Olá a
todos, meu nome é Suzano Junior, sou uma pessoa muito reclusa e reservada (fui
diagnosticado assim), então o único jeito de contar o que se passou comigo é
por meio da escrita, pois nunca tive a coragem de desabafar em um ombro
amigo... talvez por vergonha ou por não ter os laços necessários para tal. Também
é por isso que uso um nome fictício.
Enfim,
desde o inicio de minha educação na pré-escola, sempre tive dificuldade com a
escrita e leitura, é verdade que compensava essa deficiência na questão artística
herdada pela família de minha mãe, era um desenhista muito avançado para a
minha idade, nato, muito talentoso mas não conseguia juntar as sílabas para
fazer um “bê-a-bá”.
Preocupados
com esta situação, provavelmente por não participarem de minha didática por
conta do excesso de trabalho, meu pai e minha mãe recorreram a um artifício
muito comum entre a grande maioria das famílias brasileiras, as revistinhas da
Turma da Mônica. Foi como então tomei gosto e apreço pela leitura e escrita, funcionou
perfeitamente, as histórias de Mauricio de Sousa são um anzol para criaturas
pequeninas a serem moldadas.
Minha mãe
tinha uma irmã que era babá, no momento estava sem emprego, tiveram então a
brilhante ideia de contrata-la como empregada-babá, já que era uma pessoa
próxima de mim, tudo se tornaria mais fácil e seria supervisionado e educado
por minha tia-babá.
O tempo
foi passando, e eu não precisava mais de companhia para que lessem ou me
ajudassem com a leitura dos gibis, era um passatempo, era diversão para mim e
não mais uma obrigação! As revistinhas chegavam duas vezes por mês, sempre
comigo contando os dias. Me tornei fiel à turma da Mônica, mesmo crescendo,
tornando os valores e a mente cada vez mais velhas.
Três anos
depois chegou uma edição em que havia uma proposta para que nós os leitores
escrevêssemos ou desenhássemos uma história e enviássemos para editora. Se a
mesma fosse boa o bastante, seria publicada juntamente com as histórias dos
outros ganhadores em um Gibi para apenas as 10 melhores, que seriam passadas e
coloridas aos traços do criador... aos traços de Mauricio de Sousa.
Esta
edição não estaria a venda, os 10 ganhadores cada um receberiam em sua casa um
único exclusivo exemplar com o seu nome impresso no fim das histórias, é de fazer
inveja a qualquer amiguinho, é um troféu para orgulhar meus pais e minha tia
babá.
Nesta
mesma época minha família passava por dificuldades, estava na quarta série e já
era maduro o suficiente para entender que meu pai, que estava doente devido ao
câncer estava nos seus meses finais de vida. Como presente, queria muito
mostrar-lhe a edição da revista em que tinha certeza que ganharia como uma das
histórias vencedoras, onde o time do Cascão ganharia o campeonato do campinho
do bairro do Limoeiro em cima do time de seu meu melhor amigo o Cebolinha; tive
essa ideia pois eu e meu pai éramos aficionados em futebol.
Não deu
tempo...Meu pai acabou falecendo antes que o resultado dos ganhadores fossem
revelados. Ah meu Deus, faria qualquer coisa para tê-lo de volta e saudável,
talento desperdiçado, deveria ter feito a história e dar para ele ler de minhas
mãos!
Minha
mãezinha então, entrou em um estado quase catatônico, deixou de trabalhar e
cuidar de mim, minha tia que também era empregada e babá, decidiu socorrer sua
irmã, tornando-se a chefe da família e não mais cobrando um salário para
efetuar suas tarefas. Sempre que minha mãe apresentava algum sinal de melhora,
ela via alguma foto ou lembrava de meu pai e piorava outra vez, minha tia então
deu fim de TUDO o que lembrava meu pai, fotos, roupas, filmes... A comida
favorita de meu pai nunca estava no cardápio, e principalmente as
CORRESPONDÊNCIAS que davam a ideia que ele ainda estava em casa. Foi como se a
existência de meu criador fosse apagada, assim como a de Mauricio de Sousa para
com suas personagens.
Muito
tempo se passou, iniciei o meu ensino superior e tive que me mudar de cidade. A
faculdade de Direito, que leva 5 longos anos, deixei para trás a minha mãe e minha
tia que praticamente me criou, nunca tive coragem de levar todos os meus
pertences, acho que queria passar a ideia de que ALI ainda era meu lar, meu
porto-seguro, meu quarto ficara praticamente no mesmo estado em que deixei,
fora o guarda-roupa vazio. Eu as visitava todo final de semana.
Logo no
final de meu quarto ano de faculdade, minha mãe e minha tia mudariam da casa
onde viviam, a casa em que passei minha fase infantil, adolescente e
pré-adulta. Achavam que uma mudança de ares faria muito bem a minha mãe. Minha
tia, me ligou pedindo para que eu removesse o resto de minhas coisas do local,
pois elas já haviam se mudado e me deixou o número do telefone residencial da
nova casa.
Esperei o
final de semana então e rumei a minha cidade natal. Cheguei em “casa” e tudo
estava vazio, apenas meu quarto com meus pertences restantes e o
“quartinho-guarda-tranqueira” que possuíamos detinham alguns objetos.
Era lá
onde minha tia guardou tudo relacionado a meu pai, obviamente não levaria para
nova casa pois minha mãe deveria se livrar de seus pesadelos e não revivê-los
mais, de forma que ela ficaria mais "segura". Fucei em algumas coisas
e me deparei com a caixa de papelão que continha as correspondências em nome de
meu pai. No meio da resma, me deparei com um almanaque da Turma da Mônica ainda
lacrado. Pensei logo em seguida “O que isso esta fazendo aqui?”. Provavelmente
minha tia, não considerou que era destinado a mim a correspondência, foi um
erro fatal, pois eu era JUNIOR, tinha o mesmo nome que meu pai, ao ler apenas
as iniciais já tomara a atitude de se livrar do conteúdo.
Comecei a
folhear então a edição e vi que as histórias eram completamente estranhas,
pareciam estar deslocadas ali, bem a frente do público destinado, quando
finalmente vi meu nome, entendi que eu fui um dos ganhadores da promoção, e
NUNCA soubera.
Mas ao
começar a ler a história que correspondia ao meu nome, busquei na memória e vi
que não era nada daquilo que tinha escrito, a história original fora totalmente
editada por outra pessoa.
Cebolinha e Cascão estavam vestidos
estranhamente e brincavam em volta de algo que parecia um circulo para bolinhas
de gude. Mônica se aproximou e disse que queria brincar também, eis que
cebolinha responde “esta blincadeila é apenas pala
meninos, você não pode golducha”
Cascão
estava muito tristonho e nos quadrinhos seguintes revelou que havia contado
anteriormente ao Cebolinha que havia perdido seu pai, e que queria trazê-lo de
volta para vê-lo ganhar a final do campeonato,pois achava-se muito talentoso no
futebol, e tinha certeza que sairia vitorioso!
Cebolinha
dizia algumas palavras, e no meio delas os símbolos que Mauricio de Sousa usava
para caracterizar os palavrões como nuvens, hashtags e cobrinhas.
No final
da história, o pai de Cascão assistia ao jogo, porém sem seu filho dentro do
time, e ninguém parecia notar a ausência de cascão. Depois do “fim” escrito no
quadrinho, vinha meu nome Suzano Jr., tinha certeza que eu não era autor
daquela história bizarra.
Não
consegui falar com minha mãe ou minha tia, voltei então para minha cidade
atual, fazia estágio na sala de um Juiz renomado, usei o sistema de busca de
réus, para localizar os outros nove ganhadores das outras histórias...sem
sucesso.
Com
pesquisas mais aprofundadas que poderiam custar meu emprego, tendo em vista que
era para uso federal, vi que nenhum dos outros nove se encontravam vivos, três
eram dados como desaparecidos, todos realmente muito talentosos por terem ganho
a promoção.
Jamais
deixarei que meus filhos leiam ou aprendam ler e escrever com a Turma da
Mônica. Depois de incessantes tentativas de contatar minha mãe e minha tia que
pareciam ter esquecido de mim, tendo em vista que mantinha contato em todos os
finais de semana, recebo uma ligação do número telefônico da onde estavam
vivendo (que foi previamente passado pela minha tia), era meu pai dizendo: “Ah
meu filho, você achou a revistinha? Parabéns, você é muito talentoso!”.
Enviado/Escrito por: Tiago Luiz Frank