizei a distância como algo monumental. Meu estômago
revirou, meu coração bateu descompensado, e o mundo abaixo de mim começou a
girar e distorcer. Pior ainda, a perda de forças naquele momento fraquejou meu
corpo ao ponto de sentir minhas mãos se soltarem ao redor da calha.
É estranho como a mente
funciona. Eu estava ao ponto de admitir derrota e descer, mas, aguentar a
humilhação e as piadas era pior ainda, então, como se estivesse sendo desafiado
por vozes invisíveis e uma vontade fortíssima, fiz o maior de meus esforços e
subi. Quando minhas mãos tocaram o teto gelado e eu fiquei de pé, mal pude
notar que já estava lá.
Deixando sair uma
risada de animação, a sensação de alívio e vitória foi esmagadora. Mal podia
esperar pelo dia seguinte. Para subir no teto e provar a todos que haviam sido
cruéis comigo que eu era tão bom quanto eles. Olhando para o chão lá do alto,
ainda sentia uma pontada de medo, mas nada que chegasse aos pés da sensação de
poder que tomava conta da minha alma, meu triunfo rompendo minha ansiedade.
Ainda assim, não era bravo o suficiente para ficar lá muito tempo, então decidi
investigar os arredores rapidamente e sair de lá para a segurança do pátio e ir
para casa, extasiado. O teto era pintado em uma cor vermelho-fogo similar a cor
do prédio principal da escola, mas havia a muito descascado e soltado,
sugerindo que ninguém visitava ele para uma demão de tinta a um bom tempo
.
Me movendo com
cautela, sentia minhas pernas martelarem meu estômago cada vez que pisava só
pelo pensamento da altura em que me encontrava, algo não maior que três metros.
Ainda assim, não importando o quão nervoso e enjoado eu estivesse, a sensação
de triunfo que eu sentia correr em minhas veias era realmente incrível.
Fui de um lado ao
outro do teto, completando minha conquista, como alguém que patrulha uma área
nova para dizer que é de sua posse, que é seu território. Por
aqueles curtos instantes, o prédio era meu.
Justo quando me virei e voltei
para descer pela calha até o chão, meu olho atento percebeu algo que não havia
visto antes. Um buraco no teto. pequeno, mas o suficiente para que minha mão ou
algo maior passasse. Curioso, dei alguns passos e me ajoelhei para ver mais de
perto.
Sim, era um buraco,
e a luz proveniente do céu da tarde iluminava fracamente o que havia lá dentro.
Aproximei meu olho o máximo que pude do buraco sem tampar a luz do sol e me
surpreendi com o que eu vi. Lá abaixo na escuridão, como uma tumba
perfeitamente bem preservada, estava o banheiro branco e intacto. Conseguia ver
as pias onde os estudantes anos atrás lavavam suas mãos ou jogavam água um nos
outros por diversão e três divisórias - cubículos com portas de um marrom
extremamente escuro - bem conservadas como se ainda estivessem em uso. O ar
interno estava impregnado com poeira e idade mas se houvessem me contado que o
prédio fora fechado ontem, eu teria acreditado. Tudo perfeito por exceto uma
coisa, uma camada de água suja que cobria o chão, sem dúvida acumulada lá após
tantos anos de chuvas.
O cheiro que senti
me acordou de meus devaneios de explorador. Um forte e marcante cheiro que
apertou minhas narinas e machucou meus olhos. Sem dúvida alguma alguém fumava
ali perto. Um professor ou o zelador. Meu coração paralisou, e eu me odiei por
ter tomado tanto tempo comemorando minha vitória. Sem dúvida, também, a pessoa
estava no pátio logo abaixo, talvez até perto da calha, pois de tão perto o
cheiro do cigarro era denso e opressivo.
Me mantive encolhido no frio e molhado teto esperando que fosse lá quem
estivesse próximo, que fosse embora logo. A fumaça agora parecia praticamente
cáustica, assando o ar com sua força. Diversas vezes tive de segurar minha
respiração para não tossir ou espirrar, amedrontado com a ideia de ser pego.
Acredito que não seja exagero falar que fiquei meia hora sem me mover, ainda
assim, não me tomou sequer um segundo para que pudesse fazer uma notável
observação. Por mais que eu pudesse sentir o cheiro da fumaça - de um cigarro
infinito ou de um maço inteiro dado o tempo que se estendia - eu não conseguia
vê-la. Deveria poder ver as nuvens cinzas subirem, mas sequer o mais fino sopro
era visível.
O céu outonal escurecia e eu ficava mais e mais frustrado conforme a fria laje
de pedra me arrepiava. Desejando nunca ter subido lá, pra começar, senti a fome
se aproximar e percebi que meus pais já estariam preocupados comigo aquela
hora. Me persuadi a pelo menos olhar rápido pela borda do prédio para ver quem
estava lá a tanto tempo. Talvez, se a pessoa estivesse do outro lado do prédio,
eu poderia descer e fugir sem ser notado. Me esgueirei através do teto e
silenciosamente olhei para baixo, para me certificar de que nenhum movimento
brusco fosse produzido, deixando assim de chamar a indesejada atenção.
Não havia ninguém
lá. O pátio estava vazio e as janelas escurecidas do prédio principal pareciam
tão vazias como estavam antes. Ainda assim o cheiro impregnava meus pulmões e o
sabor se instalava na minha língua. Nesse exato momento, vi algo que me gelou
até os pés. Um solitário e fino fio de fumaça subia do buraco no teto. Alguém
estava no banheiro abaixo de mim,
Isso pareceu absurdo e impossível. Pelo que eu sabia, não havia como entrar. O prédio era selado totalmente do mundo externo, mesmo assim, lá estava. Uma
nuvem de fumaça logo acima do buraco do teto, saindo da boca de alguém não
visto logo abaixo.
Meu triunfo de ter
finalmente vencido meu medo de altura pareceu algo muito distante agora, uma
memória. E tudo que eu podia pensar era em descer daquele teto para a segurança
logo abaixo. Mas eu nunca vou saber porque
a curiosidade foi maior naquele momento e eu tinha de ver o que fazia a
fumaça lá de baixo. Fui até o buraco para uma rápida olhada, seguida da minha
rápida fuga e corrida até minha casa.
Ao me aproximar da
abertura, o cheiro se afirmava e as palavras "não
olhe" dominavam minha mente. Mas era tarde demais. Eu havia olhado. A princípio, não havia nada. O local logo
abaixo de mim parecia mais escuro do que antes, mas poderia ser minha visão se
acostumando com a falta de luz. O que não podia ser explicado era o barulho que
eu ouvi vir de dentro.
Pareceu distante de
início, indistinto e incerto. Então gradualmente tomou forma, soando para
mim como alguém se sufocando. Sorri
sozinho pensando que provavelmente era a fumaça do cigarro que causara aquilo e
que os moleques da região tinham um esconderijo ali. Mas, como não poderia deixar
de ser, de súbito, na densidade da fumaça meus olhos foram atraídos para um dos
cubículos. A sua porta estava fechada mas ainda assim eu não estava convencido
de que ela estava daquele jeito antes, momentos atrás quando havia olhado pela primeira vez. Como se ela houvesse sido fechada. Inclinei minha cabeça mais para perto
mais meu ângulo de observação não permitia que eu visse dentro do cubículo.
Ao que o som do sufocamento aumentou em volume, também aumentou a fumaça. O som
e o cheiro se uniam de um jeito que deu calafrios na minha alma. Entrei em
pânico, deixei sair um grito quando vi a porta estremecer diante de um chute violento que
alguém dera pro dentro. A fumaça tomara meus pulmões e olhos e eu não conseguia
ver nada nem dentro nem fora do prédio.
Então cessou. O som
do sufocamento desapareceu, e o cheiro de fumaça simplesmente se foi. Por um
momento pensei ter imaginado tudo. Respirei fundo enchendo meus pulmões, só
para que o terror tomasse lugar mais uma vez. No negro e frio silêncio do
banheiro a muito esquecido abaixo, o som de passos na água preencheu o ar.
Então, aos poucos, a porta do cubículo começou a abrir.
Não sei dizer o que de fato aconteceu após aquilo. Acho que bloqueei grande
parte da minha memória. Aparentemente o diretor - um homem intimidador porém
muito gentil chamado Sr. McKay - estivera trabalhando até mais tarde, do outro lado do
prédio da escola. Quando foi percebido o som de meus gritos ele correu para
fora e me achou enrolado como uma bola no teto dos banheiros velhos, paralisado
de medo, soluçando. Após algumas palavras tranquilas, ele me ajudou a
descer e me levou até o seu escritório onde mais uma vez garantiu minha
segurança, ligou para meus pais para que me buscassem e ficou de olho em mim
até que eles chegassem.
Confiei na
imparcialidade do Sr. McKay conforme eu lutava contra as lágrimas para contar
tudo que lembrava. O teto, a fumaça, o cubículo. Ao contar a história a ele, o sangue fugiu
de seu rosto e pude sentir ele gelar. Pensei muito no que ele me falou após
ouvir minha história. Talvez ele só quisesse me assustar para que eu e outros
não subissem mais lá, mas ele me pareceu extremamente genuíno com o que me relatou.
Ele me disse que anos atrás havia acontecido uma tragédia com uma garota de
doze anos na escola. Garota essa que ele se recusava a nomear. Ela tinha a
reputação de ser difícil. Os professores tentavam o melhor que podiam para se
comunicar com ela, atrair sua simpatia e cativá-la, mas ao que parecia ela tinha
um histórico de violência doméstica e era praticamente impossível de se
controlar. Havia sido suspensa diversas vezes por violência e constantemente
brigava com outros estudantes.
Um dia ela havia
decidido faltar a aula e conseguiu persuadir duas outras garotas a se juntarem
a ela prometendo um cigarro a cada uma. Então, com o desenrolar dos fatos, as
garotas se esconderam quando o sinal tocou e se foram aos banheiros. Os
detalhes do que ocorreu em seguida eram nebulosos, mas ficou claro que a garota
teve algum problema com desmaio, tendo morrido e ficado por ali mesmo. As
outras garotas alegavam terem ido embora antes de qualquer coisa ter
acontecido, mas haviam rumores que poucos falavam, mas muitos acreditavam.
Rumores de que a garota estava com as amigas quando desmaiou, e com medo de
serem pegas fumando e faltando a aula, elas colocaram a amiga no cubículo,
fecharam a porta e a deixaram lá. Se
elas acreditavam que a garota ia se recuperar ou não era objeto de muita
especulação. Os arranhões e marcas dentro do cubículo sugeriam que ela passou a
se convulsionar e se debater, talvez até mesmo em uma luta para fugir dali e gritar por ajuda.
Após o ocorrido o
prédio foi fechado e a escola junto com a comunidade deram o melhor de si para
colocar a tragédia para trás, apagar aquilo de suas memórias. Talvez o Sr. McKay tenha inventado tudo para me
assustar, tenha se aproveitado de tudo que eu lhe contei para criar uma
história que me traumatizasse para nunca mais sequer pensar em voltar a subir lá.
Infelizmente, algumas tristes consequências se seguiram. Eu de fato evitei o
prédio a todo o custo. Meu medo de altura não era nada comparado ao desespero e horror que o prédio era para mim agora. Meus colegas, é claro, não acreditaram na
minha história, me acusando de mentir sobre tudo para evitar que fizessem
piadas. E, ao que eles sabiam, eu nunca havia subido lá. Por fim, eu acabei me
confrontando com um sonho repetitivo durante minha infância. Um no qual eu
acordava coberto de suor frio, enrolado no canto da cama, gritando. Sabia que
nele, no sonho, eu estava no topo do prédio, olhando pelo buraco dentro do
local abandonado, mas a memória sempre me é vaga. Tudo o que resta é uma
impressão, da porta do cubículo se abrindo lentamente, e de algo olhando direto
em meus olhos lá de dentro.
Autor:
Micheal Whitehouse