"Ninguém virá para você"
Isso é o que ele me diz toda a noite enquanto estou em minha tumba de medos e desesperos que a tanto tempo me esquecer. Meu irmão adora me tormentar. Sempre teve grande prazer em meu medo e minha miséria. É sua idéia de diversão.
Me lembro vividamente de todas minhas noites aos meus 3 anos de idade. Toda a noite, por volta das 9 horas, minha mãe me avisava que era hora de dormir. Ela me colocava em meu colchão, na parte de baixo de uma beliche feita de algum aço muito velho. Me beijava a testa antes de dar boa noite, desligando a luz, saindo e fechando a porta. Conforme ficava observando as diversas formas difusas que os móveis formavam com o feixe de luz que vinha do corredor pela brecha de baixo da porta, ouvia a cama de cima se mexer, retorcer e chiar. Fechava meus olhos e chorava em silêncio, sabendo que o jogo cruel de meu irmão estava para começar.
Toda noite ele fazia meu tormento crescer sobre o medo que ele mesmo implantara em mim, sobre a miséria que me aguardava.
"Ninguém virá para você."
Ele começava.
"Ninguém vai te salvar quando eu te levar para o outro lugar."
Eu ficava ali, encolhido dentro de mim mesmo, indefeso, ouvindo assustado as mil e uma torturas que meu irmão planejara praticar comigo. Como quebrar todos meus ossos lentamente até de modo que se curariam quando ele terminasse o último e assim pudesse quebrar todos de novo, e ficar nisso até moer tudo.
Me dizia que um dia faria tudo aquilo, mas por enquanto só queria me ameaçar mesmo, era mais divertido.
Meu irmão adora me atormentar.
Então, essa foi minha infância até eu completar 7 anos. Meu pai decidiu que era hora de se livrar da beliche. Ele tinha comprado elas quando minha mãe estava grávida.
Vivemos em um pequeno flat em Londres, nada muito grande mesmo. Então quando minha mão disse a meu pai que esperava gêmeos, eu e meu irmão, ele apareceu lá em casa com aquela beliche de aço, dizendo ser a perfeita solução pra a falta de espaço. Apesar de sabermos que não a usaríamos até fazer dois anos e meio, já haviam decorado o quarto, completo com a beliche e tudo mais dois meses antes de nós nascermos.
Digo nós, mas deveria dizer eu, pois meu irmão morreu enquanto minha mãe dava a luz. Não sei muito o que aconteceu, hesitava em perguntar aos meus pais sobre, já que o assunto os levava às lágrimas... Então simplesmente não falávamos disso lá em casa.
Não acredito que ainda lembro daquelas coisas. Tenho 27 agora. Tenho meu próprio flat, e um trabalho legal, e uma ótima coleção de pílulas para dormir.
Vou tomar um vidro todo esta noite. Finalmente vou dormir. Ele não vai me manter acordado essa noite. Ah, eu sinto falta da beliche. Pelo menos, quando ele ficava na cama de cima, eu não podia vê-lo.
Meu irmão adora me atormentar.